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Carioca na RecordTV, sem exclusividade e com valor menor: pontos positivos e negativos

Anderson David Gomes dos Santos 17 de fevereiro de 2021

O Conselho Arbitral para realização da Série A do Campeonato Carioca, realizada na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) na tarde do dia 11 de fevereiro, aprovou a cessão dos direitos de transmissão para a RecordTV na plataforma da TV aberta, confirmando informações do blog do jornalista Rodrigo Mattos no UOL e da Máquina do Esporte.

São muitos detalhes interessantes num processo que surge como efeito das mudanças geradas pela Medida Provisória 984/2020 (MP 984). Como a notícia no site da FFERJ não entra em detalhes, usaremos como base documental para argumentação o que foi informado por Erich Beting em notícia e na coluna de opinião da Máquina do Esporte.

Síntese sobre efeitos da MP 984 no Carioca

Não irei me prolongar sobre a MP 984, então sugerirei o artigo “Barreiras político-institucionais em ação no futebol: Efeitos da MP 984 para a transmissão do Campeonato Carioca”, que apresentei no 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, no segundo semestre do ano passado. Assim como, diferentes lives realizadas com outros camaradas para o podcast Na Bancada, da Central 3.

Em síntese, a Medida Provisória, assinada em 18 de junho de 2020, alterava a Lei Pelé (9.615/98). Entre outros elementos, o direito de arena passava a ser exclusivamente do clube mandante da partida, não mais dos dois em campo.

O contexto de criação da MP foi marcado por uma conversa do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, com o presidente da República após o primeiro informar que os jogos do clube não seriam exibidos por limitação legal. Com ela, publicada no mesmo dia da volta do Carioca após a paralisação causada pela pandemia da Covid-19, a equipe rubro-negra pôde transmitir suas partidas enquanto mandante.

Um dia após a transmissão do primeiro jogo, em 2 de julho, o Grupo Globo anunciou a rescisão do acordo de transmissão do campeonato, que terminaria em 2024, pela incapacidade de os clubes e a FFERJ garantirem a exclusividade contida no contrato.

Campeonato Carioca
Fonte: Twitter da FFERJ

Aspectos positivos

Beting faz uma boa análise da negociação para 2021, destacando a importância da venda centralizada, algo que teria evitado toda a crise gerada no ano passado.

Há um consenso na análise sobre direitos de transmissão, de jornalistas especializados a pesquisadores e órgãos em defesa da concorrência, que se trata de um mercado em que a negociação coletiva é o ideal, ainda que sob o formato jurídico-econômico de cartel.

Do lado do produto midiático, isso ajuda a evitar o aumento de assimetrias geradas entre quem ganha mais e menos na principal fonte de recursos, que é a transmissão das partidas. A negociação em conjunto evita que o peso individual na negociação prepondere, seja pelo tamanho da torcida ou até mesmo pela situação financeira das equipes no momento.

Para os veículos de comunicação, é muito mais fácil negociar com apenas um agente do que com 16, para ficar na quantia do Carioca. Além de deixar mais claro para o espectador onde todos os jogos do torneio são exibidos.

Outro ponto positivo, em meu ver, é a geração das partidas ser do torneio, repassada a quem transmitir. Modelo, por sinal, adotado recentemente pela Conmebol para os seus campeonatos. Isso possibilita um padrão visual único, que gera identificação ao torcedor, e abre uma via importante de publicidade para patrocinadores da competição.

Além disso, há algo que a paralisação do futebol mostrou: a possibilidade mais fácil de os clubes reaproveitarem imagens de jogos do passado para exibição em suas plataformas e, quem sabe, para utilização em vídeos comemorativos futuros.

A agência Sportsview foi quem negociou com as empresas interessadas. Dentre outros elementos considerados para a escolha estavam, para além da geração das imagens, a negociação por plataformas, de maneira que um mesmo conglomerado não ficasse com tudo o que era ofertado, independentemente do valor.

Assim, negou-se a principal oferta em valores, a do Grupo Globo, de R$ 45 milhões. A proposta era de transmissão na TV aberta, na fechada e no pay-per-view do conglomerado nacional.

A “licitação” na TV aberta mostra a importância dessa mídia para o mercado nacional, algo que alguns dirigentes de clubes pareciam não entender quando opinavam sobre a transmissão pela internet. Avalio ainda que tratar diferente as distintas mídias seja algo positivo, mas desde que cruze visibilidade e potencial financeiro.

Pontos negativos (?)

Sair de um contrato de longo prazo, comparado ao modelo considerado ideal para este tipo de mercado (3 anos), que poderia chegar a R$ 120 milhões para outro em que a certeza, por enquanto, é de R$ 11 milhões – com previsão de chegar até R$ 55 milhões com as receitas geradas por outras plataformas – é um claro ponto negativo em curto prazo.

Além disso, com a maior parte do valor a ser repartido vindo do ppv e de receitas móveis, caso a divisão ocorra seguindo o modelo dos últimos anos da Série A do Brasileiro – de acordo com o tamanho da torcida ou da identificação do time que se torce –, os clubes de menor torcida tendem a ganhar ainda menos que Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Pior, como também destacou Beting, já partem de um valor fixo inicial que dificilmente conseguiriam repetir em curto prazo.

Se a centralização da negociação é ponto positivo, criar mecanismos para distribuição mais justa, no sentido da “solidariedade”, também o é. Não à toa que o modelo considerado ideal de distribuição de cotas de broadcasting, a Premier League, ocorre a partir de 3 critérios: 50% igualitário; 25% partidas exibidas; e 25% pela classificação. Isso gera uma diferença de menos de 2 vezes entre o que mais ganha daquele que menos ganha. Lembrando que quanto maior o equilíbrio concorrencial para uma partida maior também pode ser o interesse num jogo para além dos torcedores dos clubes em campo.

Enquanto a transmissão por streaming estaria sendo negociada com Facebook e Youtube, o ppv deve ficar a cargo de distribuidoras de TV fechada (Claro, Vivo e Sky). Conforme já opinei nos casos dos torneios da Conmebol e da Copa do Nordeste, não vejo como boa opção porque a quantidade de assinantes é cada vez mais baixa, com queda recorrente desde 2014.

Compreendo, entretanto, ser um momento de transição da aplicação do streaming, tanto pelos efeitos da crise econômica também neste mercado, com o recuo da atuação da DAZN no Brasil; quanto pela fase de testes de grandes agentes, como a Amazon, com o Prime Video e a Twitch, e o próprio Mycujoo, testado pelo Flamengo no ano passado.

Considerações provisórias

Volto a destacar que a minha argumentação toma como base as informações divulgadas nos últimos dias, sem acesso ao contrato final. Mas é possível afirmar que o Carioca é mais um campeonato que demonstra a transição de modelos de negociação de eventos esportivos no Brasil.

Podemos lembrar como caso de sucesso a opção do Novo Basquete Brasil em 2018 de não renovar o acordo com o Grupo Globo para ter maior visibilidade na pulverização de oferta de jogos em distintas plataformas midiáticas (TV aberta, dois canais na fechada e diferentes mídias sociais).

Além disso, com o recuo do investimento do Grupo Globo nos direitos de transmissão de eventos esportivos a partir de 2020, vimos ainda a Copa Conmebol Libertadores ir para o SBT e a Fórmula 1 fechar acordo com a Band sob modelos semelhantes. Recebe-se menos em valor fixo, mas é formada uma sociedade na publicidade, além de te flexibilidade no uso de marcas patrocinadoras dos torneios e a transmissão na internet pelos cedentes.

Aguardemos se esse modelo se tornará o hegemônico também em outros contratos, o que poderia ser o fim da hegemonia do modelo de aquisição sob exclusividade, barreira de mercado do Grupo Globo enquanto líder do mercado.

Referências 

BETING, Erich. Carioca de 2021 terá Record, streaming e PPV na Claro, Vivo e Sky. Máquina do Esporte, São Paulo, 11 fev. 2021.

BETING, Erich. Opinião: Venda centralizada é a única boa notícia do Campeonato Carioca. Máquina do Esporte, São Paulo, 11 fev. 2021.

SANTOS, Anderson David Gomes dos. Barreiras político-institucionais em ação no futebol: Efeitos da MP 984 para a transmissão do Campeonato Carioca. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 43., 2020, Salvador. Anais…São Paulo: Intercom, 2020.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SANTOS, Anderson David Gomes dos. Carioca na RecordTV, sem exclusividade e com valor menor: pontos positivos e negativos. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 36, 2021.
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