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A vergonha é de quem fez o calendário, não do Palmeiras

Marcos Teixeira 15 de fevereiro de 2021

O Palmeiras voltou do Mundial de Clubes com a quarta colocação na bagagem, resultado de uma derrota nas meias-finais para o Tigres-MEX e um novo desaire na disputa pelo terceiro lugar frente aos egípcios do Al Ahly. Em comum, nestes dois jogos, a pouca imaginação e um rendimento bem abaixo do que se viu do representante sul-americano em outras edições do torneio.

O excelente jornalista português António Tadeia fez um levantamento bastante esclarecedor em seu site para tentar entender o baixíssimo nível de futebol apresentado e que resultou na pior campanha de um sul-americano desde sempre no torneio: desde que o futebol voltou após a parada por causa da pandemia da Covid-19, que ainda está longe do fim, em 23 de julho último, o Alviverde disputou 58 jogos (uma partida a cada três dias e meio), 10 dos quais no mês que antecedeu o Mundial.
A título de comparação, o Bayern, grande equipe do mundo na temporada e que conquistou o título com um protocolar 1 a 0 sobre os algozes do alviverde, atuou 36 vezes nestes seis meses e meio (5,5 dias entre um jogo e outro), sendo oito nos 30 dias anteriores à competição da FIFA. Isso para ficar somente no campeão de tudo, porque, se a comparação for mais abrangente com outros grandes da Europa, os números serão mais díspares, conforme Tadeia aponta aqui.

Detalhando esta dezena de jogos antes do Mundial, o Palmeiras teve viagens a Buenos Aires (2,5 horas de voo), Recife e Fortaleza (três horas), além de duas viagens ao Rio de Janeiro, que levam 45 minutos de ponte aérea -, incluindo as duas semifinais e a final da Libertadores. Teve também clássicos com o Corinthians e Flamengo, já na fase aguda do Brasileirão, no qual o Palmeiras ainda reunia chances de ser campeão.

Por sua vez, em jogos fora, os campeões da Europa deslocaram-se a Mönchengladbach, Kiel, Gelsenkirshen (uma hora de voo) e Ausburgo (uma hora de ônibus). Destes, somente o jogo com o Holstein Kiel, do segundo escalão alemão e que causou a eliminação dos bávaros da Copa da Alemanha, tinha caráter decisivo.

Palmeiras Mundial
Foto: Cesar Greco/Palmeiras/Fotos Públicas

Se esta overdose de bola não explica o pauperismo futebolístico que se viu no Catar por parte do representante sul-americano, nada mais explica. Caso não, como fazer para incutir aos atletas conceitos e variações táticas, intensidade e equilíbrio físico e psicológico tendo um jogo a doer praticamente de três em três dias?  Neste tempo, há a necessidade de promover a recuperação física, fazer as viagens para os jogos fora em um país de dimensões continentais e treinar. É, portanto, humanamente impossível. O quadro agrava-se quando o treinador é recém-chegado não só ao clube, mas ao país, e tem, naturalmente, conceitos e métodos diferentes daqueles aos quais o elenco está habituado.

Quando o futebol parou, ainda em março, havia a possibilidade de que a fórmula de disputa do Campeonato Brasileiro – para ficar naquele que consome a maior parte do calendário – fosse alterada para que menos datas fossem necessárias. Creio que fisiologistas, fisioterapeutas e preparadores físicos não tenham sido consultados. Se foram, não foram ouvidos. Então, manteve-se o modelo que está vigente desde 2003: todos contra todos em turno e returno em longas 38 rodadas. Agora, soma-se isso aos compromissos pela Libertadores, pela Copa do Brasil e pela reta final do Paulista com o arquirrival Corinthians, e que acabou vencido pelos então comandados de Vanderlei Luxemburgo e teremos este absurdo número de partidas. 

É verdade que o Artigo 8º da Lei 10671/2003, o Estatuto do Torcedor, reza que se “adote, em pelo menos uma competição de âmbito nacional, sistema de disputa em que as equipes participantes conheçam, previamente ao seu início, a quantidade de partidas que disputarão, bem como seus adversários”. Os pontos corridos, pois. No entanto, o mesmo Estatuto do Torcedor, em seu Artigo 9º, inciso 5º, assevera que alterações podem ser feitas após a divulgação desde que haja “interrupção das competições por motivo de surtos, epidemias e pandemias que possam comprometer a integridade física e o bem-estar dos atletas, desde que aprovada pela maioria das agremiações partícipes do evento”.

Não aconteceu, como é sabido. Poderia ser feito, mas não foi.

Nenhum dos envolvidos pode reclamar, já que nada fizeram para diminuir a carga de jogos. No entanto, quem é formador de opinião (perfil bobinho de Instagram não conta, é bom dizer) tem a obrigação de levar todos estes pontos em consideração. É raso discutir o desempenho sem levar em conta o contexto. É pobre taxar como vergonha ou vexame a campanha ruim, como se a preparação tivesse sido ao menos próxima do ideal. É covarde imputar ao treinador e à sua suposta inexperiência a performance abaixo da crítica.

Qualquer coisa diferente disso é conversa de boteco. 


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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. A vergonha é de quem fez o calendário, não do Palmeiras. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 32, 2021.
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