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Celeste Proletária e a 6ª Copa América Alternativa: por un fútbol solidário

João Manuel Casquinha Malaia Santos 13 de fevereiro de 2019

Times formados por homens e mulheres juntos. Hospedagem em camping ao lado do campo de futebol. Resultado que interessa, mas que interessa menos que a união entre os participantes. Este é o clima da Copa América Alternativa, evento que reúne clubes de futebol populares da América do Sul. O evento busca ser uma alternativa ao futebol midiático e mercantilizado. O lema é: “por un fútbol solidário“.

Neste ano de 2019, jogou-se a sexta edição do evento, na cidade de Fray Bentos, Uruguai. Outra característica da Copa América Alternativa: ser disputada longe das grandes cidades sul-americanas. O evento já aconteceu também em Jesús María (Argentina, 2012), Gualeguaychú (Argentina, 2013 e 2018), Resistência (Argentina, 2014) e Fray Bentos (Uruguai, 2015 e 2019). Geralmente, a organização do evento fica a cargo de uma das equipes locais. As cidades de Gualeguaychú (Argentina) e Fray Bentos (Uruguai), receberam as quatro últimas edições. São cidades vizinhas, divididas pelo Rio Uruguai, que faz a fronteira entre os dois países.

Quem quiser saber um pouco mais sobre os primeiros passos que levaram à organização da Copa América Alternativa, pode ler o texto “Copa América Alternativa: relato de uma experiência futebolística para além do capital“. O artigo foi publicado por Bruno Gawryszewski e Gabriel Marques na revista eletrônica EFDeportes.com. Inspirada nas Copa do Mundo Alternativa e no Mondiali Antirazzisti, a primeira edição da Copa América Alternativa foi organizada pelo Club Che Guevara, da cidade de Jesús María (Córdoba, Argentina). Esta é uma agremiação que promove a educação socialista por meio do futebol e recebeu dezenas de equipes e pessoas vindas de países da América Latina e Europa. Há um documentário sobre esta primeira edição, que recebeu o nome de “Copa Hombre Nuevo”.

Várias equipes brasileiras já participaram do evento, como o Autônomos FC (que ajudou na organização da I Copa América Alternativa), o Pelada de Esquerda e o Catadão. Neste ano de 2019, foram duas equipes brasileiras: a Celeste Proletária e a Rosa Negra, ambas de São Paulo.

A Celeste Proletária nasceu em 2015. A história do seu nascimento mostra um clube vinculado desde a sua origem a causas sociais e de luta (o lema da Celeste é “futebol e luta de classes”). Um grupo de pessoas da região do ABC paulista, se organizou para participar de um evento organizado pelo MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores) em apoio à greve dos professores do estado de São Paulo daquele ano. Para este evento, que contaria com um jogo de futebol, um dos membros desse grupo tinha um jogo de uniformes na cor celeste, que foi usado pela equipe, ainda com o nome de Associação dos Boleiros Classistas (ABC). Durante o evento, por conta dos uniformes, as pessoas começaram a chamar o clube de “Celeste”. Foi quando alguém completou: “Não é uma celeste qualquer. É uma Celeste Proletária!”. Como estava próximo do dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra), a Celeste Proletária adotou esta data com a da sua fundação.

Neste ano de 2019, a Celeste Proletária decidiu participar da Copa América Alternativa pela primeira vez. Por sorte, um grupo do time veio de carro e fez uma parada de um par de horas em Santa Maria. Por meio de contato com o meu colega de UFSM, Leonardo Botega, fui junto dele e de outro companheiro (Elias Cósta) encontrar com esses verdadeiros heróis do futebol nacional. Ao nos encontrarmos, o clima fraterno fez com que em poucos minutos parecêssemos todos grandes amigos de longa data.

No breve encontro, trocamos contatos e fiz um pedido aos companheiros da Celeste: preciso que vocês me mandem fotos e depois tenho que falar com um de vocês para escrever para o Ludopédio. Rapidamente, todos aceitaram. E hoje escrevo este texto, fruto de algumas conversas, de uma entrevista com o Leonardo Carillo feita para o podcast Stadium e de algumas pesquisas na internet para saber melhor sobre os eventos.

Na entrevista, Leonardo nos contou um pouco de como a Celeste Proletária foi parar em Fray Bentos para a conquista do vice-campeonato da Copa América Alternativa de 2019. As frases de Leonardo sobre a participação da Celeste mostram a importância deste evento como balizador de lutas importantes dos clubes populares e progressistas da região: “Pudemos com prazer participar desta edição. Foi algo maravilhoso poder participar e agregar com a nossa história, com nosso conhecimento e com nossa luta junto de outros times do Cone Sul”.

Os membros da Celeste tiveram um mês e meio para organizar sua ida a Fray Bentos. Uma parte do time foi de avião, outra foi em carro próprio. Uma terceira parte do grupo teve que alugar um carro para conseguir fazer a viagem de 2000 km que separa São Paulo da simpática cidade uruguaia. Leonardo explica que a Copa América Alternativa tem este nome por conta da solidariedade e da inclusão no futebol: “Nossa participação, por exemplo, se deu por não apenas homens jogarem, mas também haverem mulheres jogando juntas no time. Isso também acontece com a Rosa Negra e todos os outros times que participaram desta sexta edição”. A formação de times com homens e mulheres não aconteceu nas primeiras edições da Copa América Alternativa. Mas hoje é uma realidade no torneio.

Ao aprofundar o tema da participação feminina nos times, Leonardo nos mostra como a Copa America Alternativa é mesmo alternativa: “Existe uma ligação e uma sintonia muito boa entre os meninos e as meninas. Confesso que é bem difícil, pois aqui em São Paulo não jogamos contra mulheres. E por isso mesmo esta luta é muito importante. Dentro de campo não existe distinção de gênero. O tratamento é igual, não existe diferença por ser mulher. Não existe diferença na marcação, em uma chegada mais forte. Até porque, elas também se preparam como nós nos preparamos”.

Leonardo nos contou que o vice-campeonato da Celeste deu muito orgulho aos participantes, afinal de contas, é um campeonato e todos gostam de ter bons resultados. Mas o que voltou na bagagem foi muito maior que as medalhas de segundo lugar: “O que mais valeu foi a força de vontade de nos termos juntado para participar do evento. Todos que participaram desta viagem ficaram muito felizes pela maneira como fomos recebidos no Uruguai, principalmente pelos organizadores do Sangre y Luto. Todos os participantes, sem exceção, tiveram momentos de reunião com membros de outros clubes. Voltamos muito felizes com este espírito coletivo na organização. Pudemos contribuir para este movimento e voltamos mais fortes por conta disso”.

Iniciativas como a Copa América Alternativa nos mostram que nem só de dinheiro, craques, arenas e grandes eventos vive o futebol. Há um futebol que respira solidariedade, que adentra o campo das lutas sociais, da luta contra a homofobia, contra a misoginia e contra o racismo. O mundo está complicado, hermanos. Mas ainda resistimos. Vida longa à Copa América Alternativa!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Malaia

Historiador, realizou tese de doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo sobre a inserção de negros e portugueses na sociedade carioca por meio da análise do processo de profissionalização de jogadores no Vasco da Gama (1919-1935). Realizou pós doutorado em História Comparada na UFRJ pesquisando as principais competições internacionais esportivas já sediadas no Rio de Janeiro (1919 - 2016). Autor de livros como Torcida Brasileira, 1922: as celebrações esportivas do Centenário e Pesquisa Histórica e História do Esporte. Atualmente é professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e atua como pesquisador do Ludens-USP.

Como citar

SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Celeste Proletária e a 6ª Copa América Alternativa: por un fútbol solidário. Ludopédio, São Paulo, v. 116, n. 13, 2019.
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