“Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria”
Manuel Bandeira
O Brinco de Ouro da Princesa recebeu no dia 29 de abril mais uma partida entre Guarani e Ponte Preta. O clássico mais antigo do futebol paulista completa 100 anos em 2012, cercado de rivalidade, tensão e principalmente expectativa.
O clubismo (DAMO, 2002, 2007), essa adesão que flerta entre a adesão voluntária e os constrangimentos sociais, pauta a vida do torcedor. As representações do clube que se ama está na história, no presente, se afirmando no cotidiano e nas escolhas de vida que se faz e nos sentimentos que se sente. A raiva quase involuntária e o ódio da frustração são parte do pertencer. Quando escolhi o Guarani, o lado verde da cidade, fui percebendo que nunca mais veria o outro lado da Avenida Norte-Sul da mesma forma.
Após o clássico realizado na fase de classificação do Campeonato Paulista em 23 de março, no estádio Moisés Lucarelli, poucos eram os que acreditavam que Guarani e Ponte Preta pudessem jogar novamente este ano, pois estão em divisões diferentes no campeonato nacional. As possibilidades eram um encontro pela fase eliminatória do Campeonato Paulista ou pela Copa do Brasil, caso as duas equipes se classificassem e se encontrassem nos cruzamentos.
Para que o improvável ocorresse, Guarani e Ponte se classificaram em 4ª e 8ª lugares para as quartas de final do estadual paulista, enfrentando Palmeiras e Corinthians, em jogos únicos, em Campinas e em São Paulo respectivamente. Enquanto o duelo entre os alvinegros marcou 3 a 2 para os campineiros, minutos depois começava no Brinco de Ouro o duelo dos alviverdes que também acabaria em 3 a 2 para a equipe de Campinas, coincidências do destino.
Há anos que a cidade de Campinas não vivia um clima de disputa na mais alta divisão do futebol paulista. Ambos os times passaram parte dos últimos anos como espectros de sua própria história, de suas glórias e de seus craques. A cidade se dividiu em verde e preto para decidir quem chegaria à final do campeonato paulista, o que ainda estava fresco na memória do torcedor pontepretano, finalistas em 2008, já era um pouco apagada da memória bugrina, remetendo a 1988.
Por conta da morte ocorrida no dérbi sub-15 e sub-17 , poucos dias antes da primeira partida do ano, o clima era de insegurança entre ambas as torcidas e direções, que reafirmavam a todo momento, pelos mais diferentes meios de comunicação, que rivalidade não poderia se transformar em hostilidade, sob prejuízo para ambos os clubes, para o torcedor e para a sociedade. Contudo, a PM não acreditando na súbita mudança de comportamento de alguns torcedores, aumentou o contingente policial e restringiu a quantidade de ingressos para a torcida visitante , a pontepretana. Os 900 policiais conseguiram manter a cordialidade entre os pouco mais de 16 mil, deixando o embate restrito apenas aos 22 jogadores.
A final antecipada de Campinas fazia com que os torcedores de ambos os times temessem e aguardassem o seu desenvolver. As jocosidades e perseguições que se seguiriam a partida em casos como este podem durar anos, definir relações sociais e acirrar ódios e frustrações.
A rivalidade é interpretada pelos diferentes torcedores das mais diferentes formas servindo de justificativa às jocosidades (DAMO, 2002,2007), à negação do outro (ALABARCES,2004), inclusive da sua humanidade, cabendo a rivalidade como justificativa para os enfrentamentos violentos entre torcedores e entre jogadores, parte do cotidiano do dérbi campineiro.
A chuva que tomou conta da cidade durante todo o dia era o palco ideal para a abnegação do torcedor, que na chuva e no frio veria a decisão do seu destino. Às 18:30 começaria a se contar uma história de destino incerto, múltiplos atores, talvez algum deles mais determinantes que os outros.
O desespero de ver a contusão de Fumagalli, maestro do meio de campo, a Ponte Preta fazer 1 a 0, causando o silêncio do torcedor bugrino, era a pulsão de morte gritando.
A virada com os gols de Medina, que saiu do banco de reservas para se consagrar e consagrar o Guarani finalista diante do time do Santos, são daqueles momentos que marcam gerações de torcedores, pautam anos de discussões e jocosidades na cidade.
O que acontecerá na final do campeonato? Pouco importa, vencer um dérbi como esse é quase tão especial quando um título para o torcedor campineiro e esse título simbólico, nem por isso sem validade, integrará o presente do Guarani e está marcado em sua história.
PS: O campeonato paulista que cada vez mais atribui sua parca importância no cenário nacional como oportunidade dos torcedores do interior do estado acompanharem os grandes times em suas cidades, obrigando as equipes que chegam à final fazerem 23 partidas, muitas delas de significância quase nula, retira as finais das cidades de Campinas e de Santos, passando ambas as partidas da decisão para o estádio do Morumbi.
Uma atitude que só reforça a importância do capital e das alianças políticas entre federações e clubes em detrimento do torcedor, esse pobre demônio, que atura fases intermináveis de classificação, que atrapalham a pré-temporada dos clubes, e quando pensa que tudo isso é por um fim maior, a possibilidade de uma final em seus domínios, é chamado novamente à realidade… a realidade dos interesses econômicos e políticos.
BIBLIOGRAFIA
ALABARCES, Pablo. Crónicas del aguante. Buenos Aires. Capital Intelectual. 2004.
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[1] Os estádios de Guarani e Ponte-Preta distam menos de um quilômetro, separados pela Avenida Norte-Sul, uma das vias de maior circulação da cidade de Campinas.
[2] http://www.rac.com.br/times/canal-do-guarani/121411/2012/03/18/violencia-em-campinas-cruza-o-caminho-do-derbi.html
[3] Foram cedidos apenas 1500 a torcida pontepretana, equivalente a 5% da capacidade total do Brinco de Ouro da Princesa.