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“Contra tudo e contra todas (os)” – A participação da Seleção Brasileira de Futebol Feminino na Copa América 2018

Wilian Luz 19 de maio de 2018

Sim, meus caros leitores e leitoras. Vocês leram bem. No mês de abril, findou-se mais uma Copa América de Futebol Feminino, realizada no Chile. Mas não te preocupa, até o fim deste texto não darei Spoilers de quem venceu o campeonato, mesmo parecendo estranhamente não usual padecer de noticias sobre futebol, no “País do Futebol”. Pensando bem, não é tão estranho assim. Eram Elas. Então, se eram Elas, não se pode estranhar, infelizmente. É quase um garimpo encontrar na mídia uma nota mais destacada sobre seus dribles pelo Brasil e pelo mundo. Então, vou tentar ser sucinto e contar a vocês uma parte dessa história. Enquanto isso, continuem tentando descobrir quem foram as campeãs, caso o mistério continue.

A Copa América 2018, realizada no Chile, País conhecido mundialmente pela exportação de seus vinhos de excelente qualidade, recebeu dez das melhores seleções das Américas entre os dias 04 e 22 de Abril. Sim, de 2018. A menos de um mês. Várias foram as reportagens e jogos transmitidos neste período pela TV aberta. Mas tudo bem, sigamos o mistério.

A Seleção Brasileira, em busca do heptacampeonato, enfrentava – assim como ainda enfrenta – dias atribulados com relação a sua administração, tanto dentro quando fora de campo. Em setembro do ano passado, recebíamos a noticia da demissão da até então treinadora Emily Lima, contratada em novembro de 2016, com o objetivo de reformular a seleção com vistas a almejar uma grande participação na Copa do Mundo de 2019 na França. Os motivos, segundo o alto escalão da CBF, seriam “apenas” os maus resultados, em amistosos, digam-se de passagem. Este fato nos mostra que há muito mais coisas do que podemos imaginar por trás da demissão da primeira treinadora da Seleção Canarinha.

A notícia da demissão de Emily veiculada no site Correio 24 horas, da Bahia, no dia 22 de setembro de 2017 mostra em uma única reportagem, a dualidade de tons com relação ao fato. Enquanto é citado como motivo de demissão os maus resultados contra a Austrália mesmo com Marta e Cristiane em campo, fala-se que a treinadora foi a principal responsável por liderar a seleção na conquista do Torneio Internacional de Manaus, após vencer a Itália. Pensem comigo, porque interromper um trabalho a longo prazo, se este período era justamente para encontrar o melhor futebol da seleção dentro das suas potencialidades?

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Emily Lima. Foto: Fernanda Coimbra/CBF.

Pois bem, sigamos. Atrelado a isto, a recusa de algumas jogadoras a participar das convocações por conta deste caso com a ex-treinadora Emily Lima, colocavam em xeque a preparação das meninas para a Copa América. Não saberíamos com quem contaríamos para a disputa do certame. Uma das estrelas dos últimos anos, a atacante Cristiane, em entrevista ao Globosporte.com, afirmou que esta seria a decisão mais difícil da sua vida. Assim como outras atletas, estava abdicando de um sonho pessoal de todo profissional do esporte, que é defender sua seleção, para assim lutar por direitos e condutas mais igualitárias dentro do patriarcado institucionalizado dentro do futebol. Na mesma notícia, o eterno treinador da seleção feminina, Vadão, afirma que “as portas da seleção estarão sempre abertas”. Calma lá, cara pálida. Estas portas parecem estar abertas para aquelas pessoas que aceitam as condições que são impostas a elas, mesmo que não sejam as mais apropriadas ou corretas.

Finalmente, amigos e amigas, inicia-se a Copa. Como principal atrativo para as meninas, a classificação para a o Mundial de 2019, na França, e a vaga para as Olimpíadas em 2020, em Tóquio. A campeã e a vice garantem vaga no Mundial, enquanto a terceira colocada, ainda teria chances de chegar aos pés da Torre Eiffel por meio de uma repescagem contra o representante da Concacaf. Falando em Olimpíadas, as campeãs garantem vaga direta, enquanto as vice-campeãs enfrentam em repescagem uma das nações africanas.

Chegou a hora, Brasil! Não poderia ser diferente, nossa estreia foi contra nossas “hermanas”. Clássico pesado já de cara. Nada mal iniciar com um dos maiores clássicos futebolísticos interplanetários. Começamos com um 3×1 para cima delas, gols de Bia Zaneratto, Cristiane (após desistir da aposentadoria) e Debinha; Banini fez o gol de honra da seleção argentina. Claro, a grande mídia se fez presente e os noticiários esportivos destacaram o grande clássico. Tirando a parte do grande clássico, faço ressalvas a minha ironia midiática.

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Seleção feminina vence a Argentina no primeiro jogo da Copa América. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

A primeira fase da Copa América mostrou um Brasil imponente diante de suas adversárias de continente. Na segunda rodada, as amarelinhas não tomaram conhecimento da seleção equatoriana, aplicando um sonoro 8×0 com direito a show das meninas. O trabalho iniciado por Emily com um toque de Vadão, vinha dando frutos. Após não jogar na terceira rodada, o bom futebol continuou sendo apresentado de maneira contundente na quarta rodada. O 4×0 na Venezuela evidenciava cada vez mais o Brasil como candidato a vaga no Mundial e nas Olimpíadas. Na última rodada da primeira fase, um 7×0 diante das Bolivianas credenciou a classificação para o quadrangular final.

Com uma campanha de luxo após quatro vitórias em quatro jogos, juntaram-se ao Brasil: Chile, Argentina e Colômbia. As hermanas já haviam sido derrotadas na primeira fase. Bastava medir forças contra as Chilenas e as Colombianas, estas, as grandes adversárias das brasileiras no torneio. Agora vem a parte interessante, em três partidas: Brasil 3×1 Chile, Brasil 3×0 Argentina e Brasil 3×0 Colômbia. O que isso quer dizer? Alguém sabe? Sim. Brasil heptacampeão da Copa América de Futebol Feminino, com sobras. Com show. Com humildade. Com suor. Com dedicação. Com superação.

Após o titulo, em entrevista para o site O Dia, no dia 23 de abril, Vadão afirmou que viu o Brasil colher frutos da seleção permanente, onde algumas jogadoras preparavam-se desde janeiro para a disputa da competição. Em diversos pontos da entrevista, enaltece a CBF pelos seus feitos, independente de quais, para manter a seleção de futebol no patamar das grandes seleções mesmo sem apoio governamental. Em nenhum momento o trabalho de Emily Lima, ou o posicionamento das jogadoras com relação à entidade foi citado pelo treinador brasileiro.

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Vadão passa instruções durante a final contra a Argentina. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Para o Jornal O Povo online, dia 25 de Abril, Vadão afirmou que resgatou a tática das Olimpíadas de 2016 para ter sucesso na seleção novamente, após assumir a seleção “em cima” dos compromissos com a Copa América. Com relação a Emily e a CBF, apenas afirmou que “não sabia se havia mudado algo (em relação ao trabalho da Emily), e que não iria analisar o trabalho de quem estava”. Vadão não é o problema e não vai ser. Apesar de ser um dos preferidos da CBF por diversos motivos, ele também luta pelas melhorias do futebol feminino. Ele vivencia a realidade destas meninas como poucos. As pessoas por trás deste cenário é que me preocupam.

Falei. Sem Spoilers até aqui. Em um País que a cirurgia do dedinho do pé do Neymar ganha mais notoriedade no mundo esportivo do que uma conquista gigante, linda e com todos os méritos destas meninas guerreiras, com certeza algo de errado não está certo. Em um esporte gerido por uma instituição que claramente não vê espaço para as mulheres e mesmo assim nada é feito, algo de errado continua não estando certo. Em um lugar que ainda encontramos o machismo como ponto inicial de discussão, percebemos que não é só o futebol que precisa de mudanças, mas sim a sociedade que precisa de um empurrão em busca da igualdade, de direitos iguais e de visibilidade, seja dentro ou fora de campo. Parabéns meninas pelo baita título! Que venha, o Mundial, que venha as Olimpíadas. Eu estarei com vocês até o fim.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Wilian Luz

Gaúcho, 26 anos. Estudante de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista de Iniciação Científica do Centro de Memória do Esporte ESEFID/UFRGS.

Como citar

LUZ, Wilian. “Contra tudo e contra todas (os)” – A participação da Seleção Brasileira de Futebol Feminino na Copa América 2018. Ludopédio, São Paulo, v. 107, n. 19, 2018.
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