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Chapecoense: uma incrível história de superação

Lucas Andrade, Raíssa Duarte 17 de maio de 2021

A Associação Chapecoense de Futebol (ACF), popularmente conhecida como Chapecoense ou Chape, foi criada a partir da fusão de duas equipes amadoras, Atlético Chapecoense e Independente. A grande ACF teve seu nascimento marcado pelas mãos de jovens apaixonados por futebol, em 1973.

O objetivo principal era formar uma equipe profissional de futebol, na cidade de Chapecó, já que as equipes existentes estavam mais restritas a torneios amadores. A instituição, desde a sua fundação, foi bem recebida pelos moradores da região, tendo um início de ciclo vitorioso. A Chape foi campeã estadual em 1977, superando os times da capital e encantando a cidade, que é referência em agroindústria, de mais de 220 mil habitantes.

Relembre: Acervo traz a Chapecoense campeã catarinense de 1977
Time da Chapecoense campeão do Catarinense, em 1977. Fonte: Arquivo Victor Zolet

No início do século XXI, a Chapecoense passou por uma sequência de resultados ruins e por uma crise financeira, que quase levou a instituição à falência. A diretoria, diante dessa situação, considerou até fechar as portas do clube. A reviravolta começou em 2005, quando um grupo de empresários de Chapecó se uniu, de modo a quitar as dívidas do clube. Essa ação mudou a história do clube alviverde, reacendendo o espírito vencedor. Logo depois, em 2007, o time venceu o Catarinense pela terceira vez e, em 2009, garantiu o vice-campeonato, se classificando para a tão sonhada Série D.

Assim, a Chape mudou de patamar. Com essa ascensão da equipe, perceberam a necessidade de ter um estádio mais moderno. Nesse mesmo ano de 2009, o antigo Estádio Regional Índio Condá foi remodelado, expandido e teve seu nome alterado para Arena Condá. A nova casa da Chape ficou linda, se tornando palco de jogos memoráveis, de místicas e de lindas festas dos torcedores.

A equipe fez uma ótima competição, com o forte apoio da torcida. Dessa maneira, chegou às fases finais e garantiu o acesso à Série C. A partir daí, o Verdão do Oeste não parou mais de crescer. Em 2010, após três anos de passagem na terceira divisão do Brasileirão, a equipe subiu para a segunda divisão. Logo no ano seguinte, avançou mais um degrau, de maneira inesperada, chegando à elite do futebol brasileiro. Por ter superado diversos times tradicionais, a Chape foi considerada zebra por muitos amantes da modalidade. O futebol catarinense avançava! Além da Chape, outros times, como Criciúma, Avaí, Figueirense e Joinville estavam entre as primeiras divisões do maior campeonato nacional de pontos corridos.

No primeiro ano de competição, a Chape cumpriu seu objetivo e conseguiu se firmar na elite do futebol até 2019, sendo cada vez mais reconhecida por todo o Brasil. Se classificou quatro vezes para a Sul-Americana, a segunda competição continental de maior visibilidade. Dessa forma, expandiu sua imagem na América Latina, ganhando a simpatia de muitos.

A Chapecoense marcou história com a classificação inédita na final da Copa Sul-Americana, em 2016. Com a presença de 17.569 torcedores na Arena Condá, o jogo da semifinal, contra o San Lorenzo, da Argentina, foi bem tenso. O goleiro Danilo salvou a equipe diversas vezes e, com uma grande defesa, garantiu a classificação no último minuto, mantendo o placar de 0 a 0, bem como o sonho do título. Essa vitória deu a chance de, pela primeira vez, um time catarinense disputar um título internacional. Foi uma noite insana para os torcedores, jogadores, dirigentes da Chape e demais profissionais envolvidos. A Chape estava prestes a viver o momento mais glorioso de toda sua história, com a disputa de sua primeira final em uma competição continental, contra o Atlético Nacional, de Medellín, da Colômbia.

Danilo para Martín Cauteruccio, do San Lorenzo, no jogo que colocou a Chapecoense na final da Sul-Americana
Defesa salvadora do Danilo no final do jogo, garantindo a Chape na final! Foto: autor desconhecido

A viagem da equipe com seus dirigentes, comissão técnica e jornalistas aconteceu no dia 28 de novembro. A poucos minutos da aterrissagem, o grande acidente ocorreu, quando o avião colidiu com o monte conhecido como Cerro El Gordo, de 2.600 metros de altitude, gerando 71 mortes, de 77 passageiros. 

Chapecoense
Avião que transportava a equipe da Chapecoense cai na Colombia. Foto Cr Wilson Pardo ‏@Policiantioqui / Fotos Públicas

Quando à notícia chegou á cidade de Chapecó, em plena madrugada, os mais de 200 mil habitantes foram acordados em meio às contínuas informações chocantes, como um pesadelo. A cidade mergulhou na dor e no luto, se desmanchando em lágrimas. O sonho de uma conquista histórica se transformou em um sentimento inimaginável de angústia, sofrimento, desilusão e desespero. O mundo do futebol abraçou a Chapecoense. O “Força Chape” e “Vamos Chape” viraram mantras. Muitas pessoas passaram a adotar a equipe como uma espécie de segundo time.

Essa situação gerou comoção entre vários times e torcedores mundo afora, e com o Atlético Nacional, não foi diferente. O time abriu mão do título da Copa Sul-Americana de 2016, com o forte apoio de seus torcedores. Na hora marcada para a partida, que acabou não acontecendo por motivos óbvios, os torcedores se reuniram no estádio Atanasio Girardot, fazendo uma linda homenagem à equipe brasileira. Já na Arena Condá, lotada, simultaneamente, eram ouvidos gritos carregados de emoção, cantando o hino do clube e de : “É campeão!”. A emoção foi contagiante e registros das belas cenas foram reproduzidas em todo o mundo.

O prefeito de Chapecó, Luciano Buligon, vestiu a camisa do Atlético Nacional na hora de sua fala. Ele agradeceu emocionado todos os apoios recebidos pelo povo colombiano e, principalmente, os torcedores deste maior de Medelín, após o acidente.

‘’Deus também tem o direito de chorar. Por isso chove tanto na terra de Condá. Preciso reconhecer, antes de nada, que a Colômbia fez com que nos aproximássemos de forma a não mais se esquecer. Só por competência de todos eles, colombianos, que temos seis sobreviventes desse trágico acidente. Muito obrigado, povo da Colômbia. Vocês sempre estarão nos nossos corações. Essa equipe não é mais de Chapecó. É do mundo.’’

A aeronave da delegação da Chape se acidentou na colina que pertence à cidade de La Unión, em tradução para o português “A União”. O “acidente’’ realmente causou comoção e união por toda parte. Vários clubes adotaram o tradicional ‘’um minuto de silêncio’’ antes do início de suas partidas e colocaram o brasão da Chapecoense em seus uniformes, assim como usuários das mídias sociais. Monumentos históricos também homenagearam a equipe, exibindo a cor verde. O mundo se coloriu de verde e branco, comovendo centenas de pessoas. 

Atlético Mineiro Chapecoense
A sede do Atlético foi iluminada de verde em homenagem a equipe da Chapecoense. Foto: Bruno Cantini / Atlético
Chapecoense Palácio do Planalto
Congresso Nacional ganha iluminação verde e branca em referência ao acidente aéreo com a equipe do Chapecoense. Foto: Leonardo Sá/Agência Senado

Com o passar dos dias, a Aeronáutica Civil da Colômbia constatou que a falta de organização, de combustível e de planejamento provocaram a queda do avião da companhia aérea LaMia, que levava a delegação da Chape e os jornalistas para a Colômbia. A queda poderia ter sido evitada! A companhia LaMia atravessava uma difícil fase financeira, atrasava salários e descumpria diversas regras referentes à segurança dos passageiros e dos pilotos. Pelo que foi apurado, houve uma série de imprudências que resultaram nessa tragédia.

Os quatro sobreviventes brasileiros foram: Hélio Hermito Zampier Neto, Jackson Follmann, Rafael Henzel e Alan Ruschel. A situação que mais preocupava, logo após o acidente, era a do zagueiro Neto, último resgate feito com vida. O goleiro Follmann já tinha tido uma das pernas amputada e corria o risco de perder a outra, felizmente não foi preciso. O jornalista Rafael Henzel apresentava múltiplas fraturas de costelas e tinha um quadro de pneumonia para ser revertido (Falecimento: 26 de março de 2019). O lateral-esquerdo Alan Ruschel, primeiro sobrevivente a ser resgatado, apresentava evoluções em seu quadro. Os atletas permaneceram internados na Colômbia, por duas semanas, até terem condições seguras de retornar ao Brasil. Ximena Suárez, auxiliar de voo, boliviana, e Erwin Tumiri, técnico da aeronave, também boliviano, foram os outros dois sobreviventes da catástrofe.

Da esq. para dir., em sentido horário: Alan Ruschel, Erwin Tumiri, Neto, Rafael Henzel, Ximena Suárez e Jackson Follmann - Divulgação
Da esq. para dir., em sentido horário: Alan Ruschel, Erwin Tumiri, Neto, Rafael Henzel, Ximena Suárez e Jackson Follmann. Fonte: Divulgação

A Incrível Recuperação

O crescimento dos sócios contribuintes quase triplicou e os números nas redes sociais dispararam, em um aumento de mais de 620%, ultrapassando times gigantes no cenário nacional, como Galo e Inter. Era o momento de reconstruir o time, para isso mais do que nunca,  foi necessário o apoio e o espírito coletivo de muitos. O minuto 71 do jogo, se tornou especial na Arena Condá. Em todas as partidas do time, o tradicional grito de “Vamo vamo Chape”, para homenagear as vítimas do acidente aéreo, foi ecoado por todo o estádio.

Vários times ofereceram atletas de seu elenco, por empréstimo e sem custos. Outras equipes, de série A, enviaram um ofício à CBF propondo uma absolvição de três anos sem rebaixamento ao time de Chapecó, que o próprio time catarinense acabou recusando. Esse desastre ficou marcado pela solidariedade! O individualismo, o egoísmo, a rivalidade e o clubismo ficaram em segundo plano, pois as pessoas compreenderam que nesse momento tão difícil vivido pela Chapecoense, o afeto e a união deveria tomar conta.

Manter a esperança como combustível de mobilização, o reconhecimento do outro em sua alteridade é algo essencial, em momentos de pessimismo, tristeza e angústia. A partir daí, podemos encontrar caminhos possíveis para fortalecer vínculos e a sensibilidade dentro da coletividade.

A Chapecoense teve de ser forte e se reconstruir. Outros times passaram por situações dramáticas semelhantes, por exemplo, o Torino da Itália. O apoio das outras equipes e dos torcedores foram fundamentais para essa reformulação da equipe, que teve que modificar praticamente o elenco inteiro.

No ano seguinte, se sagrou campeão do Campeonato Catarinense e conseguiu permanecer na divisão principal até 2019, no qual teve o seu primeiro rebaixamento, de sua linda história, confirmado. Em 2021, a Chape, fazendo jus à sua fama, deu mais uma volta por cima. Na bacia das almas, conquistou o primeiro título nacional da equipe, como campeão da Segunda Divisão, com um gol de pênalti de Anselmo Ramon, no último minuto da partida, contra o Confiança.

Chapecoense
Chapecoense campeã da Série B do Brasileirão 2020-2021. Foto: Reprodução CBF

Seu principal concorrente, nos pontos corridos, foi o América-MG, que venceu a sua partida. No entanto, devido ao gol no final do jogo da Chape, deixaram de conquistar o título. O presidente americano Marcus Salum, tido como chorão pelos mineiros, apareceu na mídia para contestar a arbitragem e o título do alviverde de Chapecó. Dessa vez, realmente, ele teve razão, visto que sua equipe foi prejudicada, por algumas vezes, ao longo da competição. Salum, em mais uma polêmica, pediu aos torcedores do lado verde da capital Belo Horizonte para comemorarem, afinal na visão dele, o América foi o legítimo campeão da série B.

Os torcedores da Chape estão animados com a volta da equipe para a divisão principal do futebol nacional. Eles têm como maior objetivo a permanência na primeira divisão, ou quem sabe, mais uma classificação para a Copa Sul-Americana! É possível sonhar.

A garra, força, apoio e união são um belo exemplo de superação que  marca a trajetória da Chapecoense. O time e as vítimas do desastre jamais serão esquecidos! O clube ficará marcado para sempre nas mentes e na história do esporte mais apaixonante do mundo. 

Em homenagem às famílias e aos amigos, dedicamos essa música, juntamente com todo o nosso respeito e pesar:

‘’Quando bater a saudade

Olhe aqui pra cima

Sabe lá no céu aquela estrelinha

Que eu muitas vezes mostrei pra você

Hoje é minha morada

A minha casinha

Mesmo que de longe tão pequenininha

Ela brilha mais toda vez que te vê’’

 

Lista de mortos na tragédia aérea:

 

Jogadores

Goleiro: Danilo;

Laterais: Gimenez, Dener e Caramelo;

Zagueiros: Marcelo, Filipe Machado e Thiego; 

Volantes: Josimar, Gil, Sérgio Manoel e Matheus Biteco;

Meias: Cleber Santana e Arthur Maia;

Atacantes: Kempes, Ananias, Lucas Gomes, Tiaguinho, Bruno Rangel e Canela;

 

Comissão técnica

Anderson Boião – preparador de goleiros

Anderson Paixão – preparador físico

Adriano Wulff Bitencourt – chefe de segurança

Caio Júnior – treinador

Cezinha – fisiologista 

Chinho di Domenico – supervisor

Cleberson Fernando da Silva – assessor de Imprensa

Cocada – roupeiro

Duca – auxiliar técnico

Gilberto Pace Thomaz – assessor de Imprensa

Marcio Koury – médico

Pipe Grohs – analista de desempenho 

Rafael Gobbato – fisioterapeuta

Serginho – massagista

 

Dirigentes

Sandro Luiz Pallaoro – presidente da Chapecoense

Mauro Luiz Stumpf – diretor de futebol

Nilson Folle Junior – diretor financeiro

Decio Sebastião Burtet Filho – diretor administrativo

Jandir Bordignon – vice-presidente de marketing e patrimônio

Mauro Dal Bello – 3º vice-presidente do conselho deliberativo

Ricardo Philippi Porto – secretário do conselho deliberativo

Eduardo Luiz Preuss – gerente de futebol

Edir Félix De Marco – presidente do conselho consultivo

 

Jornalistas

Victorino Chermont – Fox

Lilacio Pereira Jr. – FoxRodrigo Santana Gonçalves – Fox

Deva Pascovicci – Fox

Mário Sérgio – Fox

Paulo Julio Clement – Fox

Guilherme Marques – TV Globo

Guilherme Van der Laars – TV Globo

Ari de Araújo Jr. – TV Globo

Laion Machado de Espíndula – GloboEsporte.com

Giovane Klein Victória – RBS

André Podiacki – RBS

Bruno Mauri da Silva – RBS

Djalma Araújo Neto – RBS

Gelson Galiotto – Rádio Super Condá

Edson Luiz Ebeliny – Rádio Super Condá

Fernando Schardong – Rádio Chapecó

Douglas Dorneles – Rádio Chapecó

Jacir Biavatti – Rádio Vang FM

Renan Agnolin – Rádio Oeste Capital

 

Convidados

Daví Barela Dávi – empresário 

Delfim Pádua Peixoto Filho – presidente da Federação Catarinense de Futebol

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

ANDRADE, Lucas; DUARTE, Raíssa. Chapecoense: uma incrível história de superação. Ludopédio, São Paulo, v. 143, n. 31, 2021.
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