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Amor ou egoísmo? Os perigos da paixão de torcer durante a Covid-19

Glauco José Costa Souza 7 de julho de 2021

Eu era um torcedor solitário. Aí quando eu entrei para a Jovem eu senti que tinham muitos malucos iguais a mim, que eu não era o único (…) nego sacrificava trabalho, outros a vida

Rosana da Câmara Teixeira escreveu em Os perigos da paixão: visitando jovens torcidas cariocas (2003) que torcedores que integram grupos de torcidas organizadas, em especial as jovens torcidas cariocas, podem chegar a sacrificar a própria vida em prol do seu grupo e do exercício da sua forma de torcer. Será que é por isso que torcedores, em plena Pandemia de Covid-19, ainda se aglomeram em diversas parte do Brasil para demonstrar apoio ao seu clube de coração?

As torcidas organizadas são formadas por um conjunto de indivíduos com histórias de vidas variadas que, em um primeiro momento, possuem em comum o fato de torcerem para a mesma agremiação (clube). A partir desta noção de identidade, há a organização dos grupos em torno do ato de torcer por uma mesma associação.  Para Rosana, “torcer é uma ação ritualizada. Gesticulando, gritando, batendo palma, mantendo-se de pé, desafiando com seus cânticos o rival, desfraldando e agitando bandeiras, numa sincronia e cadência marcadas pelo ritmo da bateria, os torcedores organizados tornam visível a sua forma de conceber e vivenciar o futebol”.

Torcida Inter
Foto: Wikipédia

Dessa forma, torcer é parte da vida dos torcedores das organizadas. E este ato não é feito à distância, isto é, deve ser feito de forma presencial, perto do clube, fazendo parte do seu cotidiano, como forma de viver a experiência e também de ser vivido por ela. Todavia, com a eclosão da Pandemia de Covid-19, se tornou inviável a realização destes atos por conta da proibição de público em estádios. Os torcedores organizados, entretanto, passaram a buscar caminhos de contornar isso e a presença em eventos prévios e posteriores aos jogos se tornou uma forma.

Nesse ato, porém, há mais do que apenas a demonstração de apoio a um clube. Como muito bem escreveu Rosana Teixeira, “é através desse engajamento físico e emocional que a paixão pelo clube se converte pouco a pouco na idolatria da própria torcida. Tal sentimento é traduzido como dedicação, doação, sacrifício. Para alguns, a torcida é como uma religião, ‘pior que drogas’, um ‘vício’. Uma ‘irmandade’ cujo afastamento provoca sofrimento e depressão”. E por qual razão? Porque para Teixeira “trata-se de expressões coletivas que o indivíduo aprende a experimentar a partir do repertório cultural dos grupos de referência (Mauss, 1979), das comunidades de sentimento nas quais se está engajado. É nesta perspectiva que a paixão pelo clube de futebol e pela torcida torna-se, muitas vezes, o lado subterrâneo da experiência torcedora”.

Nesse sentido, temos diante do ato de torcedores que arriscam a si e aos seus próximos aglomerando durante a Pandemia de Covid-19 em portas de estádios, aeroportos e centros de treinamentos mais do que um singelo gesto de apoio/amor incondicional aos seus clubes de coração. Aí está presente o próprio gesto de querer se colocar como um tipo de torcida diferenciada, que se doa pela instituição e que pelas pessoas que possuem o mesmo time são admiradas, endeusadas. Isso é amor incondicional pelo clube ou egoísmo de querer se admirado por outros torcedores?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Glauco Costa

Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), também possui graduação em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2015). Tem experiência nas áreas de pesquisas sobre História Econômica, História Social e História Cultural, bem como na produção de textos jornalísticos.

Como citar

SOUZA, Glauco José Costa. Amor ou egoísmo? Os perigos da paixão de torcer durante a Covid-19. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 12, 2021.
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