145.26

Até quando precisaremos salvar os times do sudeste e invisibilizar os nordestinos, PVC?

Ana Flávia Nóbrega Araújo 14 de julho de 2021

Fim da oitava rodada do Campeonato Brasileiro da Série B, jogando fora de casa contra o CRB-AL, o Náutico-PE empatou em 1 a 1, mas, mesmo assim, seguiu na liderança da competição e garantiu a manutenção da invencibilidade. Uma campanha histórica do time pernambucano que mira o retorno à elite do futebol brasileiro, distante desde o rebaixamento precoce em 2013.

Mas o que a boa campanha, resultante de trabalho árduo dentro e fora dos gramados podem falar ao público brasileiro, de torcedores a jornalistas, que acompanham o esporte diariamente? Para a mídia hegemônica, nada. Explico. Mesmo após atuações de gala, que confirmam os motivos pelos quais a equipe segue com um bom retrospecto na Segunda Divisão, o time nordestino foi invisibilizado por um dos maiores jornalistas esportivos do país, Paulo Vinícius Coelho (PVC) em sua coluna/blog para o maior portal de notícias em circulação online, globoesporte.com, publicado em 1º de julho de 2021.

Era o fim da oitava rodada da Série B e o jornalista veio a público expor a preocupação com a campanha decepcionante dos ‘gigantes’ do futebol brasileiro, Botafogo-RJ, Cruzeiro-MG e Vasco-RJ. Em seu texto, intitulado de “S.O.S. Cruzeiro, Vasco e Botafogo. O Brasil não pode deixar os três gigantes seguirem para a morte”, PVC traz questionamentos sobre as soluções para que as equipes, com torcida considerável em todo o país, possam entrar na zona de classificação e, enfim, voltar ao lugar que já lhes é dado historicamente, após construção monopolista, e naturalmente: a Série A.

 
 
 
 
 
Ver essa foto no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação compartilhada por Clube Náutico Capibaribe (@nauticope)

 

O texto coloca uma missão aos brasileiros para socorrer as instituições que se encontram na Série B do Brasileirão por um esforço único e exclusivo deles. Más gestões, construções de dívidas imensas, fruto de passos dados maiores que as próprias pernas das próprias equipes. Feitos reconhecidos pela maioria dos torcedores que vestem e estampam as cores dos três clubes.  

A questão é que não houve pedido de socorro à população brasileira quando a elite do Campeonato Brasileiro possuía apenas um clube oriundo do Nordeste, que era, inclusive, tido como a equipe que garantiria pontos fáceis para os demais adversários, um saco de pancada para ser batido. Também não vimos S.O.S. quando os baianos Bahia e Vitória estiveram juntos, abraçados na Série C. Muito menos quando o Ceará, um dos clubes que mais se estrutura e potencializa o seu futebol para além dos limites geográficos até brasileiros, amargou mais de uma década na segunda divisão. E quando o Santa Cruz, gigante dentro e fora de Pernambuco, esteve no inferno, quase sem escapatória, da Quarta Divisão? Nada. Para não ficar só no Nordeste, lembrando que não só a região é invisibilizada, lembram de alguma produção midiática que não fora folclórica tentando ajudar o Remo-PA quando a equipe ficou sem série? Dificilmente. 

Hoje temos quatro representantes nordestinos na Série A do Brasileirão, sendo um no G4, e mais dois acima da 12ª posição. Na Série B, mesmo sem a conclusão da 11ª rodada, o Náutico-PE segue líder isolado e invicto, Sampaio Corrêa-MA e CRB-AL seguem disputando a permanência na zona de acesso. E onde estão os ‘gigantes’ que precisamos salvar, PVC? 

Relembro a minha primeira coluna escrita aqui no Ludopédio. Mesmo bem estruturados, mesmo trabalhando de sol a sol para consolidar as equipes, arrumar a casa, evitar endividamento e mirar o crescimento, as equipes nordestinas seguem sendo, para a mídia e quem a faz, “os azarões, a zebra, o cavalo em cima de um telhado que, em algum momento, vai cair”. 

No próprio texto citado aqui, fruto de indignação pessoal, o jornalista relativiza a situação para falar que outras equipes, também gigantes, merecem atenção, como o… Coritiba-PR.

“O Vasco perdeu para o Goiás, por 1 x 0, na Serrinha, o Cruzeiro chegou a vencer o Guarani por 3 x 2 e sofreu o gol de empate por 3 x 3 e o Botafogo suou contra o Vitória, em Volta Redonda. São três dos mais tradicionais clubes brasileiros na Série B e nenhum deles consegue frequentar o grupo dos quatro que subirão de volta para a Série A. Desesperador! É óbvio que outros clubes importante [sic], como o Coritiba — vice-líder — merecem o mesmo respeito. Mas Cruzeiro, Vasco e Botafogo representam torcidas brasileiras em mais de dez estados brasileiros, segundo pesquisa do ano passado do Ibope”, (COELHO, 2021).

Percebam que o líder da competição, o Timbu, sequer foi mencionado pelo jornalista. Dando evidência ao ‘gigante’ alviverde que ocupava, até então, a vice-liderança com dois pontos a menos que o alvirrubro, na altura da oitava rodada, quando texto foi publicado.

Náutico
Náutico segue líder da Série após 11 rodadas, com sete vitórias e quatro empates. Foto: Tiago Caldas/CNC.

O autor cita ainda, como motivador de grandeza, o levantamento de torcedores realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), publicado em 2020. Na mesma pesquisa, Botafogo, Bahia, Fluminense, Sport, Santa Cruz, Fortaleza, Vitória e Ceará aparecem empatados na 12º posição com 1%, o equivalente a mais de 2,1 mi de torcedores. O Coxa não aparece no levantamento entre as 12 maiores torcidas do país.

É compreensível que o espaço de grandeza seja destinado, de forma natural, a essas instituições do eixo. Afinal, a elite do futebol é um espaço que nasceu, cresceu e se institucionalizou na territorialidade do Sudeste e Sul do país. E, sendo assim, ganharam foro de verdade. Mas não é mais compreensível que haja, em pleno 2021, discursos que esqueçam, escanteiem e invisibilizem clubes de fora desse eixo quando, na prática, não existam motivos para tal. Ou vocês, finalmente, vão assumir que o problema é mesmo o CEP? 

Mesmo com o avanço no desenvolvimento político, econômico, social, a região Nordeste segue sendo entendida como deficitária por uma imagem que a maioria dos brasileiros nega superar. Estigmatizados como incapacitados, essa imagem perpassa principalmente para o futebol onde, nossos representantes são tidos como incapazes de disputar o mesmo espaço, com a mesma (ou mais) fome de chegar mais longe. 

A professora Janete de Páscoa Rodrigues (2009), fala sobre a questão do nordestinismo como uma forma de preconceito, neste caso, o regional. O nordestinismo, segundo a pesquisadora, avança “em direção à perpetuação de interesses de alguns segmentos hegemônicos que sempre assumiram uma posição abstrata e autoritária sobre o Nordeste e sobre seu povo por adotarem concepções de categorias identitárias redutoras diante da complexidade do que é e do que sempre foi o Nordeste e os nordestinos” (RODRIGUES, 2009, p.9).

Prática essa que pode ser vista, mesmo sem a intenção real. Prefiro não acreditar que o jornalista, depois de tanto exaltar a realização e potência da Copa do Nordeste também no mesmo espaço do blog, preferiu aniquilar a região e os clubes nordestinos no espaço esportivo. No entanto, o convido a reflexão. O Nordeste e suas potências esportivas estão muito além do sucesso da CNE e o território geográfico. Tanto que não precisamos de campanhas engajadas e cunhadas pela grande mídia para salvar nossas equipes nos momentos mais difíceis até aqui.

Por isso, me desculpe, PVC, mas os ‘gigantes’ de vocês que se salvem. Assim como sempre fizemos.


ARAÚJO, Ana Flávia Nóbrega. O futebol Nordestino existe (e agoniza) fora dos holofotes de Ceará, Pernambuco e Bahia, Ludopédio, João Pessoa, 1 de dez. de 2020. Acesso em: 9 de jul. 2021.

COELHO, Paulo Vinícius. S.O.S. Cruzeiro, Vasco e Botafogo. O Brasil não pode deixar os três gigantes seguirem para a morte. GloboEsporte.com, Rio de Janeiro, 1 de jul. de 2021.  Acesso em: 9 de jul. 2021.

RODRIGUES, Janete de Páscoa. Mídias e identidades culturais nordestinas: transições entre estigmas e concretudes. In: Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, 2009, Teresina. Anais eletrônicos: Intercom, 2009. Acesso em: 9 de jul. 2021.

ZIRPOLI, Cassio. 2020 | Recalculando as pesquisas de torcida a partir da estimativa do IBGE. Cassio Zirpoli, 27 de ago. de 2020. Acesso em: 9 de jul. 2021.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Ana Flávia Nóbrega

Paraibana e jornalista. Atua como repórter no Jornal A União e portal Voz da Torcida. Comentarista esportiva na Rádio Tabajara. Já foi editora do programa Globo Esporte Campina Grande, na TV Paraíba e repórter do GloboEsporte.com/pb. É pesquisadora de futebol nordestino com ênfase nas relações entre regionalização das transmissões esportivas e os modos de torcer. Atualmente está com a pesquisa de mestrado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Integra o Coletivo ReNEme.

Como citar

ARAúJO, Ana Flávia Nóbrega. Até quando precisaremos salvar os times do sudeste e invisibilizar os nordestinos, PVC?. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 26, 2021.
Leia também:
  • 176.6

    Entre a bola e a desigualdade: Reflexões sobre a função publicidade, o desenvolvimento regional e as disparidades no futebol nordestino

    Viviane Silva de Souza, Anderson David Gomes dos Santos
  • 161.22

    Leituras para uma análise do torcer em Alagoas

    Anderson David Gomes dos Santos, Viviane Silva de Souza
  • 159.10

    Football no Recife: modernidade e exclusão

    Rodrigo Carrapatoso de Lima