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(Auto)biografia de um São Paulino

São Paulo Futebol Clube, minha paixão

Como todo garoto brasileiro, eu queria ser jogador de futebol quando criança. Eu era um ótimo jogador apenas nos meus sonhos, pois, na realidade, com os pés sempre fui um belo fiasco. A natureza do esporte não favorecia os que tinham os pés pouco treinados. Era sempre o último a ser escolhido nas partidas da escola e, talvez por nunca ter tido grande habilidade com os pés, acabei por jogar basquete e handball, esportes que primavam pela destreza, habilidade e precisão com as mãos, e, mesmo sendo esportes menos populares que o futebol, tive sucesso.

No Brasil, diz-se que o futebol cresceu em popularidade pelo fato de ser praticado com os pés, portanto, menos preciso do que aqueles praticados com as mãos. Mas nem por isso desisti do futebol. Como grande fã do esporte, sempre acompanhei meu time de coração, o tricolor do Morumbi. Desde a infância na Rua da Mooca em São Paulo, sempre fui cercado por muitos torcedores São-paulinos. No prédio onde morava, na vizinhança, na escola, mas, principalmente em casa, pois todos da família são São-paulinos, com exceção de um tio que é palmeirense, uma vez que nem todos são perfeitos.

Meu maior motivador sempre foi e sempre será meu pai. Desde pequeno, ele sempre me contava histórias de jogos do São Paulo, mais eloquentemente, das grandes jogadas do Leônidas da Silva, também conhecido como o famoso “Diamante Negro”, que para alguns foi o inventor da “bicicleta”, este, como dizia ele: jogava e fazia gols incríveis. Também não deixava escapar da memória a “venda” do Estádio do Canindé, que pertencia ao São Paulo e que foi cedido à Portuguesa, quando o São Paulo iniciava a construção do seu atual estádio, o imponente Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi. Aquele momento fora, para o clube, o pior em termos de elenco que o time já teve, pois todo o dinheiro era usado para a construção do estádio e os diretores só contratavam jogadores de baixa expressão e qualidade técnica. Mas, após o início dos anos 1960, quando ocorreu a primeira e parcial inauguração do estádio, já que houve uma série de expansões posteriores, tudo começou a melhorar. Muitos títulos e glórias ao maior do Brasil.

Morumbi
Vista aérea do Estádio do Morumbi, dois dias antes sua inauguração total. Foto: Arquivo Nacional/Wikipédia

A escolha do clube do coração é realizada desde muito cedo, ocasião a partir da qual o indivíduo torna-se pessoa, passando a fazer parte de um mundo mais amplo que a casa e a família, o que lhe permite se definir e exercitar como parte de uma totalidade, vivida na rua, em pleno domínio público. Tendo escutado histórias do time e, logicamente, sempre uniformizado em dias de jogo, eventos familiares e, principalmente, no Natal, quando esperava receber um novo uniforme, o torcer pelo São Paulo se tornou questão de honra. Algum tempo depois, quando meu pai achou que eu já tinha a idade certa para ir ao estádio, assim fomos. Ele já levava meus irmãos mais velhos e eu ficava em casa apenas esperando o retorno deles.

Anos 1970, sem Internet ou telefone celular, tempo impensável para a juventude atual, apenas o rádio para acompanhar a partida. Lembro-me que o São Paulo iria jogar contra a Ponte Preta, mas isso não importava para um menino de 5 anos indo pela primeira vez ao estádio de futebol para ver seu time jogar. A emoção de cruzar a cidade, partindo da Mooca até o Morumbi, o que era uma distância considerável, mesmo de carro. Na rua, havia muitos torcedores do São Paulo, gritando, cantando e com muitas bandeiras, o que era comum. Pedi uma bandeira ao meu pai e ele logicamente disse não. Mas não me importei. Era o ano de 1979, estacionamos próximo ao estádio, andamos até a entrada onde tomamos uma “Crush”, que era o refrigerante da época, e comemos alguma coisa. Eu estava em êxtase, meu pai e meus irmãos falavam comigo, mas eu não conseguia entender o que eles diziam. Só queria entrar no estádio. Nos dirigimos à bilheteria, compramos os ingressos e então passamos pela roleta. Finalmente, estava dentro do estádio. Achei que estava no auge da emoção, mas não, algo ainda maior estaria por vir. Comecei a subir as escadarias em direção à arquibancada, porém, no último lance, meu irmão mais velho me segurou pela mão e disse que agora sim eu poderia dizer que estava dentro do estádio. Realmente ele estava certo, pois, ao subir o último lance, comecei a ver a arquibancada do outro lado, os refletores acesos e então o momento sublime, vi pela primeira vez o gramado do estádio, lindo, plano, brilhava como um diamante. Naquele momento já poderia ir embora, pois eu já estava extremamente feliz. Ao nos sentarmos, meu pai contou a história de como e por que a Ponte Preta jamais seria campeã, que seria sobre a maldição da mãe do Pitico, que era um jogador da Ponte e, numa final, lá pelos anos 1930, foi cortado do time, e então ela rogou uma praga sobre a Ponte, que permanece até os dias atuais.[1]          

Confesso que tive que recorrer ao meu pai sobre esta história, pois, naquele momento antes do jogo, estava tão exaltado que não entendia nada o que ele me dizia. Novo êxtase, a entrada dos jogadores, perfilaram-se e então partiram para suas posições em campo. Lembro-me do resultado, São Paulo 1 a 0 Ponte Preta, mas isso também não importava, pois, para um garoto de 5 anos indo ao estádio pela primeira vez na vida, o sentimento ou regras de “pertencimento futebolístico” ainda não existiam em mim. A experiência era mais importante do que perder ou ganhar, algo inusitado para a minha infância e que só viria a entender mais tarde como atleta e como torcedor. Não me recordo se foi um jogo emocionante ou não, apenas sabia que já teria uma ótima experiência guardada na memória para a vida toda. Depois, com uma certa frequência, íamos aos jogos do São Paulo, não só no Morumbi, mas no Pacaembu e também no Canindé. Também íamos ao estádio da Rua Javari assistir aos jogos do Juventus, o “moleque travesso”, pois não se podia morar na Mooca e não ir à Rua Javari. Indaga-se então, como e de que modo um garoto poderia compreender o esporte e, particularmente o futebol e, acima de tudo, torcer por um time de futebol?

Este era o meu lazer, meu momento junto da família torcendo pelo nosso time de coração. Como este é um lazer dependente de um clube de futebol, que no caso, está localizado na cidade de São Paulo, o maior centro urbano do país, posso defini-lo como lazer, para expressar as experiências fruídas dentro e fora do estádio. Nesta atividade prazerosa estão todos os momentos em família, antes e depois dos jogos, as conversas com vizinhos e as brincadeiras no colégio, pois, independente do resultado, alguém seria “zoado” pelos colegas.  

É importante considerar aqui a dicotomia futebol e lazer. Ressalto que dentre várias experiências que podemos ter no nosso momento de lazer, para um torcedor, o futebol é q que merece maior destaque. É quase consenso que esse esporte, criado na Inglaterra em meados do século XVIII, tenha se tornado uma das principais manifestações esportivas, culturais e de lazer da população brasileira, e acrescentaria que nas últimas décadas, com o advento da internet, televisão paga, tornou-se uma das principais manifestações esportivas, culturais e de lazer da população mundial.

Retornando a minha história, em meados dos anos 1980, mudamos de São Paulo para Belo Horizonte, fiquei muito triste em não poder acompanhar com tanta frequência o meu time nos estádios. Apenas quando íamos de férias ou feriados prolongados para São Paulo, ou quando o São Paulo viesse a Belo Horizonte. Desta forma, mudei um pouco minha forma de torcer, deixei de ser apenas um torcedor de estádio, e comecei a ser também um torcedor de informação, portanto, aquele que acompanha as notícias do time, que necessitava buscar informações esportivas em jornais, revistas ou outros veículos informativos da época. Não era uma jornada exitosa, considerando-se que tanto os programas televisivos e os jornais locais só traziam reportagens dos times mineiros, principalmente os de Belo Horizonte. Como a TV a cabo não existia, tínhamos apenas 5 canais de televisão, raríssimas eram as ocasiões nas quais as reportagens traziam alguma informação do São Paulo. Muito do que apurava sobre o São Paulo, conseguia com muita dificuldade em algumas edições da famosa Gazeta Esportiva, um jornal esportivo de São Paulo que circulava em todo o Brasil com notícias esportivas. Sua marca principal era sua primeira página cor rosa.

Acredito ser importante aqui ressaltar alguns dados sobre o São Paulo, visto que eles são importantes para explicar, também, de onde surgiu e se mantém minha paixão pelo clube, fatores pertinentes à noção de pertencimento clubístico, e alguns fatores que me fizeram decidir investigar ainda mais essa noção de apoiar uma equipe de futebol e o que é preciso para se tornar um verdadeiro torcedor.

O São Paulo Futebol Clube é um dos principais times de futebol do Brasil com sede na cidade de São Paulo.[2] O time teve sua primeira fundação em 25 de janeiro de 1930, quando da junção de dois clubes de futebol amador, quais sejam, o Clube Athlético Paulistano e a Associação Athlética das Palmeiras. Essa junção se deu em virtude de um desacordo com a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) que não os reconhecia. Nesse ensejo, jogadores, dirigentes e ex-sócios dos dois times resolveram fundar um novo clube que fosse reconhecido pela CBD, criando-se, então, o São Paulo Futebol Clube da Floresta. Mas, após uma série de problemas e novas junções, numa reviravolta, o clube teve que ser refundado em 16 de dezembro de 1935, apenas como São Paulo Futebol Clube, preservador das glórias e tradições do São Paulo Futebol Clube da Floresta, o qual foi fundado em 25 de janeiro de 1930 e extinto em 14 de maio de 1935. O dia 25 de janeiro é considerado data magna do São Paulo Futebol Clube, em homenagem à primeira partida oficial de futebol do clube.

São Paulo
Placa de fundação do clube no memorial Luiz Cássio dos Santos Werneck, localizado no estádio do Morumbi. Foto: Wikipédia

As três cores do São Paulo foram definidas na fundação do clube, em 25 de janeiro de 1930, e são rigidamente imutáveis: vermelho, branco e preto, as mesmas cores dos integrantes de sua fundação. O vermelho representa aqueles vindos do CA Paulistano e o preto, os sócios da AA das Palmeiras. O branco era comum a ambos. Daí a origem do nome da torcida e apelido do time “Tricolor”. As cores também são as representantes do Estado de São Paulo, como dizem os estatutos do clube: “as cores do São Paulo Futebol Clube são as da bandeira paulista, vermelha, branca e preta.”[3]

O lema do clube, da torcida e dos jogadores é a expressão “Tricolor ou Tricolor do Morumbi”, frases que estampam todo e qualquer hino das torcidas e notícias sobre o time. Logicamente, rivais tentam criar outros, mas sem grande sucesso.

Nunca fui membro de nenhuma torcida do São Paulo, mas que é emocionante o estádio cheio e a torcida com seus cânticos, isso sim é. Uma curiosidade em relação às torcidas organizadas do São Paulo se dá quando do seu surgimento. As torcidas organizadas existem no Brasil desde meados da década de 1940 (comentário: antes, eram as chamadas “torcidas uniformizadas”; passaram a se chamar “organizadas” por volta dos anos 1970 e 1980). Em São Paulo, a torcida uniformizada ( pois essa era a definição da época) do clube de futebol São Paulo Futebol Clube foi criada em 1942, mesmo ano da criação da Charanga Rubro-Negra em 1942, ambas fundadas por personalidades locais daquela época, Laudo Natel (ex-governador de São Paulo) e Manoel Porfírio da Paz ( destaco aqui uma certa inconsistência com esse último nome dado por inúmeros pesquisadores, em nenhuma biografia do São Paulo, nas várias e oficiais do clube aparece o nome de Manoel, mas sim, do General José Porfírio da Paz, que fora ex-prefeito e vice-governador de São Paulo e, principalmente, cunhou o hino do time, os dois, Laudo e ele, que hoje são homenageados com nomes de ruas em São Paulo, criaram muitos departamentos do clube São Paulo e entre elas a torcida), em São Paulo e Jaime Rodrigues de Carvalho no Rio de Janeiro.

São Paulo
Fonte: Wikipédia

Com respeito ao nosso escudo, o coração de cinco pontas do Tricolor nasceu poucos dias após o marco inicial de 26 de janeiro de 1930. O escudo foi desenhado para um concurso interno pelo estilista alemão Walter Ostrich (popularmente conhecido como Oliver), com a colaboração de um dos fundadores do clube, Firmiano de Morais Pinto Filho. Poucas mudanças foram feitas no decorrer dos anos, a mais visível foi o escudo que tinha as letras do acrônimo pontuadas[4] após cada uma para o escudo sem pontuação alguma, como vemos acima. Mudança essa que ocorreu em 1982.

Como um dos fatos curiosos e irônicos relativos ao São Paulo, está a famosa frase “Onde a moeda cai em pé”. Esta frase se encontra no hall de entrada para os jogadores no Estádio do Morumbi. Em 1942, o título do Campeonato Paulista bateu na trave. Um jogo ruim, aliado a uma arbitragem estranha e catastrófica, de um completo desconhecido que nunca apitou nada importante antes e nem depois – além de um cenário político complexo no jogo decisivo -, impediram o sucesso do Tricolor.[5]

São Paulo
Fonte: Reprodução

Veio então a temporada de 1943. No conselho arbitral que definiria o regulamento da competição, os presidentes das equipes debatiam favoritismos, quando um dirigente afirmou que tudo aquilo não seria necessário. Que para definir o Campeão Paulista bastaria ao árbitro jogar a moeda ao ar. Se desse cara, o campeão seria o Corinthians. Se desse coroa, o Palmeiras.

“Mas e o São Paulo?” – Questionou Décio Pacheco Pedroso, presidente do Tricolor, ao que responderam: – “Só se a moeda cair em pé”.

O São Paulo logo se esforçou para reforçar seu elenco, contratou Zezé Procópio, Noronha, Ruy, Zarzur e Antônio Sastre – que os rivais satirizavam por “Desastre”, por considerá-lo velho. Mais uma vez o tempo seria o senhor da razão. Na última rodada do campeonato, novamente a decisão ficou entre São Paulo e Palmeiras. O Tricolor jogava por um empate para comemorar o título. Empate esse que veio, 0 a 0 e São Paulo campeão.

A moeda caiu em pé!

Como todo time grande, campeão, o São Paulo também tem seu majestoso estádio. O famoso Morumbi, mas que realmente se chama Estádio Cícero Pompeu de Toledo. Cícero Pompeu de Toledo foi o presidente do São Paulo que articulou e incentivou a construção de um estádio próprio para o clube. Infelizmente, ele faleceu em 1958, dois anos antes de ver o estádio inaugurado em 1960, mesmo estando apenas parcialmente construído. Em sua homenagem, o estádio leva seu nome. Somente em janeiro de 1970 o estádio teve sua construção concluída e teve sua segunda inauguração. Alguns detalhes sobre o estádio: o maior estádio particular do país, com capacidade para receber 67.032 pessoas. O Cícero Pompeu de Toledo é o 3º maior na classificação geral, atrás apenas do Maracanã e do Mané Garrincha. Ao longo de seus 58 anos de vida, o Morumbi pode comportar cerca 150 mil torcedores, mas, por medidas de segurança, a capacidade foi reduzida aos poucos até atingir a atual.[6]

Em sua rica e vasta história, o São Paulo é 6 vezes campeão Brasileiro, 3 vezes campeão da Copa Libertadores da América e 3 vezes Campeão Mundial Interclubes. Dentre todos estes títulos, só não acompanhei o primeiro brasileiro, quando o São Paulo foi campeão no Mineirão, em Belo Horizonte, batendo o Atlético Mineiro nos pênaltis. Fato curioso, este jogou aconteceu em 05 de março de 1978, e não em 1977. A despeito dos demais títulos do São Paulo, em sua grande maioria, os pude acompanhar e também sofrer bastante, geralmente em pequenas comemorações com meu pai e meu irmão mais velho, e, após 2004, com meu filho. O São Paulo possui também 23 títulos do campeonato Paulista, alguns dirão que são 21 por não considerar o Super Campeonato Paulista de 2002, mas, infelizmente, só tenho recordações daqueles conquistados após 1980.

Dentre os seus maiores rivais no esporte estão o Palmeiras, com quem faz o clássico “Choque Rei”, o Corinthians, e o Santos, com quem faz outro famoso clássico, o “SanSão”.

Outro dado importante sobre o São Paulo é o fato de fazer parte de uma seleta lista de clubes brasileiros que, desde que chegaram à primeira divisão do Campeonato Brasileiro, nunca caíram para a série B, sendo eles: Flamengo, Santos e São Paulo. Mesmo tendo por vezes permeado a zona de rebaixamento, nunca fomos rebaixados.

O tricolor do Morumbi tem uma grande tradição em disputar a Taça Libertadores da América. Foram 20 participações distribuídas em mais de 190 jogos disputados. O clube chegou a atuar em sete edições seguidas, entre 2004 e 2010, e com esses números é o time brasileiro que mais jogou a Copa Libertadores da América. O time chegou a seis finais da competição, levando a taça em três oportunidades.

Somos a 3ª maior torcida do país, que sempre está junto do clube nas horas boas e nas ruins. Que protesta quando é preciso e que apoia nos momentos que o time mais necessita.

A primeira Libertadores: a gente nunca esquece

Após ganhar o Campeonato Brasileiro em 1991 sobre o Vitória da Bahia, o São Paulo havia conquistado uma vaga para a Copa Libertadores da América. Logo no início de 1992, procurei notícias sobre a Libertadores e sobre sua transmissão. Descobri, tristemente, que nenhum canal brasileiro iria transmitir os jogos, pois até então, no Brasil, a Libertadores não tinha o apelo sentimental que tem hoje em dia. Sem internet, o que me restaria seria o rádio. Já estava espiritualmente preparado para o rádio quando, um colega de colégio, Frederico, cruzeirense doente, me disse que o pai dele havia dito que eu poderia assistir aos jogos na casa dele usando a antena parabólica que ele tinha. Perguntei como ele sabia disso e ele me disse que o pai era representante da empresa de antenas e já sabiam das transmissões de anos anteriores.

Estando tudo combinado, nos dias marcados, peguei o ônibus 1001 que ligava o bairro Sion ao Grajaú, passando pelo Barroca onde ele morava. Eu morava no bairro São Pedro, vizinho ao Sion. Isso para o jogo às 22 horas. Realmente, assisti a todos os jogos na casa dele, mas às vezes o horário era um complicador, tendo jogos que começavam às 23 ou muito cedo, às 17 horas.

A imagem não era das melhores, havia um chuvisco o tempo todo e pouco entendia o que era dito, pois era em espanhol. Mas isso não importava, o que importava era estar ali acompanhando o time. E, voltar para casa, depois das 24 horas ou de madrugada, não era nada legal, mas ainda não era tão perigoso.

Com certa dificuldade, chegamos à final contra o time argentino Newell’s Old Boys e nem meu aniversário, que foi no dia do primeiro jogo da final, dia 10 de junho de 1992 fez com que não fosse ao jogo. Triste no meu aniversário, pois perdemos de um a zero. Já, na semana seguinte, no Morumbi, ganhamos pelo mesmo placar de 1×0 e levamos o título nos pênaltis. No fim de tudo, acho que a mãe dele não aguentava me ver mais na casa dela. 

Os mundiais, cada um com seu qual

0 1º mundial do São Paulo, em 1992 foi emocionante, pois pude assistir em casa e ver meu pai feliz com a vitória do São Paulo sobre o temido Barcelona, e com o golaço de falta batida pelo Raí no goleiro Zubizarreta. São Paulo campeão.

O 2º mundial do São Paulo, em 1993 foi calado, pois estava na casa do Gustavo, meu amigo de colégio, e não podíamos fazer barulho, pois estávamos bebendo cerveja as escondidas. Mas, quando Muller, fez o 3º gol do São Paulo sobre o poderoso Milan, nada pude fazer, tive que pular, gritar e até ciar no chão recriando o gol. Lógico que tivemos problemas mais tarde. Mas era bicampeão.

O 3º mundial do São Paulo, em 2005, que foi assistido na casa do meu irmão mais velho foi um pouco mais sentimental. Estávamos eu, meu pai, meu irmão, meu filho e meu sobrinho. Três gerações de são-paulinos juntas assistindo o São Paulo vencer o imbatível Liverpool na melhor partida da vida do nosso eterno goleiro Rogério Ceni. A cena, das três gerações comemorando permanece viva em minha mente. Agora já somos tricampeões.  

Até hoje aguardo uma retratação por parte da imprensa internacional que sempre elogiou e deu títulos e nomes aos times europeus que jogaram e nunca ganharam do São Paulo. O poderoso, temido, imbatível e muitos outros adjetivos foram dados ao Barcelona, Milan e Liverpool, mas o único título real deles é o de vice-campeão.

Morumbi
Foto: Wikipédia

Uma derrota que doeu

Em 09 de julho de 2000, eu e meu irmão mais velho passamos por uma experiência dolorosa. Era o segundo e decisivo jogo entre São Paulo e Cruzeiro pela final da Copa do Brasil. Único título que falta na nossa galeria de troféus. Nós conseguimos comprar os ingressos para a partida com um ágio de quase 500%, pois o número de ingressos destinados aos torcedores do São Paulo era ínfimo, uma vez que a partida aconteceria no Mineirão, em Belo Horizonte.

Fomos de táxi para o estádio com boa antecedência e não usamos nada alusivo ao São Paulo para evitar violência. Na chegada ao Mineirão, fomos direto para a entrada, passamos pela polícia e subimos para a arquibancada no setor destinado à torcida do São Paulo, à direita das cabines, no antigo Mineirão.

Estávamos empolgados e excitados com a possibilidade de ver o São Paulo campeão em Belo Horizonte. Ainda mais por voltar ao Mineirão, onde algumas semanas antes, lá estávamos para ver o São Paulo marcar 3×0 no Atlético e depois com um empate no Morumbi por 3×3 seguir para a tão almejada final. Rapidamente nosso setor encheu com muitos torcedores das torcidas organizadas, entre elas a temida Independente e a Dragões da Real. Uma pequena confusão foi formada, como era esperado. Logo, com total despreparo, a PM invadiu o setor com a intenção de recolher os cabos usados nas bandeiras das torcidas, uma briga generalizada entre a PM e as torcidas se instalou. A PM acabou apanhando e como retaliação, trancou todos os portões de acesso ao nosso setor, ou seja, ninguém poderia siar nem entrar até o fim do jogo.

Mas logo a situação se acalmou e o jogo começou. Apesar de empolgados, assistimos a um primeiro tempo morno, sem muitas chances de gol por ambas as partes. Como de costume, fomos aos bares no intervalo para comer o famoso “tropeirão”, uma delícia culinária que nada se assemelha ao que é vendido hoje em dia após a reforma do estádio para a Copa de 2010.

O segundo tempo teve um início bem mais agitado, com as duas equipes buscando o gol. No minuto 60, Marcelinho Paraíba, cobrando falta de uma posição não muito adequada encobriu o goleiro do Cruzeiro e abriu o placar. Depois disso, o Cruzeiro gerou muita pressão contra a defesa do São Paulo e conseguiu empatar aos 80 minutos de partida. Como naquela época, ainda existia o critério de gols na casa do adversário, com o empate o São Paulo seria campeão. Já estávamos comemorando pois o jogo já caminhava para seu final, quando, pouco depois dos 90 minutos, numa recuada errada do nosso zagueiro para o nosso maior ídolo, Rogerio Cenni, tivemos que fazer uma falta perto da área. E o pior aconteceu, numa batida não muito forte do atacante do Cruzeiro, a bola desvia na barreira e tira todas as possibilidades de defesa. Assim o Cruzeiro conquistava seu 3º título da Copa do Brasil.

Mas a situação ainda iria se complicar ainda mais. Além de estarmos chateados com a derrota, ficamos presos no Mineirão até às 3:00 horas da madrugada, também como retaliação da PM que havia apanhado da torcida logo antes do jogo começar, mas que usou a desculpa que seria para nossa própria segurança a fim de evitar confrontos com a torcida do Cruzeiro.

Como em várias (auto)biografias de jogadores, dirigentes, torcedores, a fala é sempre a mesma, então a repetirei aqui. Ninguém gosta de falar das derrotas, pois elas são cicatrizes que perduram uma vida, mas infelizmente essa era necessária.

Reacendendo a chama: de avô para neto

Recentemente, passei pela mesma experiência de uma partida de futebol do São Paulo, mas com meu filho e meu pai. Desta vez foi diferente. Viajamos de Belo Horizonte a São Paulo, eu, meu filho que em 2013 tinha 8 anos e meu pai. As experiências foram diversas, meu pai não ia ao Morumbi já fazia muitos anos, eu, um pouco menos e meu filho estava indo ao estádio de futebol pela primeira vez na vida.

Desta vez, meu encantamento foi com a emoção do meu pai ao voltar ao Morumbi, e a emoção sem limites do meu filho ao participar de um evento daquele porte. O jogo era São Paulo e Mirassol, nada grandioso, pois nos dias de hoje levar uma criança ao estádio só num jogo calmo e sem muita torcida. Prestei mais atenção no meu filho do que no jogo, ele não sentou um segundo sequer, tomamos chuva e sol, vimos os gols do São Paulo, apenas dois, mas que para ele foram milhares. Pude perceber claramente que, em sua percepção do jogo, ele não se preocupava em ver seu time vencedor, só queria participar e torcer, pois um verdadeiro pertencimento clubístico se alcança quando as regras de ganhar e perder fazem parte da experiência dos torcedores.

Não sei ao certo quem estava mais feliz, meu filho ou meu pai. Claro que por motivos diferentes, mas vê-los ali, explodindo de felicidade me deixou bem emocionado. Havia conseguido o que tinha em mente quando planejei nossa pequena excursão tricolor. Só não fizemos o tour dentro do estádio, que é para mim sempre uma necessidade quando vou a São Paulo.

Desde o fim do jogo, desde a saída do estádio escutando o hino até o hotel e a volta para casa, ele não parou de falar em cada detalhe que para ele serão eternas memórias. Na verdade, um dos principais motivos da nossa instigante viagem, foi para ver jogar um dos principais jogadores do São Paulo de todos os tempos, na minha humilde opinião.

Tivemos a honra de ter acompanhado a atuação do nosso ídolo, o mito Rogério Ceni. Neste jogo em específico, não teve nenhum trabalho e nem marcou nenhum gol. Foi quase, numa falta que passou próximo ao travessão. Importante salientar que Rogério Ceni, ao longo de seus 25 anos de carreira no São Paulo, além de ser um excelente goleiro, se tornou o maior goleiro artilheiro do mundo com 131 gols, sendo 62 de falta e 69 de pênalti. Ceni ainda carrega a marca de ser o jogador que mais vezes atuou pela mesma equipe, 1237 partidas disputadas. Só o São Paulo para ter um ídolo assim.

Rogério Ceni
Rogério Ceni comemorando o tricampeonato brasileiro, conquistado em 2008. Foto: Ramthum/Wikipédia

Ao chegar ao fim deste pequeno preâmbulo sobre meu clube de coração, acredito ser importante ressaltar que, assim como eu tive uma formação de torcedor um pouco diferente, muitos torcedores também a tiveram e poderão se espelhar nesta curta autobiografia para escreverem suas próprias histórias.

A deferência por esta autobiografia baseia-se na minha própria afetividade memorialista em relação ao São Paulo Futebol Clube, desde a infância e formação como torcedor até a fase adulta. Assim, despertou-se em mim o interesse por rememorar e escrever algumas linhas sobre o assunto.

De última hora

Neste ano atípico e pandêmico de 2021, tive o novo prazer de ver meu São Paulo campeão paulista, evidentemente, de dentro de casa e sem contato com meus familiares, apenas meu filho que não está mais na fase do futebol, comum a muitos torcedores. Mas, para quem estava desde 2005 sem conquistar o título Paulista e desde 2012, quando ganhamos a Copa Sul-americana, sem ganhar nenhum título, esse Paulista de 2021 veio em ótima hora.  

Notas

[1] Realmente a Ponte Preta não conquistou nenhum título de expressão, em sua história, conquistou 10 títulos campineiros (1912, 1931, 1935, 1936, 1937, 1940, 1944, 1947, 1948, 1951), 6 títulos do Campeonato do Interior (1927, 1951, 2009, 2013, 2015, 2018), 1 Taça dos Invictos (1970), além do título de campeão da Divisão Especial de Acesso (1969).

[2] Disponível em: http://www.saopaulofc.net/; acesso em: 05 out. 2020. 

[3] Disponível em: http://www.saopaulofc.net/spfcpedia/simbolos; acesso em: 05 out. 2020. 

[4] Disponível em: http://www.futbox.com; acesso em: 05 out. 2020. 

[5] Disponível em: http://www.saopaulofc.net/spfcpedia/a-historia-do-spfc/; acesso em: 05 out. 2020. 

[6] Disponível em: http://www.worldstadiums.com; acesso em: 05 out. 2020.

 

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Eduardo Bueno Fontes

Membro do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, da UFMG. Professor Doutor em Estudos do Lazer, Mestre em Literatura Inglesa e Professor de Língua Inglesa do CEFET-MG.

Como citar

FONTES, Eduardo Bueno. (Auto)biografia de um São Paulino. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 5, 2021.
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