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1963 e 1993: a glória do futebol boliviano

Fabio Perina 25 de fevereiro de 2021

O país cujo nome homenageia Simon Bolívar, o principal libertador da América do Sul, chegou a ser uma das regiões mais prósperas do período colonial por suas riquezas minerais. Porém nas primeiras décadas de sua vida republicana somou decepções com perdas territoriais como uma saída para o mar na Guerra do Pacífico (1879-83) contra o Chile e na Guerra do Chaco (1932-35) contra o Paraguai. As primeiras décadas do futebol na Bolívia coincidem com o desalento da sua sociedade. Vide que suas primeiras participações em Copas do Mundo foram por convite: no Uruguai em 30 e no Brasil em 50. Somando grandes goleadas na primeira por Brasil e Iugoslávia por 4 a 0 e na segunda pelo Uruguai por 8 a 0. Em suma, futebol e política vivem um grande desencontro no país, que já foi detalhado aqui, pelo qual quando raramente um anda bem o outro continua andando mal.

1963

Quando da oportunidade de sediar o Campeonato Sul-Americano (antigo nome da Copa América) de 63 o país vivia os últimos anos da revolução democrática e nacional de 52 com os presidentes Paz Estenssero e Hernando Siles se alternando. Hoje é consenso o rumo reformista que a revolução tomou com os operários entregando o poder recém conquistado à pequena burguesia. O que custaria caro no ano seguinte, em 64, sendo ceifada por um golpe. Mesmo assim é notório não esquecer suas primeiras gloriosas jornadas de cerco a La Paz (como o líder indígena Tupac Atari fez no final do período colonial) e principalmente aniquilar o exercito oligárquico! Voltando ao futebol, foi um dos torneios mais esvaziados pela desistência de Chile (por problemas diplomáticos) e Uruguai e pelo protesto de Brasil e Argentina enviando seleções alternativas por conta da altitude extrema de La Paz. Em um formato de disputa de heptagonal de todos contra todos, La Verde começou empatando em 4 a 4 com o Equador e depois venceu todos os adversários: Peru, Colômbia, Paraguai, Argentina e Brasil. A histórica última partida com incrível placar de 5 a 4 levou ao primeiro e único título da seleção boliviana – que durante meio século pôde ostentá-lo diante de seu arquirrival Chile sem ter nada

1993

Após vários golpes militares e derrotas no futebol, por coincidência exatamente 30 anos depois veio a tão improvável quanto ousada geração dourada. As más campanhas recentes em Eliminatórias e Copas América não sugeriam que a campanha para as Eliminatórias de 93, a primeira em um formato pentagonal, seria tão vitoriosa. A começar pela contratação do desconhecido treinador espanhol Xabier Azkargorta. Inusitado também, pois foi um dos poucos momentos que “La Verde” deixou de usar uma camisa verde lisa e inovou com um dégradé de verde com branco irregular, bem típico de uniformes experimentais dos anos 90!

Seleção Bolívia
El Diablo Etcheverry. Foto: Reprodução

A equipe base tinha na defesa a segurança do goleiro Trucco, os zagueiros Sandy e Quinteros e o volante Cristaldo (dos quatro, apenas Sandy não era argentino naturalizado boliviano). E no ataque a garra e habilidade de Julio Cesar “Emperador” Baldivieso, do craque máximo Marco “El Diablo” Etcheverry e de vários gols decisivos com mísseis de longa distância de Edwin “Platini” Sãnchez. Na primeira partida fora de casa já botou as cartas na mesa do futebol ofensivo que aplicaria vencendo por 7 a 1 a Venezuela. Uma sequencia de partidas em La Paz trouxe euforia e confiança nas vitórias sobre Brasil por 2 a 0, Uruguai por 3 a 1, Equador por 1 a 0 e Venezuela por 7 a 0. A tranquilidade de depender de apenas um ponto contrastava com o problema seria as três partidas seguintes ter que sair da sua altitude. Foi no sufoco: derrotas no Brasil e no Uruguai e depois o tão sonhado empate no Equador garantiu pela primeira vez uma vaga de Copa do Mundo conquistada ao invés de convidada como nas primeiras edições.

No ano seguinte, na Copa nos Estados Unidos, a estreante teve o azar de cair em um grupo difícil com Coréia do Sul e principalmente Alemanha e Espanha, porém teve chances de classificação para as oitavas até os instantes finais. Ao menos de consolo ficou o primeiro e único ponto, no empate com o coreanos, e o primeiro e único gol, de Sanchez, como não poderia deixar de ser, de fora da área. No ano seguinte, em 95, na Copa América do Uruguai, pela primeira vez “La Verde” voltou a sonhar alto ao sair da altitude. Ao cair em um grupo duro com a atual bicampeã Argentina e o arquirrival Chile, a vitória única que deu a classificação para as quartas-de-final foi uma dupla redenção. Pelo gol de Etcheverry, se redimindo após a agressão nos primeiros minutos da Copa do Mundo que o fez perder o restante da competição. E pela vitória contra os Estados Unidos sendo uma vitória simbólica contra o imperialismo. Na política, infelizmente os avanços da geração dourada da Bolívia, entre 93 e 97, coincidiram exatamente com os retrocessos do choque neoliberal na sua etapa mais radical com seu presidente Sanchez de Lozada.

No último ato desse ciclo eles estiveram muito próximos de um título continental ao sediarem a Copa América de 97. Uma campanha impecável com vitórias sobre Venezuela, Peru e Uruguai na fase de grupos e depois sobre Colômbia e México no mata-mata. Jogando sempre em La Paz a Bolívia foi à final contra o Brasil que venceu todas jogando sempre em Santa Cruz de La Sierra, cidade que pela proximidade da fronteira tem grande presença de estudantes e empresários brasileiros. Na final, placar disputado de 1 a 1 no primeiro tempo se arrastou por boa parte do segundo. Pela segunda vez, assim como em 93, La Paz foi o pesadelo do goleiro brasileiro Taffarel ao engolir os frangos mais recordados de sua carreira: um chute sem ângulo de Etcheverry nos minutos finais em 93 e um chute do meio da rua de Sanchez (sempre ele) em 97. Antes de fazer os dois gols na reta final, o Brasil foi claramente favorecido pela arbitragem pelo peso da camisa ao escapar de um pênalti contra e de uma expulsão. Minutos depois do apito final com o 3 a 1, ficou eternizado o desabafo do treinador Zagallo com o “vocês vão ter que me engolir!”. E depois? Desde então, em mais de duas décadas o futebol boliviano estagnou novamente no âmbito de seleções e de clubes. Chamando a atenção como o menos afetado no continente pelo “futebol moderno”. Exceto nas últimas semanas com a notícia (em parte bombástica e em parte aleatória) da compra do Bolívar para fazer parte da “franquia” internacional do “grupo City”, se somando a clubes de todos os outros continentes (exceto os africanos), diante da promessa de padronizar em todas as filiais a gestão fora de campo e até o estilo de jogo dentro de campo. Justamente o tradicional clube celeste que é o maior vencedor de títulos bolivianos.


 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. 1963 e 1993: a glória do futebol boliviano. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 52, 2021.
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