21.6

A imagem e as mil palavras

Carmelo D. Silva 18 de março de 2011
Propaganda da cerveja australiana Carlton Draught.

“Ao assistirmos a um programa esportivo ou uma transmissão de uma partida,vemos e ouvimos discussões e comentários imprecisos, sem a fundamentação teórica e histórica necessárias para dialogar com os telespectadores, que ficam a mercê dessas informações”1.

Começo esse texto citando um artigo sobre A História do Jornalismo Esportivo, pois tentei rastrear de onde surgiu a figura do comentarista. A pesquisa não foi muito aprofundada, mas deu pra ver que a figura do comentarista esportivo é bem recente. Por exemplo, na nossa “capital”, USA, as transmissões esportivas começaram em 1912, sendo que o primeiro comentarista surgiu apenas em 1921: Florent Gibson, na cobertura da luta de boxe entre Johnny Ray e Johnny “Hutch” Dundee para o jornal Pittsburg Star2.

Infelizmente no caso brasileiro não é tão fácil rastrear quando surge essa figura, mas uma boa aposta é o jornalista pernambucano Mário Filho (1908 – 1966).

Deixando a História de lado e voltando aos comentaristas da atualidade… Dá pra imaginar coisa mais inútil do que um comentarista esportivo num evento transmitido ao vivo na televisão?

Na época do Rádio, concordo que era quase uma necessidade, como ainda pode ser entendido nos dias atuais em que as estações de rádio ainda ocupam lugar privilegiado quando o assunto é futebol (basta ver o número de radialistas credenciados para os jogos).

Em contrapartida, se no rádio, em que o receptor não está vendo a disputa, um comentarista se faz importante, o mesmo não ocorre (em meu entendimento), na transmissão com imagens. Não preciso que alguém me diga que foi pênalti… EU VI que foi! E o vi por vários ângulos, em câmera lenta e o escambau! Além do mais, a única opinião relevante é a do juiz em campo, este é quem decide (e são raríssimas as entrevistas com juízes ou árbitros, como prefiram). Um jornalista, por mais “qualificado” e “entendido” que seja, vai acrescentar muito pouco. O que acontece então? Ficam “falando besteira”… como no jogo entre Murici/AL e Flamengo/RJ, estreia da equipe carioca na Copa do Brasil, quando o narrador avisa aos telespectadores mais desatentos que está chovendo no estádio, e pergunta no ar ao seu repórter de campo: “Você já vestiu sua capa de chuva, fulano de tal?”

Como conceber tamanho desatino em um meio de comunicação no qual um minuto de transmissão custa milhares de reais?

Se fosse este um caso isolado, tudo bem… Mas os absurdos se repetem: um comentarista de um canal especializado em esportes na TV por assinatura comentou: “Carlitos Tevez não está indo bem no Manchester City”. Nada mais inverídico, já que o atacante é o artilheiro da equipe e vice artilheiro do campeonato inglês com 18 gols! Espera-se de alguém “especializado em comentar esportes” que ao menos entenda do assunto para não falar bobagens como esta!

Outra boa frase sobre o assunto veio do treinador de futebol Emerson Leão, que disse na rádio Globo, onde esteve fazendo algumas participações como comentarista que “é bem mais fácil ser comentarista que treinador: comentarista fala depois do lance e ainda tem replay”.

Mas todas essas são observações pessoais, minhas. Assim, pensei, talvez seja apenas eu que vejo isso. Talvez outros pensem diferente. O finado Pierre Bourdieu sempre me inspira. Em uma rápida pesquisa, logo concluí que não sou um caso isolado. Muita gente já viu o engodo que sãos os comentaristas esportivos…

Também não é um privilégio brasileiro. A cervejaria australiana Carlton – Draught lançou em 2007 uma campanha publicitária chamada “Classic moments in commentary” (Momentos clássicos dos comentários, em livre tradução). As peças citam alguns comentários reais que foram ao ar3:

“Isto é um Deja Vu que se repete novamente”
“Se ele conseguir isto, ninguém poderá dizer qual será o placar”
“São 62 mil aqui está noite, mas soam como 60 mil”
“Eles já podem ver a cenoura no fim do túnel”

 

Para citar um caso extremo, teve o recente episódio do “Cala a boca Galvão”. Não por acaso, o emblemático narrador da Rede Globo é referência em gafes televisivas. Já sofreu inúmeras “homenagens”, e algumas de suas peripécias são facilmente encontradas no youtube.

Para ilustrar: ao tentar citar a frase do técnico Otto Glória (1917 – 1986)4, “Não posso fazer omeletes sem ovos”, Galvão, com o auxílio luxuoso de Paulo Roberto Falcão… veja:

https://www.youtube.com/watch?v=T9ggwVWhJOM&feature=player_embedded

 

Outras gafes famosas? Como tradutor de espanhol para português também não se saiu bem:

E em plena Copa do Mundo confundiu as seleções de Portugal e Rússia: Galvão Bueno faz confusão com as seleções.

Também salta aos olhos o tempo crescente dedicado à cobertura esportiva. Minha velha tia, quando veio de Recife e viu todos os canais esportivos que tenho: SporTV 1 e 2, ESPN, ESPN Brasil e Band Sports, admirou-se: “Esses homens ficam falando de futebol o dia todinho? Que falta do que fazer!”. Pois é, tia… Quanto mais se fala, maior a chance de falar besteira.

Continuando a pesquisa sobre os comentaristas, achei toneladas de telespectadores reclamando.

No Orkut há vários tópicos em diversas comunidades sobre a falta de qualidade dos comentaristas esportivos. As maiores críticas observadas sobre a atuação desses profissionais seriam o “bairrismo” (principalmente dos paulistas) e a “torcida mal disfarçada”(falta de imparcialidade).

Transcrevo alguns abaixo:

 “Eu acho que a pergunta deveria ser: quem é o menos pior! Todos são horrorosos!”

“Nossa são horríveis. Difícil saber o pior .”

“Gerson canhota de ouro e Junior são muito bons”

“Então faz igual meu pai: só aperta o botão mute do controle! Pronto! Problemas resolvidos!”

“Se é para torcedor comentar e ganhar dinheiro, qualquer um de nós pode ser comentarista.”

“São exceções os comentaristas bons, aceitáveis… a grande maioria não acrescenta nada com o que dizem.”

“Há muito tempo eu brinco que meu sonho de carreira seria ser comentarista de futebol na TV: eu GANHARIA para ASSISTIR jogos de futebol e FALAR BOBAGENS! Afinal, hoje eu PAGO para assistir os jogos e falo bobagens de GRAÇA para os meus amigos. Então, qual seria o valor dos comentaristas esportivos e narradores em geral? Para mim o valor é um só: NENHUM!”

“Terrível assistir jogo de futebol na (emissora de TV XXX), comentaristas falando m***a, retardados mandando vídeos fazendo perguntas. Viva a imbecilidade”.

“É triste ver jogos pelas emissoras XXX e XXX2 com comentaristas falando m***a o jogo todo”.

“Ontem passei raiva com o narrador e o comentarista do (canal FFF), são muito ruins p**a m***a”.

“Quem menos entende de futebol no mundo são os comentaristas esportivos. Impressiona o despreparo desses profissionais para comentar.”

“Comentaristas esportivos não devem ser levados a serio. Ou estão falando o óbvio, ou estão falando besteiras.”

“Por que os comentaristas esportivos sempre têm solução para os times, mas eles não são bons técnicos ?”

“Ele (o comentarista ZZZZ) não sai de cima do muro, e só fala aquilo que todo mundo já sabe! Absolutamente previsível…”

“Os comentaristas de rádio são bem melhores. Aliás, os narradores também. E os repórteres, idem. TV serve só pra mostrar imagem, coloquem no mute e sejam felizes. Ou, se não estiver passando jogo, liguem um radinho.”

“Um bando de m***a metido a saber de alguma coisa de futebol”

Pra terminar, dois comentários que foram ao ar:

“Eu acho que a bola não entrou porque ela não foi em direção ao gol.” (Edmundo comentando o jogo Uruguai X França, pela copa do mundo 2010)


“O Klose fez o décimo quatorze gol dele…”
(Neto comentando a derrota da Argentina para a Alemanha)

Bem, amigos… (aperto a tecla “mudo”).

 

Notas de fim:
[1] Gonçalves & Camargo. A Memória da imprensa esportiva no Brasil. http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1815-2.pdf
[2] Patterson, Ted (2002). The Gonden Voices of baseball. Sports Publishing LLC. p. 12. ISBN 1582614989.
[3] http://lafora.com.br/page/12/?s=pethttp://theinspirationroom.com/daily/2007/carlton-draught-classic-moments-in-commentary/ [4] http://www.lancepedia.com.br/tecnicos/otto-gloria/

 

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Como citar

SILVA, Carmelo D.. A imagem e as mil palavras. Ludopédio, São Paulo, v. 21, n. 6, 2011.
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