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A primeira árbitra do futebol feminino

Cristiane Nestor de Almeida. 26 de julho de 2021

“O nome dela é Léa Campos, é brasileira, foi rainha de beleza em Minas Gerais e continua sendo a primeira mulher que exerceu a arbitragem em diversos campos de futebol da Europa e das Américas” (GALEANO, 2018, p.74).

Em sua obra “Fechado por motivo de futebol”, Eduardo Galeano faz referência a Léa Campos, considerada a primeira árbitra ou juíza de futebol.

Por ser uma profissão quase que predominantemente masculina, Léa Campos precisou superar alguns mitos, principalmente em relação ao corpo masculino x feminino, sendo que existiam teorias de fontes duvidosas de que o corpo da mulher e sua estrutura óssea não suportaria “tarefa tão extenuante”.

Para completar, além dos estudos, a partir dos quais obteve seu diploma, Léa foi eleita por diversas vezes rainha de beleza em Minas Gerais, seu estado natal.

Toda essa mistura, interesse por futebol e beleza, causava no público masculino uma mistura de sentimentos. “Machos indignados com a intrusa” e alguns poucos, velados, de admiração por tamanha audácia para a época.

Léa Campos
Foto: Reprodução
 

Asaléa de Campos Fornero Medina, conhecida como “Léa Campos”, nasceu em 1945 na cidade de Abaeté, em Minas Gerais. Além da graduação em Educação Física, Léa formou-se também em Jornalismo.

Devido às suas graduações, quando Léa não pôde mais atuar no futebol com as pernas, já que em 1974 sofreu um acidente de ônibus, uma fatalidade próxima a cidade de Três Corações/MG, e que levou quase dez anos para recuperar-se totalmente, e que por pouco não houve a perda da perna esquerda; ela usou as “mãos”. Léa foi pioneira também no jornalismo esportivo feminino, sendo uma das primeiras repórteres de campo e tal como na arbitragem, era indagada e questionada quando precisava entrevistar jogadores dentro do vestiário.

Desde 1993, Léa reside nos Estados Unidos com seu marido Luiz Medina, que luta contra um câncer, batalha que Léa também venceu em 2013, pois foi diagnosticada com a doença nas mamas.

A ex-árbitra teve sua primeira experiência como juíza no México, em 1971, apitando Itália x Uruguai, no qual também foi tocado o hino brasileiro em sua homenagem. Há uma biografia sobre Léa campos, escrita pelo seu esposo, o jornalista colombiano Luiz Eduardo Medina, que se chama “As regras podem ser quebradas”. Porém a mesma se encontra em espanhol, e no Brasil até hoje nenhuma editora se interessou pela produção de uma versão/tradução em português.

Léa era uma mulher com muitos talentos. Além da arbitragem e do jornalismo, Léa também lutava boxe. Desde os tempos de criança, ela se interessava por futebol, brincando com uma bola de meia feita por seu pai. Quando isso acontecia Léa causava inveja nos meninos, por sua habilidade, e intriga com as meninas, por sua audácia. Como a bola era considerada inadequada, Léa frequentou concursos de canto, poesia e arte dramática, todas consideradas atividades mais femininas.

Léa Campos
Foto: Reprodução

Durante entrevista concedida ao Museu do Futebol, Léa Campos disse em relação à sua época de escola: “Eu jogava no recreio da escola, e a diretora implicava que não podia, porque eu estava jogando com os meninos. Naquela época tinha aquela coisa: menina para lá, menino para cá”.

Para romper tantas barreiras, Léa Campos precisou enfrentar João Havelange, presidente da CBD (Confederação Brasileira de Desportos), hoje CBF (Confederação Brasileira de Futebol). A forte mulher precisou de toda sua persistência para poder apitar, pois quando terminou seu curso de arbitragem em 1967 não recebeu o diploma como os outros alunos. E Léa tinha em mãos um convite da FIFA para arbitrar um amistoso e o primeiro Campeonato Mundial de futebol feminino, no México, e para tanto precisava do certificado.

Para consegui-lo, Léa levou uma carta/bilhete do presidente Médici a Havelange, e se preciso fosse iria ao papa, pois segundo o então presidente da CBD, enquanto ele comandasse a entidade, nenhuma mulher atuaria como juíza/árbitra de futebol. Foi o presidente Médici que garantiu a Léa que ela representaria o Brasil no México. Dessa maneira, com o aval de Médici, Léa Campos procura novamente Havelange, que sem opção faz a seguinte declaração, extraída do blog de Renata Ruel, analista de arbitragem da ESPN Brasil:

“Estou com a felicidade incontida hoje. Porque eu tenho a oportunidade de, no meu mandato, poder levar ao mundo a primeira mulher árbitra de futebol profissional, e é na minha gestão. É com muito orgulho e com muita felicidade que eu faço o mundo saber que a primeira árbitra de futebol é brasileira e vai sair do mundo como representante máxima do futebol brasileiro”.

Léa Campos
Foto: Reprodução

Essa entrevista aconteceu no dia da despedida de Pelé, Havelange adiantou a mesma e teve que aceitar a ascensão de Léa Campos.

Falsidade de Havelange à parte, Léa conseguiu realizar seus projetos, interrompidos pelo acidente já mencionado, mas que até hoje servem de inspiração para outras mulheres.

“O juiz sempre foi juiz, o árbitro sempre foi árbitro, nunca árbitra, nunca juíza. O monopólio masculino se rompeu quando Léa conquistou o mando supremo nos gramados, diante de 22 homens obrigados a obedecer às suas ordens e submeter- se aos seus castigos” (GALEANO, 2018, p.74).

Referências

GALEANO, Eduardo. Fechado por motivo de futebol. Brasil. L&PM, 2018.

RUEL, Renata. Primeira árbitra do mundo, brasileira Léa Campos passa necessidade e pede ajuda. ESPN. 27 de abril de 2020.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

ALMEIDA., Cristiane Nestor de. A primeira árbitra do futebol feminino. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 51, 2021.
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