“Estamos no século XXI e temos de ter a Copa do século XXI. Não estamos mais no século XX. O futebol é global e não se limita a Europa e América do Sul”.

Foi assim que o presidente da FIFA, Gianni Infantino, anunciou o aumento do número de seleções para a disputa da Copa de 2026. Em um primeiro olhar pode-se dizer que Infantino “mostrou a que veio” com a mudança estrutural da Copa do Mundo quando, na realidade, ela indica como chegou ao poder: olhou para a Ásia e para a África.

Essa política expansionista que se opõe a um modelo conservador colocou, no passado, a proposta de Havelange contra a do inglês Stanley Rous. Uma das promessas da campanha de Havelange era o aumento do número de países a compor o seleto grupo das seleções que disputavam uma Copa. Eleito em 1974 Havelange alterou de 16 para 24 países a partir da Copa de 1982. O derrotado Rous apostou em uma campanha conservadora que privilegiava e mantinha o status adquirido pela Europa em detrimento dos demais continentes. Havelange fez exatamente o contrário. Visitou mais de uma vez cada país votante e conquistou os votos necessários para vencer a disputa. Ficou no poder de  1974 a 1998 e estabeleceu uma nova forma de governar o futebol. Nas palavras do próprio Havelange (conferir a entrevista dele):

E em um ano, eu visitei naquela época, antes da eleição, 82 países. Eu fui a muitos na África, porque com a relação do Brasil, na Ásia, porque eles eram muito sofredores, toda a Oceania, enfim, e aqui na América Central foi total.

Com cada vez mais países filiados, o suíço Joseph Blatter, deu continuidade a política de expansão iniciada por Havelange. No ano de transição do poder, em 1998, a Copa crescia mais uma vez: passava de 24 para 32 países. Cada vez mais os votos dos países “fora do eixo futebolístico tradicional” ganhavam importância.

Infantino, por sua vez, assumiu a FIFA em um momento conturbado. A FIFA marcada por fortes esquemas de corrupção (aqui vale um adendo para reflexão daqueles que acham que a corrupção faz parte somente da estrutura pública e não da privada). É preciso lembrar que o nome da Europa era Michel Platini que se tornou inelegível por acusações que o ligavam a Blatter também acusado de participar do esquema.

GIANNI INFANTINO NA CBF Créditos: Kin Saito/CBF
Gianni Infantino e taça da Copa do Mundo. Foto: Kin Saito/CBF.

A campanha de Infantino seguiu o roteiro das vitórias de Havelange e Blatter. Por isso, que o anúncio do aumento de seleções é mais ousado do que seus antecessores. Agora a Copa do Mundo terá 48 seleções que serão divididos em 16 grupos com três países cada. De cada grupo avançam dois. Ou seja, ficarão pelo caminho seleções com baixa qualidade de jogo. Se antes cada seleção jogava três partidas na primeira fase agora jogará duas. Também não haverá jogos no mesmo horário como acontecia na última rodada de cada grupo. Com três equipes no grupo uma sempre folgará em alguma rodada.

Um dos questionamentos da nova medida é que o inchaço produzirá jogos de baixa qualidade ou desinteressantes. Infantino não gostou desse argumento e respondeu que “quem eliminou em 2014 a Itália e Inglaterra foi a Costa Rica. Não a Argentina ou Brasil. Uma Copa ampliada é a chance de outros estarem lá”. Seu argumento quer explicitar que é preciso ter mais países fazendo parte da festa do futebol. Essa dimensão de apoio aos países menores em termos futebolísticos poderia beirar um assistencialismo no mundo do futebol se tomado como argumento simples e não complexo. Quando entendido a partir da complexidade que sustenta o sistema constata-se que a força conquistada pela Ásia e pela África desde a Era Havelange é o caminho certo para permanecer no poder. Do ponto de vista financeiro a mudança incide diretamente nos lucros da FIFA com o aumento do número de partidas de 64 para 80 haverá um crescimento da arrecadação tanto de bilheteria quanto da venda das cotas de televisão.

Apesar do aumento do número de partidas não se alterou a quantidade máxima de jogos de uma seleção que chegue até a final. Continua a ser sete partidas. Esse é outro argumento de Infantino ao ressaltar que todos os jogos passam a ser decisivos quando, no modelo anterior, a última rodada poderia ser apenas para cumprir tabela.

Outras mudanças são prometidas por Infantino e que certamente contemplam os interesses de seus eleitores. Entre as medidas estão o fim da Copa das Confederações já que nesse novo formato se cogita candidaturas compartilhadas entre dois ou três países; rever o mundial de clubes e estabelecer o futebol olímpico como um torneio sub-23.

É interessante notar o paradoxo de todo esse processo. O futebol é uma das modalidades mais conservadoras em termos de mudanças nas regras do jogo, mas tem mudado a estrutura da Copa do Mundo para atender os interesses do capital. Pode-se dizer que o futebol vira mero detalhe nesse jogo de interesses políticos, mas esse argumento se enfraquece quando se entende que não se pode separar o futebol da política.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. A política do futebol: o caso da FIFA. Ludopédio, São Paulo, v. 91, n. 7, 2017.
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