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CR7, o virtuoso agora reconhecido

José Carlos Marques 13 de abril de 2018

Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro, mais conhecido como Cristiano Ronaldo ou simplesmente como CR7, nasceu na Ilha da Madeira (território português) a 5 de fevereiro de 1985. Iniciou sua carreira nas categorias de base do Clube de Futebol Andorinha de Santo António e, com 10 anos, foi levado para o Clube Desportivo Nacional, agremiação em que ele viria a despertar o interesse do Sporting Clube de Portugal. Alinhou por apenas duas temporadas no emblema lisboeta, pois logo chamou a atenção dos ingleses do Manchester United, para onde se transferiu em 2003, com 18 anos. Em 2009, ocorre nova transferência – desta vez para o Real Madrid da Espanha –, quando se contabilizou o maior valor já pago por um atleta até então: 94 milhões de euros.

Na seleção portuguesa, Cristiano Ronaldo estreou-se como titular já em 2004, durante o Campeonato Europeu disputado em Portugal, chegando ao vice-campeonato e tendo marcado dois gols ao longo dessa competição. Ainda pela seleção dos Tugas, passou a assumir certo protagonismo logo em 2006, na Copa do Mundo da Alemanha, quando foi determinante para levar a equipe a disputar uma semifinal diante da França (perdeu por 1 x 0 e depois ficou com a quarta colocação). Com Portugal, sua maior proeza foi o título inédito da Eurocopa em 2016, em final histórica contra a França.

Cristiano Ronaldo, com a camisa de Portugal, comemorando gol contra a Nova Zelândia (24 de junho de 2014)
Cristiano Ronaldo, com a camisa de Portugal, comemorando gol contra a Nova Zelândia (24 de junho de 2014). Foto: Кирилл Венедиктов (CC BY-SA 3.0).

O início do auge de sua carreira aconteceria já em 2008, quando foi eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA (Fédération International de Football Association) e quando se sagrou campeão da Liga dos Campeões com o Manchester United. Nesse mesmo ano, foi eleito ainda o melhor jogador do mundo pela revista britânica World Soccer e venceu o Ballon d’Or (Bola de Ouro) concedido pela revista francesa France Football. Depois disso, CR7 alcançou ainda outros inúmeros recordes e marcas (e não me arriscaria a listá-los todos aqui). De todo modo, cabe referir que ele amealhou até agora cinco prêmios de melhor do mundo pela FIFA, igualando marca do argentino Lionel Messi.

Paralelamente a uma carreira extremamente exitosa, Cristiano Ronaldo cultivou também, voluntária ou involuntariamente, uma imagem de jogador por vezes arrogante, excessivamente vaidoso e egocêntrico, incapaz de compartilhar coletivamente com seus colegas os triunfos da equipe. Não é raro vê-lo comemorar de maneira pouco efusiva os gols dos colegas de time e de desesperar-se diante de uma falha dos próprios colegas. Durante praticamente uma década essa foi a narrativa que perpassou a carreira de CR7, especialmente no Manchester United e no Real Madrid. Três episódios de jogo (para além das vezes em que se comentou que ele ficava se “auto-admirando” nas imagens dos telões do estádio) são ilustrativos dessa visão menos positiva do craque.

Primeiramente, temos o caso do Mundial da Alemanha de 2006. No dia 1º de julho de 2006, Portugal e Inglaterra enfrentavam-se em Gelsenkirchen pelas quartas-de-final do torneio. Aos 62 minutos de partida, o inglês Wayne Rooney disputa uma bola de maneira mais ríspida com o zagueiro português Ricardo Carvalho e atinge-o na região pubiana com o pé. Cristiano Ronaldo dirige-se ao árbitro do encontro, o argentino Horacio Elizondo, e manifesta efusivamente sua indignação com o lance. Motivado ou não pela reação do português, o árbitro acaba por exibir o cartão vermelho a Wayne Rooney.

A partida fica interrompida por alguns minutos, até que Ricardo Carvalho pudesse ser atendido. É quando as câmeras de televisão captam Cristiano Ronaldo, em close, dirigindo-se para a lateral do gramado e efetuando uma piscadela – possivelmente para alguém de sua comissão técnica. Embora o ato da piscadela pudesse representar apenas uma concordância do jogador com alguma orientação que lhe fora passada por seu técnico – o brasileiro Luiz Felipe Scolari –, a imagem foi lida pelo público como uma artimanha do jogador luso, ou uma confissão de que ele, de fato, havia coagido o árbitro a expulsar o jogador inglês.

Em 7 de novembro de 2010, Cristiano protagonizou um lance curioso no derby de Madri entre o Atlético e o Real, pelo Campeonato Espanhol. Já nos acréscimos da partida – e com o Real vencendo o jogo por 2 a 0 no campo do adversário – o atleta português recebe a bola rebatida pelo goleiro adversário na extremidade do campo e efetua um inusitado passe com as costas para Alonso, seu companheiro de equipe.

Raúl García, zagueiro do Atlético de Madri, não aprova a atitude do português e incita uma discussão áspera, alegando que Ronaldo não teria coragem de efetuar tal jogada se a partida estivesse empatada sem gols. Os dois atletas trocam algumas palavras mais ríspidas – e o lance é entendido pelos jogadores do Atlético como uma provocação, uma falta de respeito e de fair play, ainda mais pelo fato de a partida estar sendo realizada nos domínios do Atlético de Madrid.

Já no dia 21 de abril de 2012, Cristiano Ronaldo volta a protagonizar novo lance que levantou polêmica na partida Barcelona 1 x 2 Real Madrid, pelo Campeonato Espanhol. O time catalão havia empatado o jogo em seu campo, mas pouco tempo depois, aos 72 minutos, Cristiano Ronaldo arrancou pela direta do ataque e fez o segundo gol de sua equipe – gol que selou a vitória e que determinou uma confortável vantagem de pontos sobre o rival, acabando por garantir o título da Liga Espanhola para a equipe madrilenha. Após anotar o segundo gol para o Real, Ronaldo dirige-se para o público barcelonista e repete seguidas vezes a frase “- Calma!”, a qual é acompanhada por um correlato gesto com a mão direita. O ato foi mais uma vez interpretado como insolente e provocador com o público catalão, uma vez que a partida realizava-se no campo do Barcelona.

De lá para cá, dois processos convergentes têm caracterizado a carreira de CR7: seu amadurecimento como jogador (Cristiano Ronaldo tem reinventado seu posicionamento tático e sua forma de atuar no ataque); e a aceitação que ele vem tendo, de forma maciça, por parte expressiva da imprensa e do público brasileiros. Se antes o jogador era tido como “marrento” e “enjoado”, ultimamente tem sido referido como “craque”, “gênio”, “fora-de-série” – e até sendo igualado a Messi, algo incomum anos atrás.

Cristiano Ronaldo apresentando a Bola de Ouro para a Torcida do Real Madrid (2014)
Cristiano Ronaldo apresentando a Bola de Ouro para a Torcida do Real Madrid (2014). Foto: Anish Morarji (CC BY-NC 2.0).

As duas conquistas seguidas do prêmio de Melhor do Mundo nos dois últimos anos parecem ter galvanizado a carreira de CR7 a outro patamar. O gol espetacular de bicicleta marcado em Turim contra a Juventus pelas quartas-de-final da Liga dos Campeões de 2018 no início do mês de abril, ao lado de inúmeros outros gols espetaculares nas últimas semanas, já foram capazes de quebrar a barreira que a imprensa e público no Brasil tinham com relação ao jogador, pesando em suas costas, ademais, o fato de ser português, isto é, o de representar o ex-colonizador do Brasil.

Cristiano Ronaldo não precisa provar mais nada. Episódios de falta de fair play como os citados anteriormente não têm mais lugar na forma de atuar do craque, que já marcou indelevelmente seu nome como um dos maiores da história, num seleto clube de virtuosos que dispõe de poucos assentos. E em vez de contrapormos a todo tempo entre si os talentos de Messi e CR7 – ou de realizarmos as inomináveis comparações entre os dois e o insubstituível Pelé –, deveríamos simplesmente ficar felizes pelo fato de, a nosso tempo, sermos capazes de acompanhar, duas vezes por semana, as peripécias protagonizadas por este astro em campos de todo o mundo.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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José Carlos Marques

José Carlos Marques é Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp/Bauru) e integra o Departamento de Ciências Humanas da mesma instituição. É Livre-Docente em Comunicação e Esporte pela Unesp, Doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciou-se em Letras (Português Francês) pela Universidade de São Paulo. É autor do livro O futebol em Nelson Rodrigues (São Paulo, Educ/Fapesp, 2000) e de diversos artigos em que discute as relações entre comunicação e esporte. É líder do GECEF (Grupo de Estudos em Comunicação Esportiva e Futebol) e integrante do LUDENS (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e modalidades Lúdicas).

Como citar

MARQUES, José Carlos. CR7, o virtuoso agora reconhecido. Ludopédio, São Paulo, v. 106, n. 13, 2018.
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