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Camisa n° 2: Entre Torres e avenidas

Allef Souza 26 de outubro de 2020

Eis uma posição que desde os primórdios do futebol, chegando aos dias atuais, passou por inúmeras modificações, seja em sua função ou a numeração de seu fardamento. O antes lateral direito que optava primordialmente por sua função defensiva dentro do esquema de jogo, limitado a apresentar – se no máximo até a metade do campo, hoje, figura como peça fundamental num esquema onde torna – se escape em jogos congestionados, sendo elemento surpresa em defesas que insistem em permanecer impenetráveis.

Disse sobre a mudança na numeração, pois, quando comecei a pensar sobre a função exercida pelo camisa 2, a primeira imagem que me veio à cabeça foi: um dos gols mais bonitos e marcantes (pelo menos pra mim), foi marcado por um lateral direito. O gol em questão é a patada desferida por nosso eterno e capita, Carlos Alberto Torres, que trazia o número 4 em suas costas.

Engraçado pensar nessa situação. Como bem disse meu amigo, Giorgio, “O lateral precisa cobrir, marcar, avançar, driblar, cruzar… A única coisa que talvez o lateral não saiba fazer é gol”. E realmente, não discordo dele, embora acompanhamos hoje alguns bons laterais que não deixam a desejar quando na frente do gol.

O camisa 2, que diferente do seu oposto, não carrega em si a “mística” de da perna canhota, por vezes é personagem quase que esquecido dentro das histórias contadas do esporte. Quis o destino que a seleção mais vezes campeã do mundo, tivesse dois laterais direitos erguendo duas das cinco taças conquistadas.

Aliás, nada mais do que merecido. Se existe uma coisa que não mudou e acho que nunca mudará no esporte, é de que o lateral escuta mais bobagens do que qualquer outro em campo, seja da torcida, seja do treinador. Seja em seu campo de defesa, ou na linha de fundo adversária, quando este se apresenta como opção. É fogo cruzado, meus amigos!

A necessidade de estar em diferentes pontos do campo em pequenos espaços de tempos, torna fatigante a função de nosso lateral direito dentro desse tabuleiro de xadrez que é o futebol. Aliás, permita – me a comparação entre o lateral direito, fazendo um paralelo entre a belíssima arte (ou ciência, seja lá como queiram) de jogar xadrez, com o sobrenome Torres de nosso  capitão de 70. A função da peça torre, dentro de um tabuleiro, ocupa a mesma área lateral que nosso operário fardado com a vestimenta de número 2, movimenta – se em grande maioria da mesma forma, avançando e voltando em vertical, fechando em horizontal para compor a defesa, ou como elemento surpresa ao ataque.

Carlos Alberto Torres levanta a Taça da Copa de 1970. Foto: Arquivo Nacional Fundo Correio da Manhã

O que me faz refletir sobre a função desempenhada pelo camisa 2, e o quão custoso é cumprir (bem) tal tarefa. Vai ver que por essas e outras que é que a cada dia que se passa, parece que se torna missão mais árdua de vermos bons laterais pelos verdes campos de futebol.

Mas aposto que, mais de uma única vez, você já deve ter sofrido em seu clube com o improviso (famoso quebra – galho), de um jogador que mal cumpre a sua função de forma tolerável dentro de campo, mas que o professor vai lá e fala qualquer bobagem, terminando com “tenho certeza que vai dar o melhor de si”. Eis que se forma uma avenida, um espaço propício para o desfile dos céleres pontas, que deitam e rolam nas costas destes severinos, que no cara – crachá, enxergam cada vez  mais longe o número que passa rapidamente por eles.

Entre torres e avenidas, capitães e quebra – galhos, a camisa 2 desfila pelos campos, sem jamais perder a importância.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Allef Eduardo de Souza

Graduado em Letras - Inglês pela UENP, cronista , amante do futebol, da literatura, fã declarado da gigante Inter de Milão e que não dispensa uma mesa de bar.Corinthiano, maloqueiro e sofredor!

Como citar

SOUZA, Allef. Camisa n° 2: Entre Torres e avenidas. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 58, 2020.
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