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A pior seleção brasileira que eu vi jogar

A primeira Copa do Mundo que assisti foi a de 1986 e não a de 1982. Provavelmente eu devo ter visto algum jogo da Copa de 82, mas com quatro anos queria mais chutar a bola do que ver um jogo de futebol. Minhas lembranças estão centradas (e influenciadas pelas inúmeras imagens que vi depois daquele ano) nos belos lances da seleção de 86. O gol de Josimar, as jogadas de Zico, o oportunismo de Careca e o azar do goleiro Carlos.

Veio a Copa seguinte, a de 1990. Com ela colecionei as figurinhas da Copa e acompanhei ainda mais aquele mundial. Apesar de ter perdido boa parte dos jogos que eram no mesmo horário das aulas da escola. O Brasil passou pela primeira fase com três vitórias contra Suécia, Costa Rica e Escócia. Sem mostrar um futebol que seria considerado a cara do Brasil jogar a seleção avançou para a segunda fase da Copa e encontrou a sua grande rival Argentina. Naquela Copa os quatro melhores terceiros colocados avançavam na competição. A Argentina era uma dessas seleções e vinha com uma campanha abaixo do esperado: uma derrota para Camarões, uma vitória contra a União Soviética e um empate com a Romênia.

No melhor jogo brasileiro daquela Copa a seleção nacional perdeu para a Argentina nas oitavas-de-final e foi eliminada da competição. Nunca mais vi esse jogo na íntegra. Apenas uma série de imagens da jogada de Maradona e o gol de Caniggia. Mas me lembro da superioridade brasileira, das bolas na trave. Enfim, da evolução de uma série de jogadores talentosos para uma equipe consistente. Naquela ocasião o técnico Sebastião Lazaroni era muito criticado por implantar um estilo de jogo diferente do que deveria acontecer com a seleção brasileira. Era uma seleção formada por jogadores que atuavam no exterior e que começava a ficar distante do torcedor brasileiro.

Vieram as outras Copas e o Brasil foi vice em 1998, campeão em 2002, e desclassificado nas quartas-de-final em 2006 e 2010. Agora na Copa de 2014, a seleção nacional juntou o técnico Scolari com Carlos Alberto Parreira, técnico campeão mundial em 1994 e atual Coordenador Técnico da seleção. Dois estilos diferentes, Felipão e a sua “família Scolari” e Parreira com a marca do estrategista do futebol, da pessoa que estuda bem seus adversários.

Neymar é a esperança do Brasil na Copa. Foto: Jefferson Bernardes – VIPCOMM.

Pois bem, jogando em casa a seleção nacional apresentou um futebol muito diferente daquele apresentado no ano anterior durante a Copa das Confederações em que pressionava os adversários para reconquistar a posse de bola. Um ano depois, me parece que algo se perdeu nessa seleção. Aquele entusiasmo apresentado na Copa das Confederações que apareceu quando o estádio cantava o hino à capela voltou a aparecer na Copa do Mundo, mas ainda não foi capaz de transformar a emoção dos jogadores em um futebol consistente e daquilo que caracteriza o futebol: um esporte coletivo.

Daquela época manteve-se o hino cantado à capela pelos torcedores. Mas contra o Chile, outro fato lamentável foi apresentado pela torcida brasileira que já havia vaiado a presidente Dilma na abertura da Copa. Dessa vez, o Mineirão vaiou quando a torcida chilena continuou a cantar o hino nacional após o término da música. Falta de respeito. Poderiam vaiar a equipe chilena durante todo o jogo, mas não o hino nacional.

Voltando ao futebol da seleção brasileira, é preciso ressaltar que é uma equipe que depende muito do talento de Neymar e que não possui um repertório de jogadas treinadas ou alternativas táticas que permitam a equipe mudar a forma de jogar, tal como aconteceu com a Holanda na partida contra o México quando o técnico Van Gaal mudou a forma de jogar da equipe holandesa e conquistou a vitória. Alguns jogadores da seleção brasileira ainda não se encontraram em campo. É o caso de Daniel Alves, Oscar (apesar do primeiro jogo muito bom) e Fred. Sem dúvida, são todos jogadores com grande qualidade, mas que precisam jogar ao menos na média para serem titulares.

Os treinos brasileiros são todos transmitidos ao vivo e mais parece um programa de Reality Show do que uma seleção que está em busca do hexacampeonato. Em uma competição curta como a Copa do Mundo é preciso ter foco e muito treino. Jogadas ensaiadas, alternativas para mudar o jogo, enfim, trabalhar com situações de jogo que permitam aos jogadores utilizarem o treino como um verdadeiro preparo para a hora do jogo.

Felipão abraça Neymar. Foto: Jefferson Bernardes – VIPCOMM.

Felipão aposta na motivação dos jogadores para conseguir vencer. Mas diante de equipes muito bem treinadas fica explícito que a seleção brasileira não faz um treinamento adequado. Jogando em casa, o Brasil tem duas vitórias (na estreia contra a Croácia e contra o desmantelado Camarões devido as brigas internas) e dois empates contra seleções das Américas (México e Chile, certamente as duas seleções que montaram suas melhores equipes nas últimas décadas). Particularmente na partida das oitavas-de-final contra o Chile a falha da zaga brasileira no gol chileno aponta exatamente para as deficiências do treinamento, de como se deve proceder quando se perde a bola, quem cobre quem. Enfim, se fosse apenas um jogo dos sete erros seria tranquilo de corrigir, mas são muitos erros para uma seleção experiente sob o ponto de vista de competições internacionais.

Nessa última passagem de Felipão pelo Palmeiras ficou claro que as possibilidades do treinamento do experiente e vitorioso técnico não se atualizaram. Eram, tal como acontece com a seleção brasileira, poucas alternativas para mudar a equipe e transformar o jogo. As alterações eram sempre as mesmas e que não eram capazes de alterar completamente o rumo da partida.

Bom, o fato que mesmo aquela seleção da Copa de 90, por mais criticada que fosse apresentava uma forma de jogar. Essa seleção atual tem em Neymar a chance de sucesso. Se ele for bem marcado ou cansar a seleção brasileira torna-se um time comum e limitado. Não quero com isso estabelecer uma comparação entre as duas seleções, afinal, estamos falando de uma distância de 24 anos e que muitos desses jogadores da seleção atual não viram aqueles jogadores da Copa de 90 atuar.

Ambas as seleções possuem pontos em comum, especialmente, quanto ao questionamento do futebol que apresentam. E do ponto de vista dos resultados, apesar da seleção atual já estar nas quartas-de-final o futebol da seleção de 90 era mais consistente do ponto de vista do jogo coletivo do que a equipe de Felipão.

Quero deixar claro que essa seleção pode ser a campeã da Copa do Mundo, mas se isso acontecer terá conseguido o título com a pior campanha entre todas as seleções brasileiras que subiram ao lugar mais alto do pódio. E se a seleção ganhar a Copa dessa forma irá validar um modelo de treinamento e de jogo que camuflará as deficiências de uma equipe com problemas táticos e com poucas alternativas de jogo. Talvez seja mais interessante ver o segundo Maracanazo para fazer com que as coisas sejam modificadas no futebol brasileiro (e se for para a Argentina dessa vez tudo será ainda mais potencializado), pois se a vitória vier teremos validado um modelo que será repetido no futuro quando deveria ser questionado.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. A pior seleção brasileira que eu vi jogar. Ludopédio, São Paulo, v. 60, n. 9, 2014.
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