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A volta do boêmio: o ‘pofexô’ Luxemburgo no Vasco da Gama

Fabio Perina 15 de julho de 2019

Há algumas semanas o dia a dia do futebol brasileiro foi surpreendido com uma noticia bombástica: a contratação de Wanderley Luxemburgo como treinador do Vasco da Gama. Justamente pouco tempo depois do também polêmico Eurico Miranda somente ter saído do clube quando saiu da vida para entrar para a história.

Com cerca de 3 décadas na profissão, esse fato o recoloca no circuito dos 12 maiores clubes nacionais. Dentre os estados SP, RJ, MG e RS o pofexô (adoto essa alcunha daqui para frente) só não comandou Botafogo, Inter e São Paulo. AINDA! Ao mesmo tempo, sua trajetória coincide com as idas e voltas do tema da Modernidade no futebol brasileiro desde os anos 90 (FLORENZANO, 1998; PRONI, 1998; TOLEDO, 2000). O que num contexto pós-7 a 1 coloca a disputa entre treinadores ‘estudiosos’ contra os ‘ultrapassados’ como a faceta mais recorrente dentro desse grande tema.

O modesto objetivo desse ensaio é recordar algumas coincidências curiosas nesse processo tortuoso com tantas idas e voltas e alguns personagens que o ilustram. O retorno do pofexô aos principais holofotes sugere até mesmo a semelhança com grandes narrativas, reais ou fictícias, de décadas passadas do boxe nacional e internacional. Nas quais há algo de sobrenatural de um campeão atender a algum chamado e voltar a lutar mesmo após aposentado. A semelhança que o afastamento tanto de lutadores como do treinador em questão os fizeram retornar com mais entusiasmo do publico do que de costume.

Wanderley Luxemburgo é apresentado no Vasco da Gama. Foto: Felipe Moreno/Mowa Press.

O que não deveria causar tanta surpresa num contexto em que a chamada “indústria do flashback” encontra formas tão inventivas de se renovar. Como a presença cada vez mais constante de diversos craques dos anos 90 com diversas “resenhas” descontraídas em diversos veículos de comunicação. Assim como somente este ano ocorrendo as históricas voltas dos “Amigos do Sertanejo” e de Chrigor ao Exaltasamba fortalecendo ainda mais o retorno do pagode anos 90 (vide que minha segunda opção de título a essa crônica era “essa tal modernidade” em paródia ao sucesso “essa tal liberdade” do “Só pra Contrariar”).

Retomando essa trajetória, o que poucos sabem é que o atleta Wanderley foi um discreto lateral na virada dos anos 70/80 que jogou em um Flamengo rodeado de estrelas que atendeu às expectativas com grandes títulos. Destino diferente das equipes rubro-negras de 1995 (treinada pelo pofexô) e da atual (seu rival). E estreou como treinador de projeção nacional com o Bragantino na virada dos anos 80/90. Época do lançamento do programa “Gol, o grande momento” na TV Bandeirantes, um dos primeiros e mais duradouros produtos da sempre fértil “indústria do flashback” no futebol. O que mudou de 30 anos para cá foi um nítido enfraquecimento do futebol do interior paulista paralelo a muitas de suas renuncias à mercantilização. Vide a recente compra do próprio clube de Bragança Paulista (há décadas sob a mão da ‘moderna’ família Chedid) por uma empresa de bebidas energéticas.

Outra grande contradição é o impulso para a modernização no futebol brasileiro em 2019 ser personificado no cartola Petraglia, já há mais de 20 anos exercendo influencia no rubro-negro paranaense. Clube que passou a ser, esportiva e financeiramente, um oásis num deserto enquanto cada vez mais clubes considerados médios e grandes pelo Brasil a fora continuam passando por dificuldades esportivas e financeiras.

O que sugere que todo olhar mais aprofundado sob algum personagem mostra que nem sempre ele pode ser vinculado a estereótipos fáceis. O paradoxo está que ao mesmo tempo que ao pofexô sempre foi atribuído o mérito de alavancar as comissões técnicas permanentes na estrutura dos clubes inserindo novos profissionais (como a inovação dos psicólogos), o próprio também nunca se afastou de algum chamado do sobrenatural. Como na final do Paulistão de 1993 com o Palmeiras quebrando o tabu e saindo da fila quando acatou o conselho do pai de santo Robélio de Ogum de que “time campeão tem que jogar de meia branca!”
Minha primeira lembrança pessoal que tenho do pofexô foi no segundo semestre de 1998 quando simultaneamente ocupava o cargo de treinador do Corinthians e da seleção brasileira.

A partir da virada do ano para 1999 dedicou-se apenas à seleção canarinho. Ironicamente assumindo o lugar de um treinador taxado como ultrapassado: o velho lobo Zagallo. Simbolicamente parecia que todo o tema da modernização do futebol brasileiro encontrava sua personificação com o pofexô (o único de terno!) no comando da seleção. Somente parecia. Pois seu ciclo de preparação para a Copa de 2002 foi interrompido por causa do fraco desempenho nas Eliminatórias e principalmente da derrota para Camarões nas Olimpíadas de Sidney em 2000. Isso dentro de um contexto maior extracampo que condicionou a oposição ao professor pela década que se iniciava: ser acusado na CPI do futebol de favorecimento financeiro na transferência de jogadores e de ser viciado em pôquer.

Como Marx já consagrara, “os grandes fatos da historia somente acontecem duas vezes: o primeiro como fracasso e o segundo como farsa”. Mas qual fracasso? Em entrevista recente, o pofexô admitiu não ter ressentimento de ter ficado mais de 1 ano e meio fora da profissão entre a passagem anterior pelo Sport Recife e reiniciando agora no Vasco da Gama. E foi ainda mais irreverente e autêntico não somente ao comentar passagens polêmicas de sua vida pessoal e profissional como até mesmo admitir ter um pensamento de esquerda. Ao longo da década de 2000, esse suposto fracasso foi o espectro que rondou a obsessão dos antiluxemburguistas em vê-lo derrotado.

Caricatura de Luxemburgo. Arte: Baptistão Caricaturas.

Após a tríplice coroa com o Cruzeiro, em 2003, os títulos nacionais foram ficando mais raros. Embora o pofexô continuasse sendo o treinador mais caro do Brasil. Seja nas mesas redondas da televisão ou nas conversas informais entre torcedores o que se via era uma produção constante de “senões”: “mas nunca ganhou a Libertadores”, “mas tão caro assim e só ganha estadual”, “mas só trabalhando com elencos de medalhões fica fácil”, etc. Durante 2005 os sempre constantes medalhões no futebol brasileiro em seu entorno foram substituídos pelos galácticos no Real Madri. A breve aventura também influenciou por muitos anos a visão no senso comum do fracasso individual de Luxemburgo e até coletivo de sua geração ao sentenciar que o treinador brasileiro não está preparado para o mercado europeu – inclusive por obstáculos até mesmo no idioma!

Rumo a uma conclusão, há um comportamento irônico e até esquizofrênico diante desse tema da modernidade e suas idas e voltas quando a imprensa quer aposentar os treinadores e jogadores medalhões, mas ao mesmo tempo precisar falar sobre eles. Desconfio até mesmo que olhando para um horizonte de décadas tenha sido Telê Santana o ultimo treinador mais vencedor de sua época e também com muito mais aceitação do que rejeição.

Desde então parece não ter mais volta que os treinadores seguintes mesmo que bastante vencedores sempre tiveram de conviver em algum momento com uma oposição significativa: Felipão, Muricy e, claro, Luxemburgo, por exemplo. Moderno ou não, o que nunca parece mudar no futebol é o RESULTADO imediato como a condição essencial de avaliação no senso comum de projetos e personagens.

Luxemburgo e Vasco da Gama têm necessidades de renovação e superação que coincidem. Pela frente, um encontro tortuoso: a equipe esteve as primeiras 7 rodadas do Brasileirão sem vitórias – sendo 3 delas com o pofexô já no comando. As duas últimas vitórias magras e redentoras em São Januário contra Inter e Ceará deram o alivio na tabela de entrar na pausa para a Copa América fora da zona de rebaixamento.

A entrevista recente do início do ano reafirmou a imagem do treinador como o mais ‘boleiro’ ao dizer o que faria durante o 7 a 1: “Eu furaria a bola!”. Além de se mostrar bastante tolerante com diversos prazeres que compartilha com os jogadores: jogos de azar, bebidas, mulheres e vida noturna. A memória parece proteger o passado para deixá-lo mais romântico do que realmente foi.

Leituras de Apoio

FLORENZANO, José Paulo. Afonsinho e Edmundo: a rebeldia no futebol brasileiro. Musa Editora, 1998.

PRONI, Marcelo Weishaupt. Esporte espetáculo e futebol-empresa. 1998.

TOLEDO, Luiz Henrique de. Lógicas no futebol: dimensões simbólicas de um esporte nacional. 2000.

https://www.uol/esporte/especiais/como-eram-as-noitadas-do-jogador-de-futebol-nos-anos-70-e-80.htm#como-e-hoje

https://globoesporte.globo.com/blogs/meia-encarnada/post/2019/06/07/o-conceito-acima-de-tudo.ghtml

https://sportv.globo.com/site/programas/grande-circulo/noticia/grande-circulo-luxemburgo-fala-sobre-polemicas-e-ve-brasil-campeao-em-2022.ghtml

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. A volta do boêmio: o ‘pofexô’ Luxemburgo no Vasco da Gama. Ludopédio, São Paulo, v. 121, n. 20, 2019.
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