A identidade cultural de “El Ciclón” San Lorenzo e o bairro de Boedo
Desde quando o futebol se tornou popular em todo o mundo, é comum vermos clubes e torcedores se apegarem na essência cultural do bairro de origem. A demarcação territorialista sempre foi um glamour na arquibancada e serve de oxigenação para novos torcedores seguirem adiante o que seus antepassados sentiam ao ver uma partida de futebol. Na Argentina, uma nação caracterizada pela paixão ao extremo com seus clubes, sendo comparada sem exagero com religião, não é diferente. Em Boedo, um bairro de classe média em Buenos Aires, a “hincha” de San Lorenzo é uma das maiores personificações do que é o bairrismo no futebol.
Conhecido por ser o time do Papa Francisco e uma inspiração que levou Pep Guardiola moldar seu estilo de pensar futebol, o San Lorenzo orgulha-se de ter atualmente cerca de 2 milhões de torcedores (5% da população nacional). Ainda assim, diante dessa massa de torcedores, o subúrbio é a verdadeira casa dos Cuervos. A periferia que respira Tango, se viu crescer de forma considerável nas 3 primeiras décadas do século passado (XX) por conta da popularidade do San Lorenzo, que integrava sociedade e cultura através do futebol.
A origem em Almagro, que posteriormente tornou-se a virar Boedo, permitiu que o bairro rapidamente se identificasse com o clube. De origem católica, o padre Lorenzo Massa junto dos garotos de Almagro saltaram de um clube amador em 1908 para um time de elite nacional em 1915. O crescimento era tanto que na década de 30, o Gasómetro (estádio do clube) passou a abrigar 70 mil espectadores – vindo a ser o maior estádio da Argentina.
Assim como o clube, a população local sofreu com repreensão militar. O bairro conhecido pela cultura musical e respirava carnaval, sofreu com as fortes instabilidades políticas no país durante os anos 30 até 70. Uma das tentativas de ferir o orgulho de Boedo, foi justamente na última década de represálias, onde em 1971, Agustín Lanusse – presidente e comandante argentino – ordenou a construção de uma avenida que cruzasse o estádio ao meio. O objetivo era simples, acabar com o San Lorenzo e destruir Boedo.
Ainda assim, a frustrada tentativa de nada adiantou. Boedo se uniu mais do que nunca, San Lorenzo seguia de pé, mas em 1979 a ditadura local deu seu maior golpe cultural no bairro. O prefeito Cacciatore acreditava que o Gasómetro era o palco para os maiores delinquentes do país, pois ali surgiam cânticos de oposição ao governo, ecoando em milhares de vozes. Visando tirar o clube do bairro, o governo conseguiu unir San Lorenzo, Huracán e Vélez Sarsfield – três rivais – em um único estádio, sob argumento de que Buenos Aires já tinham muitos estádios.
Boedo deu adeus para San Lorenzo naquela época e o Gasómetro foi vendido por 900 mil dólares. Sair do bairro causou tanto impacto que em 1982, o clube torna-se o primeiro gigante argentino a cair para segunda divisão. Ainda que jogasse em divisões inferiores, nos estádios mais distantes da sua raiz, a torcida só cresceria. Essa retomada fez que os Cuervos conseguissem sua nova casa – o Nuevo Gasómetro – a 3 km de Boedo, no bairro de Bajo Flores.
A volta
Sendo assim, com o passar dos anos a torcida do San Lorenzo seguiu forte com a missão de pressionar políticos da pós ditadura. Em 2006 é iniciado um movimento popular com mais de 100 mil torcedores pedindo a volta para Boedo. Grafites e cantos ganham popularidade no bairro, em protesto pela retomada do antigo território, que estava sob administração do Carrefour. Em 2012 a petição é aprovada e dois anos mais tarde as negociações se iniciaram. O clube gastou 12 milhões de dólares para retirar o supermercado da Avenida La Plata e voltar para seu coração.
“Para Boedo lo que es de Boedo”, “Me verás volver!” e tantos outros cânticos, se tornaram populares no bairro. O San Lorenzo está oficialmente de volta para sua casa após cinco décadas. A torcida e o clube que foram separados forçadamente, voltaram a resgatar o orgulho bairrista e diante de um país assolado em problemas financeiros, nasce uma nova expectativa de reestruturação através do futebol.