Passado pouco mais de um ano da realização dos Jogos Olímpicos 2016 no Rio de Janeiro, nenhuma notícia poderia ser mais simbólica de nosso legado olímpico do que a intimação dada pela Polícia Federal no último dia 5 de setembro a Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). O dirigente foi chamado para depor a respeito de um possível envolvimento na compra de votos de delegados do Comitê Olímpico Internacional (COI) para que o Rio fosse a cidade escolhida para sediar os Jogos de 2016.
Nesta ordem de denúncias e investigações, nada pode ser mais caricato do que a notícia de que o COI, por meio de alguns dirigentes influentes, tenha exigido uma atitude mais rígida contra Carlos Arthur Nuzman, membro honorário da entidade. Assim como ocorreu com a FIFA, não se pode imiscuir o COI dos problemas de compra de votos, já que o próprio sistema é corrupto e induz à corrupção.
Nunca é demais lembrar que a definição de sedes dos Jogos Olímpicos costuma ocorrer em sessões especiais do COI. O Rio de Janeiro soube em 2 de outubro de 2009, em reunião realizada em Copenhague (Dinamarca), que organizaria os XXXI Jogos Olímpicos da era moderna. Era a terceira vez que a cidade brasileira participava do processo seletivo para organizar uma Olimpíada, após as malsucedidas tentativas para os Jogos de 2004 e 2012. Naquela oportunidade, a “Cidade Maravilhosa” tinha como oponentes as cidades de Chicago (EUA), Madri (Espanha) e Tóquio (Japão).
A crise econômica mundial que atingiu os “mercados” europeu e norte-americano a partir de 2008 fez com que o Rio de Janeiro emergisse como um outsider poderoso na disputa pelos Jogos de 2016. A escolha do COI, deste modo, não deixou de ser um prêmio para o Brasil, um dos países que menos havia sentido os efeitos da crise econômica mundial em 2009, de acordo com dados divulgados pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) e pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Não à toa, a delegação brasileira presente a Copenhague celebrou com efusão a escolha do COI.
Tal qual como ainda acontece com a escolha do país sede da Copa do Mundo FIFA, a primazia de poder sediar uma Olimpíada vem sendo compreendida, até há pouco tempo, como uma possibilidade ímpar de multiexposição para a cidade e o país envolvidos com o evento. Em contrapartida, porém, era necessário que o comitê organizador dos Jogos apresentasse propostas cada vez mais mirabolantes, com diversas instalações esportivas e obras de infraestrutura de largo alcance. O modelo atual, que vigorou até 2016, parece ter-se esgotado. As desistências de Roma (Itália), Budapeste (Hungria) e Hamburgo (Alemanha) dão conta disso. O acerto do COI, anunciando com antecedência que Paris e Los Angeles serão sedes dos Jogos de 2024 e 2028, respectivamente, mostra igualmente que há menos cidades dispostas a entrar na elefantíase de se organizarem Jogos como os que passaram a vigorar nas últimas duas décadas.
É consenso que Barcelona-1992 inaugurou um novo paradigma na organização de uma Olimpíada, tanto pela repercussão da cobertura midiática, tanto pelas soluções que os organizadores locais procuraram divulgar sobre a competição (um trabalho muito bem articulado em torno dos meios de comunicação, da política, da sociedade, do urbanismo, da economia, da tecnologia e dos jogos paraolímpicos). As experiências não tão exitosas a respeito do legado olímpico advindas com os Jogos de Atenas (2004) e Pequim (2008) acenderam a luz de alerta: uma cidade não pode metamorfosear-se tanto para um evento que se prolonga não mais do que 15 dias e que deixa para trás dezenas de instalações esportivas que dependem de uma utilização contínua para se justificarem e para que se paguem.
No caso do Rio de Janeiro, pudemos ver como a primeira Olimpíada realizada na América do Sul metamorfoseou-se da euforia desenfreada vivida a partir de outubro de 2009 para uma desconfiança generalizada às vésperas do início da competição em agosto de 2016. A escassez de recursos e a crise político-econômica do Brasil nos últimos anos impediram que os Jogos transcorressem como imaginado – e muitas das promessas elencadas no dossiê da candidatura entregue ao COI não puderam ser cumpridas. Um ano depois, percebemos que não só as instalações olímpicas têm sido utilizadas a contento, como nos deparamos com as suspeitas que pairam sobre o Comitê Olímpico Brasileiro.
Assim, o Brasil volta a ocupar o noticiário esportivo de maneira singular, após organizar os dois maiores megaeventos esportivos do mundo. No final de maio de 2015, quase um ano depois da Copa do Mundo Fifa-2014, assistimos à detenção de José Maria Marin, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Em jogo estava a corrupção na negociação de direitos de transmissão televisivos e na compra (ou venda) de votos na escolha do Catar como sede da Copa de 2022. Agora, um ano após os Jogos Rio-2016, vemos o presidente do COB ser alvo de denúncias e investigações. As duas maiores entidades esportivas do país parecem trilhar caminhos semelhantes. Triste legado que o esporte brasileiro deixa para o próprio esporte.