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A continuidade de um trabalho aquém de mediano

Luciane de Castro 6 de março de 2019

Quando, em setembro de 2017, a então primeira mulher a comandar a seleção feminina principal foi demitida com menos de um ano de trabalho, e sem ter disputado um único torneio oficial, prometi, para o bem de minha saúde, fingir demência quando o assunto fosse seleção feminina.

Dois anos se passaram desde então, e tenho acompanhado a modalidade em silêncio. As críticas não são sempre bem-vindas e apontar as falhas muitas vezes são traduzidas como recalque ou falta de entendimento do assunto. Como ando preguiçosa, no sentido de evitar a fadiga explicando o óbvio, preferi manter a distância e esperar o momento certo para voltar a fazer os apontamentos necessários às vésperas da competição mais importante: a Copa do Mundo.

O retrospecto de Vadão com a seleção feminina é de mediano para fraco, e isso não é apenas achismo ou implicância gratuita. Fiz um levantamento sobre seu desempenho e publiquei aqui no Ludopédio. Ainda assim, o comando da CBF decidiu trazê-lo de volta à seleção após a demissão de Emily. 

Aguardou-se então, por alguns, pelo “excelente” trabalho de Vadão, que se resumiu a conquistar vaga para a Copa do Mundo da França e para os Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, como fizeram todos os outros técnicos que já passaram pela seleção feminina. Quer dizer, nada de excepcional.

Vadão durante do treino da Seleção Feminina na Granja Comary, em Teresópolis. Foto: Rener Pinheiro/Mowa Press.

 

Não faltam talentos, eles inclusive sobram. O que falta mesmo é mão competente para dar a esses talentos alguma condição de disputar de igual com outras seleções de modo coletivo e não na eterna aposta no talento individual de Marta.

O site Planeta Futebol Feminino levantou e apontou que a derrota para o Japão na segunda partida do Torneio She Believes, contabilizou a sexta derrota consecutiva de Vadão à frente da seleção em jogos oficiais e o pior da história. Superou as cinco derrotas de Emily:

  • Derrota para a Alemanha por 3 a 1 em jogo amistoso
  • Derrota para os EUA por 4 a 3 no Torneio das Nações
  • Derrota para a Austrália por 6 a 1 no Torneio das Nações
  • Derrotas para a Austrália por 2 a 1 e 3 a 2 em jogos amistosos

Desde que reassumiu a seleção, Vadão comandou 13 jogos, sendo 7 vitórias contra adversárias de nível e ranqueamento abaixo do nosso em torneio oficial, a Copa América. Em jogos amistosos da data FIFA e no Torneio das Nações de 2018, somou 5 derrotas em 6 jogos. 

  • Derrota para a Austrália por 3 a 1 no Torneio das Nações
  • Derrota para os EUA por 4 a 1 no Torneio das Nações
  • Derrota para o Canadá por 1 a 0 em jogo amistoso
  • Derrota para a Inglaterra por 1 a 0 em jogo amistoso
  • Derrota para a França por 3 a 1 em jogo amistoso

Em 2019, no Torneio She Believes, 3 derrotas em 3 jogos:
– Derrota para a Inglaterra por 2 a 1
– Derrota para o Japão por 3 a 1
– Derrota para os EUA por 1 a 0

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Às vésperas de mais uma Copa do Mundo, onde obtivemos o melhor resultado da história em 2007 com o vice-campeonato, é preocupante que apresentemos resultados tão negativos frente às seleções que melhoraram o nível de seu futebol com a clara preocupação de trabalhar a evolução do futebol de mulheres.

Não se trata de pura picuinha ou simples desejo de diminuir o trabalho de alguém. Os dados, os fatos e o próprio jogo apresentado denotam a falta de qualidade de um técnico para comandar a seleção principal. E esta falta de qualidade que insistem em manter dialoga diretamente com as posições de poder de alguma entidades, em especial a CBF, por seguir considerando o futebol praticado pelas mulheres brasileiras como algo secundário, como algo de menor importância, indo, portanto, na contramão do fluxo mundial.

Precisamos suplantar o hábito de transferir a responsabilidade de cargos importantes para nossos afetos e relegar aos desafetos ou adversários ideológicos a oportunidade de apresentar seu trabalho em momentos importantes e, por que não, conseguir resultados mais expressivos.

Se por ego ou pura teimosia, seguimos em todos os âmbitos neste Brasil do absurdo, premiando os obtusos e os despreparados. Se cada um tivesse plena consciência de suas habilidades e não fosse tomado por desejos de poder a qualquer preço, o país de Sissi, Formiga, Marta e Cristiane, brilharia pleno.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lu Castro

Jornalista especializada em futebol feminino. É colaboradora do Portal Vermelho e é parceira do Sesc na produção de cultura esportiva.

Como citar

CASTRO, Luciane de. A continuidade de um trabalho aquém de mediano. Ludopédio, São Paulo, v. 117, n. 8, 2019.
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