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Da bola à urna — futebolistas e eleições

André Magalhães, Renan Dercoles 13 de março de 2021

Jogadores e dirigentes usam a popularidade dos campos para forjar uma carreira política institucional — quem poderia prever que o herói do tetracampeonato mundial estaria num debate pelo mais importante cargo executivo de um estado em frangalhos que tanto comemorou seus gols?

Da bola à urna
Arte: Rodrigo Lourenti.

Dos 12,4 milhões de eleitores do Rio de Janeiro, o último balanço de faixa etária do Tribunal Superior Eleitoral indica que 1,6 milhão, ou 13%, tem entre 16 e 24 anos — ou seja, nasceu de 1994 para cá. Eles podem escolher entre os candidatos ao governo estadual o nome de Romário de Souza Faria, não necessariamente a nostalgia da família na sala refletindo o sol do meio-dia no Rose Bowl, em Los Angeles, para o arrastado Brasil x Itália que foi explodir nos gritos de ‘É tetra!’ de Galvão Bueno e Pelé, mas sim a referência ao deputado federal eleito em 2010 que emendou uma cadeira no Senado em 2014 e agora busca o mais importante cargo executivo fluminense.

Ele não é o único, claro. Quem frequentou estádio de futebol em São Paulo nas últimas semanas, por exemplo, esbarrou com material de campanha do ex-atacante Luizão, que busca um lugar como deputado federal anos depois de defender os quatro grandes clubes paulistas e cinco eleições após ser campeão do mundo com a Seleção Brasileira, em 2002. Como eles, há vários.

O torcedor de futebol encontra no ídolo uma figura inspiradora. Seja o jogador responsável por um gol importante, algum ícone que defendeu as cores do mesmo clube por muito tempo, ou até mesmo um dirigente responsável por uma farta era de títulos. Esse ídolo é marcado como alguém que contribuiu com algum feito muito importante para a vida de quem frequenta a arquibancada ou não perde um jogo na TV, no rádio. Agora, imagine que esse ídolo impacta a vida do torcedor — e do não-torcedor — de alguma maneira, mesmo após o final da carreira. Enfim: relações entre futebol e a política não são nenhuma novidade. A grande diferença é que, nos últimos anos, houve uma aproximação maior a partir da entrada de personalidades do esporte na vida pública: não apenas cartolas, mas também ex-jogadores e até árbitros. Em época de eleições, surgem nomes famosos das quatro linhas buscando por algum cargo no Executivo ou no Legislativo.

Claro, tudo isso diante de uma atividade com exposição midiática enorme nos principais meios de comunicação. Se somadas as estimativas das duas maiores torcidas do Brasil, flamenguistas e corinthianos, de acordo com pesquisa L! Ibope de 2014, são 59,8 milhões pessoas. Dilma Rousseff, no mesmo ano, foi eleita presidenta da República com pouco mais de 54,5 milhões de votos. Para qualquer partido político, este número é bem atraente.

Por quê?

Para entender essa relação entre o futebol e o período eleitoral, em primeiro lugar é preciso entender qual a relação entre o esporte e a sociedade brasileira.

Segundo Euclides de Freitas Couto, professor do Programa de Mestrado em História pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e pesquisador na área da sociologia do esporte, o esporte representa o espaço do lazer. “O futebol cumpre um papel social importante, ao meu ver, que é o do lazer, da sociabilidade. De ser essa válvula de escape, de possibilitar que as pessoas dramatizem suas agressividades no momento e espaço adequado e num tempo limitado. Quantas pessoas a gente não conhece na vida em função do futebol? Seja praticando, nos circuitos clubísticos, estudando, enfim. Ele cumpre um papel muito importante”, explica.

Zé Carlos
Zé Carlos, lateral da Copa de 98. Crédito: Reprodução vídeo de campanha.

Diante desse cenário de sociabilidade, surge um outro fator muito relevante: a torcida e o clubismo — nesse caso, significando a ideia de identificação com um clube, e não a de imparcialidade. “Eu gosto muito da leitura de um antropólogo do Rio Grande do Sul chamado Arlei Damo. Ele diz que o futebol promove, através do clubismo e da filiação clubística, o que ele chama de pertencimento clubístico, uma rede de integração social muito interessante”, comenta Euclides. No caso, torcer para alguma equipe significa fazer parte de um grupo que acolhe diferentes camadas de uma sociedade, com um ponto de interesse em comum.

Se o futebol é uma representação da sociedade, a maneira de abordar a esfera política dentro dele não é muito diferente de como é feito fora. O brasileiro, de uma forma geral, não é tão interessado nessa área. Uma pesquisa feita pelo Ibope, divulgada em agosto, aponta que 61% dos brasileiros não possuem interesse ou disseram ter “pouco interesse” nas eleições gerais que se aproximam. No futebol, apesar de algumas manifestações individuais recentes principalmente ligadas ao candidato Jair Bolsonaro, líder das pesquisas neste mês de véspera de eleições presidenciais, o assunto ainda é pouco tratado abertamente. Tanto que assusta quando levado à tona, e isso permite algumas hipóteses para explicação.

Para Euclides Couto, possui relação com a configuração do esporte. “O futebol não é um espaço da política, a sua configuração como um fenômeno social não é configurada para ser um fenômeno político. Mas ele assume, obviamente, feições políticas em determinadas circunstâncias”, comenta. “E o jogador de futebol, como a maioria das classes trabalhadoras brasileiras, é despolitizado. Ou seja, o jogador de modo geral não é um ser politizado e que participa ativamente da vida política”.

O jornalista Breiller Pires, do El País, acredita que a falta de engajamento seja uma consequência da formação dos atletas. “Desde a formação nas categorias de base os jogadores são levados a acreditar que o único papel do atleta na sociedade é treinar e jogar. São desestimulados precocemente a se engajar em atividades que extrapolam as quatro linhas. Vide o modelo de educação implementado pelos clubes após a Lei Pelé. Obrigam atletas da base a estudar em escolas dentro de suas dependências, fazendo com que os garotos vivam numa bolha. Paulo André descreve precisamente a dinâmica em que dirigentes e empresários tratam jogadores como gado: “Treina, come e descansa”. Visto como mercadoria, o atleta de futebol abre mão dos estudos para se dedicar à promissora carreira com a bola, o que também acaba afetando sua formação como cidadão. “Esse mecanismo repressor e alienante inibe, entre outras coisas, a manifestação de suas preferências políticas”, avalia.

Uma postura comum entre jogadores é a de evitar entrar em assuntos polêmicos, o que já é visto com frequência em protocolares entrevistas pós-jogo. É normal e recomendado pelos clubes que os atletas não tenham tanta exposição. São poucos os que fogem deste padrão. E então, no fim das contas, fica o questionamento: se, enquanto ativos na carreira, atletas não se manifestam politicamente, o que os fazem entrar nesse ramo depois?

A exposição midiática é o grande trunfo dos personagens do futebol para entrarem na política, como diz Euclides. Além dos jogadores, existe a figura do cartola, que vai se apropriar desse trampolim midiático e dos torcedores. “É um capital político construído com torcedores, para se eleger. Minas Gerais é um caso emblemático: nós temos o Zezé Perrella, que é senador, e você tem o Alexandre Kalil, que se elegeu prefeito de Belo Horizonte na última eleição e que foi um presidente que ganhou a Libertadores com o Atlético-MG. Então o Kalil é Deus lá.”

Marcelinho Carioca
Marcelinho Carioca, dos maiores ídolos do Corinthians. Crédito: reprodução material de campanha.

Segundo Leonardo Barreto, analista político e Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), o que motiva a candidatura dos atletas é o capital político. “Capital político é aquilo que te confere alguma autoridade pra poder falar em nome de alguém”, descreve. “Aqui em Brasília a gente vai ter agora uma candidata ao Senado que é a Leila, do vôlei. Ela usou um capital que conquistou enquanto jogadora e depois enquanto comentarista de TV para transferi-lo do âmbito da mídia e do esporte para o âmbito político. A mesma coisa acontece com jogadores de futebol. Eles conseguem uma certa popularidade, um reconhecimento, e tentam transformar esse reconhecimento em capital político”, completa.

Geralmente não existe um planejamento dos candidatos em potencial para entrar na vida pública, mas sim um interesse dos partidos em se aproveitar dessa fama. Os partidos mais fracos não possuem uma identificação ideológica clara e buscam uma referência. Um fenômeno que também beneficia dirigentes, sobretudo numa época de polarização em que, cada vez mais, eleitores se comportam como torcedores. “Daí observamos a ascensão de figuras como Andrés Sanchez, Alexandre Kalil, Zezé Perrella, Eurico Miranda e, mais recentemente, Eduardo Bandeira de Mello, todos se aproveitando da paixão irracional pelo futebol, somada à descrença com políticos, para angariar votos e se enveredar pela vida pública, ainda que não manifestem preferência sobre qualquer vertente ideológica.”, acrescenta Breiller Pires.

É muito vantajoso lançar um candidato com imagem construída. Leonardo Barreto cita o caso de Brasília: “Eu estudei a câmara distrital. Aqui, políticos novatos normalmente ganham mandatos depois da sua terceira eleição. Porque precisam se fazer conhecidos, criar uma personalidade política”.

“Esporte mais popular do Brasil, o futebol é um reflexo primoroso de nossa sociedade. O conservadorismo com traços de machismo que impera no meio não é muito diferente do comportamento do cidadão médio brasileiro. Jogadores tendem a reproduzir as atitudes de ‘pessoas comuns’, embora suas façanhas e deslizes repercutam em maior escala. Se nem mesmo as elites econômicas do país demonstram uma conduta politizada e comprometida com a cidadania no dia a dia, não há como esperar que a classe dos atletas seja um organismo à parte nesse sistema”, finaliza Breiller.

2018: Outsiders

Com mais uma eleição no horizonte, o time de ex-jogadores que pleiteiam algum cargo público já está bem escalado. De fato, é possível nomear ao menos 11 pessoas que concorrem aos cargos de Deputado Federal, Deputado Estadual e Governador. Dessa vez, influenciados pela crise de representatividade na qual vive o País, a maioria dos ingressantes possuem um aliado: o conceito de outsider. Ou “de fora”, traduzindo ao português. O termo é utilizado para descrever aqueles que não possuem carreira em cargos públicos ou tragam alguma novidade com relação a candidatos com certa rodagem. Uma ideia de “novos ares” diante do padrão dos políticos estabelecidos.

“Hoje você tem um nível de rejeição muito forte ao discurso político tradicional”, explica o analista político Leonardo Barreto. “E essas pessoas aparecem muitas vezes com uma linguagem diferente, são admiradas, podem usar essa percepção de não ser da política. Conseguem diminuir o peso da rejeição que hoje existe contra os políticos”.

Essa rejeição à figura política é fácil de ser notada nas campanhas eleitorais. Zé Carlos, ex-lateral direito presente no elenco da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1998, na França, é candidato pela primeira vez ao cargo de Deputado Estadual em São Paulo, pelo Partido da República. Além de ser identificado como “Zé Carlos — Jogador” em sua candidatura para o Tribunal Superior Eleitoral, seu material de campanha utiliza o slogan “Nunca foi político, é honesto, tem boas propostas e é da nossa região”, ao lado de uma foto do candidato vestindo a camisa da Seleção, fora da comum combinação de terno e camisa social.

“Por que eu estou saindo do esporte pra entrar na política? Esse é um cuidado legal. Porque se o eleitor perceber que aquele atleta está indo só porque quer arrumar um emprego, talvez não tenha tanto sucesso. Agora, se o atleta consegue conectar, criar essa necessidade de ter um mandato, isso pode ser importante. Se conseguir fazer isso de forma competente, fazer essa transição, aí tem uma chance maior de sucesso”, destaca Barreto.

Escalação

Para as eleições de 2018, são 200 pedidos de candidatura para Governador, 8.536 para Deputado Federal, 17.855 para Deputado estadual e 974 pedidos para Deputado Distrital. Com exceção do cargo de Deputado Distrital, em todos os cargos houve aumento de candidaturas comparadas com as eleições gerais de 2014. Para Deputado Federal, por exemplo, houve uma alta de 19% comparada às 7.137 candidaturas.

Em meio a esse crescente número de concorrentes a um cargo, nomes vindos do futebol são identificáveis. Alguns tentam começar na nova carreira, enquanto outros buscam a reeleição ou até mesmo o número de votos maior do que o insuficiente em 2014.

Separamos alguns deles nesse infográfico:

 

Interessante notar que, entre os nomes da foto acima, todos os candidatos concorrem em estados com maior população no Brasil e, consequentemente, maior número de cadeiras no Congresso (no caso dos Deputados Federais): São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná.

As abordagens mais discretas ao futebol são feitas por candidatos que já atuam politicamente há mais tempo, casos de Romário, Deley, Bobô e João Leite. João Leite praticamente não menciona o futebol em seu material de campanha, visto que já é um parlamentar desde as eleições de 1998. Bobô tem uma aproximação mais discreta, apenas usando o slogan “É do time do povo”. Deley não menciona o esporte em suas fotos oficiais de campanha, e prefere se caracterizar em seu material como “É trabalhador, ficha limpa”, embora tenha postagens fazendo campanha próximo ao Maracanã em jogo do Fluminense. Já Romário faz uma breve menção no vídeo de capa de sua página, com fotos de toda a sua carreira como atleta e político.

Em seguida, são notáveis os candidatos que se apropriam fortemente da identificação com as cores e a torcida dos times em que se consagraram. São os casos de Danrlei, Paulo Rink e Ademir da Guia. Danrlei, mesmo buscando seu terceiro mandato como Deputado Federal, ainda mantém uma grande identificação com o Grêmio, utilizando as cores do Tricolor Gaúcho em seu material de campanha. Além disso, seu banner possui um desenho comemorando enquanto goleiro, e se classifica como “Gremista apaixonado” na biografia da rede social.

Paulo Rink utiliza as cores do Atlético Paranaense em sua identidade visual, inclusive no formato listrado da camisa do clube. O candidato ainda faz postagens com relação aos jogos do Furacão no Campeonato Brasileiro. Por fim, a foto promocional de Ademir da Guia conta até com o Allianz Parque, estádio do Palmeiras, no fundo, com o ex-jogador vestindo uma camisa retrô do clube.

Bebeto, Zé Carlos, Luizão e Marcelinho Carioca tratam o futebol de uma forma mais genérica. Bebeto, em seu vídeo de capa, chega a mostrar um trecho de sua famosa comemoração “embalando bebê” em 1994, em meio a fotos e vídeos da carreira. No material de campanha, ainda utiliza uma bola de futebol no lugar da letra “O”. Zé Carlos, como já mencionado antes, utiliza a alcunha de jogador no nome oficial e publica fotos fazendo campanha nas ruas vestindo camisas da Seleção Brasileira, na época em que atuava como lateral.

Marcelinho Carioca constantemente utiliza campos e bolas de futebol como plano de fundo de suas imagens de campanha, além do slogan “Vamos virar esse jogo”. Fotos de sua época como jogador também são usadas em contraponto com uma foto recente. Luizão, apesar de possuir destaque em diversos times do estado de São Paulo, também usa uma abordagem genérica com o futebol, usando artefatos como bola e uma camisa, além do uso de azul, verde e amarelo. O slogan do candidato é “Gols, trabalho, dedicação”. 

Ah, e ainda caberiam reservas, claro. Danrlei não é o único ex-goleiro do Grêmio concorrendo a um cargo de Deputado Federal no Rio Grande do Sul: Galatto, ou Goleiro Galatto na urna, é outro que tenta angariar votos dos tricolores gaúchos. Há também Sergio Araujo do Galo que, como diz o próprio nome, se apropria dos tempos de Atlético-MG, e Uh Fabiano, que não usa o nome mas sim o grito da torcida dos tempos de Internacional, e tentam um lugar como deputados estaduais respectivamente por Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

2014

No pleito geral de quatro anos atrás, mais de dez eleitos vieram do mundo do futebol. Dois senadores se juntaram ao já presente em 2010, Zezé Perrella (então PDT e agora MDB, que há oito anos herdou o lugar de Itamar Franco, morto meses depois das eleições), o ex-presidente e membro do conselho deliberativo do Cruzeiro que tem fortes ligações com Aécio Neves. São eles: Romário (então PSB e agora PODE), que cumpriu mandato de deputado federal de 2011 até 2014 e agora concorre ao governo do Rio de Janeiro; e Fernando Bezerra (MDB), ex-presidente do Santa Cruz que já havia sido eleito deputado estadual em 1982 e federal em 1986, além de ter sido Ministro da Integração Nacional do governo Dilma entre 2011 e 2013.

Nos deputados federais vindos da cancha, há figuras eleitas bem conhecidas, por exemplo os já citados Danrlei (PSD) e Deley (PTB — ocupa a Câmara desde 2002, apesar de ter assumido como suplente em 2011 ao não ser eleito em 2010), além de Andrés Sanchez (PT), o atual presidente do Corinthians e que não vai tentar a reeleição em 2018. Roberto Dinamite (MDB) não conseguiu ser reeleito para um sexto mandato consecutivo pelo partido em 2014, e desde então não assumiu mais cargos públicos.

Márcio Braga
Panfleto de Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo e Deputado Federal entre 1983 e 1991, convocando a torcida rubro-negra. Crédito: Leonardo Barreto.

No time de deputados estaduais, uma linha de ataque de respeito nos campos dos anos 1980 e 90. Bebeto (então SD e agora PODE), parceiro de Romário no tetra, foi reeleito para um segundo mandato e agora tenta o terceiro consecutivo; Bobô, ex-atacante de São Paulo, Corinthians e Bahia, foi eleito para um primeiro mandato pelo PCdoB da Bahia e tenta a reeleição em 2018; e Jardel (PSD), ex-artilheiro do Grêmio, acabou tendo o mandato cassado por unanimidade em 2016 após desvio de verbas públicas e envolvimento com o tráfico de drogas.

Se levarmos em conta o número de cadeiras na Câmara dos Deputados para definir o tamanho dos partidos no Brasil, geralmente as apostas em ex-atletas ou cartolas vem de partidos médios ou menores. No caso do MDB ou do PT, partidos com maior número de cadeiras no Congresso, as candidaturas acontecem após conexões pessoais dessas figuras e ocorre uma predominância dos cartolas ao invés dos jogadores. Eurico Miranda, já mencionado, e Márcio Braga, ex-presidente do Flamengo, são exemplos. Durante os mandatos nos clubes, os cartolas já participam da vida política e das articulações que podem ser vantajosas, ainda mais com a Copa do Mundo do Brasil em 2014.

Romário

O maior expoente dentre os personagens do futebol que entraram para a política é o candidato ao governo do Rio de Janeiro, Romário, dono de uma estátua em São Januário e do feito de ter marcado 1.002 gols na carreira (incluindo categorias de base e jogos festivos).

Segundo o analista político Leonardo Barreto, num primeiro momento houve uma forte crítica à entrada do ex-atleta na vida política por conta da sua imagem negativa extracampo. “Quando ele chegou em Brasília, o pessoal falava: Olha, o Rio de Janeiro vai ter problemas. Olha a dificuldade que a base parlamentar dele tem de eleger pessoas sem experiência”, cita.

Romário foi o sexto deputado federal mais votado no estado do Rio de Janeiro em 2010, sendo eleito pelo PSB. Em 2013, assumiu a Comissão de Turismo e Desporto da Câmara e a presidência estadual do partido, criando a partir desse momento uma sustentação para seus passos futuros. O ex-jogador “realmente abraça a vida pública”, como diz Leonardo, tirando proveito do seu passado no esporte para ocupar posições importantes.

Romário
Romário na Câmara dos Deputados. O Baixinho entrou na vida política de Brasília em 2010 e agora tenta um lugar no Governo do Rio. Crédito: José Cruz/ABr/Wikimedia.
 

Somente no final de seu mandato ele se afasta do futebol e se conecta com agendas mais sociais. A partir desse distanciamento, ele se posiciona como oposição aos políticos locais do Rio de Janeiro e utiliza sua própria imagem para fortalecer movimentos, como o combate à violência contra jovens negros.
 
Nessas bandeiras, ele começa a fomentar sua candidatura como candidato a senador em 2014. O jornalista Breiller Pires, do El País, exemplificou a carreira política de Romário: “Romário é um caso interessante. Reconhece que entrou na política por causa da fama construída no futebol, mas, na virada para senador, conseguiu construir um eleitorado que se sente representado por bandeiras que descobriu na Câmara, como a defesa dos direitos das pessoas com deficiência e o levante contra a bancada da CBF, em que pese suas próprias contradições. Ao mesmo tempo, por ser negro e ex-favelado, estende sua representatividade às parcelas mais pobres da população, ainda que sua atuação no Congresso não tenha sido muito generosa com políticas sociais.”
 
No Senado, Romário foge da ideia de outsider e começa a se posicionar pelas pautas de sua carreira política. Segundo Leonardo Barreto, ele não conta mais com o voto de quem acompanhou sua carreira de jogador, mas sim de quem segue as pautas de sua carreira política. Seu caso é comparável apenas ao de Pelé, quando foi ministro dos Esportes, mas nem o Rei do Futebol resolveu investir em um cargo eletivo para se tornar realmente um político profissional.

Um dos trunfos de Romário como candidato ao governo fluminense é se aproveitar da brecha deixada pelos “políticos antigos”, que quebraram o estado. Alguns dos antigos figurões, que esperaram longos anos para chegar aos maiores cargos, foram presos, casos de Jorge Picciani e Sérgio Cabral, ambos do MDB. “A força dele também é proporcional à fragilidade dos políticos do seu estado. Se você pega a política do Rio, ela está destroçada, e isso abriu um vazio. Então eu acho que isso é importante para explicar por que o Romário teve essa chance de poder se candidatar ao governo do estado.”, contextualiza Leonardo.

Aliás, a pesquisa do Ibope divulgada em 25 de setembro, a menos de duas semanas das eleições, mostra Eduardo Paes líder com 24% — antigo prefeito da cidade do Rio, trocou o MDB pelo DEM diante de fortes denúncias de corrupção. Romário apareceu em segundo, empatado com Garotinho (PRP), com 16%.

No ano passado, o ex-artilheiro trocou o PSB pelo Podemos (PODE), um dos diversos partidos que se apresentam como “uma nova forma de fazer política”. Romário vem encontrando espaços para continuar subindo de patamar em sua vida pública e vem mostrando que pegou gosto pela coisa.

Entrou como um dos diversos jogadores que foram convidados pela fama, mas logo se distanciou do padrão. Como diz o professor Euclides Couto, “a política institucional no Brasil transforma os cargos públicos em carreiras, que proporcionam uma grande possibilidade de ascensão econômica. Então a carreira política é uma carreira de ascensão econômica. Ou seja, são raras as pessoas que vão entrar na política, especialmente jogadores, que entram com intuito de contribuir com a democracia. A maioria são pessoas que tinham bons rendimentos com futebol, se aposentam e querem um complemento de renda”.

Portanto, é possível enxergar o fenômeno Romário de duas maneiras. A positiva, de um jogador de futebol que não cumpriu quatro anos de mandato apenas para ganhar um bom dinheiro e não contribuir com nada; e a negativa, de um personagem que se aproveitou de todas as brechas que conseguiu na crise política do país apenas para galgar passos maiores.

Não podemos deixar de lembrar que Romário votou a favor do Impeachment de Dilma Rousseff, e logo em seguida emplacou três aliados para cargos comissionados: na Secretaria da Pessoa com Deficiência e nas diretorias de Furnas e Eletronuclear.

De jogo, o Baixinho sempre entendeu.

A equipe de reportagem tentou entrar em contato com as assessorias de Danrlei e Romário, mas não obteve resposta.


Puntero Izquierdo menorPublicado originalmente no Puntero Izquierdo em 2018. O Puntero em parceria com o Ludopédio publica nesse espaço os textos originalmente divulgados em sua página do Medium.


Financiamento Coletivo Ludopédio

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Como citar

MAGALHãES, André; DERCOLES, Renan. Da bola à urna — futebolistas e eleições. Ludopédio, São Paulo, v. 141, n. 26, 2021.
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