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Como funcionam os direitos de transmissão do futebol brasileiro e o impacto disso para o torcedor

André Lux 2 de fevereiro de 2018

Todos os anos os clubes de futebol do Brasil recebem uma quantia para expor sua imagem e de seus jogadores em transmissões do Campeonato  Brasileiro na TV, são os chamados direitos de imagem e de transmissão. Os gastos das emissoras com os clubes, apesar de altos, são bancados por anúncios milionários durante os jogos, que possuem grande audiência. Os patrocinadores de 2017, por exemplo, foram o Banco Itaú, a Brahma, a Chevrolet, a Johnson & Johnson, a Ricardo Eletro e a Vivo. O valor oficial não foi divulgado, mas segundo apurações de jornalistas que cobrem assuntos de TV ou do mercado publicitário, cada uma das seis empresas teria pagado cerca de R$ 283 milhões para terem suas marcas veiculadas ao futebol brasileiro em 2017. As placas físicas que exibem as marcas nos estádios não estariam inclusas neste valor. Com elas, a negociação teria chegado a R$ 1,9 bilhão. No Jornal Nacional, a Rede Globo, que recebeu toda essa grana, definiu o acordo como “o maior projeto de comercialização do mercado publicitário brasileiro”.

Boa parte desse dinheiro é repassada aos clubes através da compra das cotas dos direitos de imagens e transmissão. Em 2017, a Globo pagou R$ 1,3 bilhão em cotas fixas, ou seja, sem incluir pay-per-view, para os clubes da série A. Desta verba, 50% foi apenas para cinco times. Foram R$ 170 milhões para Flamengo e Corinthians, R$ 110 milhões para o São Paulo e R$ 100 milhões para Palmeiras e Vasco. A outra metade foi dividida não equitativamente entre os outros 15 times. Quem menos recebeu foi a Chapecoense, a Ponte Preta, o Atlético-GO e o Avaí: R$ 23 milhões para cada. Estes valores todos ainda não incluem a divisão de outros R$ 500 milhões oriundos do serviço pay-per-view, o Premiere FC. A partilha desta quantia acontece de acordo com a audiência dos jogos das equipes e de uma pesquisa que afere quantos dos assinantes torcem para cada time — o que acentua a disparidade entre os valores recebidos pelos clubes, já que os de maior torcida receberão sempre mais.

O começo da parceria TV x futebol e os dias atuais

O futebol começou a ser explorado como um grande negócio pela televisão brasileira somente na década de 1980, quando a Rede Globo adquiriu com exclusividade a transmissão da Copa do Mundo de 1982 e obteve bons resultados na venda de cotas publicitárias – porém ainda com a concorrência do Grupo Record, que transmitia os jogos pela Rádio Record. Copa após Copa, a relação entre a televisão brasileira – especialmente a Rede Globo – e o futebol, cresceu. Desde a Copa de 2002, é exatamente a Globo que transmite o maior evento da FIFA com exclusividade na televisão aberta em território brasileiro.

Hoje, a transmissão das diversas competições do futebol nacional é dividida entre algumas emissoras. Nos canais fechados, SporTV, ESPN Brasil, FOX Sports e Esporte Interativo (EI) possuem direitos para transmitir algumas competições. Já na TV aberta, a Rede Globo é detentora de todos os direitos de transmissão, que desde 2016, quando a Rede Bandeirantes desistiu de adquirir parte destes direitos, não são repartidos com nenhuma outra emissora.

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Cerimônia de Abertura do Brasileirão 2017. Foto: Ricardo Stuckert/CBF.

Além destes canais, existe ainda uma terceira modalidade de transmissão das partidas, o modo Pay-Per-View (PPV). Neste modo, o espectador pode escolher entre pagar uma assinatura que dá acesso a todas as partidas transmitidas ou pagar avulso por uma partida que deseja assistir. Quem possui os direitos de transmissão por este sistema é o Premiere (PFC), também do grupo Globo. O PFC conta com oito canais em alta definição e transmite ao vivo todos os jogos do Campeonato Brasileiro. Os custos deste serviço variam de acordo com a operadora utilizada para contratá-lo, mas para fins de conhecimento, o plano de assinatura mais barato de um pacote de TV a cabo – que inclua o SporTV – na operadora NET, sai por R$ 139,90. Para contar com o Premiere FC, é preciso desembolsar mais R$ 64,90 mensais, totalizando um valor de R$ 204,80 no orçamento do assinante.

Assistir um jogo de futebol, hoje, no Brasil, não é para qualquer um. E não só por causa dos preços de ingressos, dos planos de sócio torcedor e das políticas de vendas destes ingressos, nem apenas por causa dos horários não convidativos ou do temor à violência que supostamente rodeia e adentra os estádios. Se não é fácil – e barato – assistir uma partida de primeira divisão de dentro do estádio, também não o é de fora dele. Mesmo à distância, pela televisão, é preciso desembolsar boas quantias para acompanhar fielmente o time do coração.

O impacto para o torcedor

Consideremos por exemplo um torcedor que resida em Santa Catarina e torça para um time que tenha disputado a série A do Campeonato Brasileiro de 2017. Consideremos também que ele não mora na cidade de seu time e não tenha condições financeiras de bancar viagens para acompanhá-lo de perto, restando assim apenas a transmissão televisiva como opção para assistir as partidas. Se este torcedor tem acesso apenas à TV aberta em sua casa, ele pôde assistir, no máximo, 13 das 38 partidas de seu time. E isso se ele for palmeirense, que em 2017 foi o melhor dos cenários neste quesito, porque se este for um torcedor dos menos prestigiados Avaí, Chapecoense, Coritiba ou Sport, então ele não pôde assistir a nenhuma partida do seu time no Campeonato Brasileiro 2017. Isso mesmo: zero. Afinal, nenhum jogo dessas equipes na principal competição nacional da temporada foi transmitido em canal aberto para o estado de Santa Catarina.

Para outras equipes, a realidade não é muito distante: Atlético-MG, Atlético-PR, Botafogo, Ponte Preta e Vitória tiveram apenas uma partida do Brasileirão 2017 transmitida para Santa Catarina em televisão aberta. Além do próprio Palmeiras (13 jogos), do campeão Corinthians (11 jogos), do Flamengo (7 jogos) e do Vasco (6 jogos), nenhuma equipe teve mais de cinco de suas 38 partidas na competição transmitidas pela Rede Globo para Santa Catarina.

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Palmeiras x Vasco da Gama – Abertura oficial do Brasileirão 2017. Foto: Ricardo Stuckert/CBF.

No Brasil todo, um torcedor que dependa da TV aberta para consumir futebol, pode assistir apenas um a cada dez jogos do Campeonato Brasileiro. Um por rodada. E ele não possui nem o direito de escolher qual jogo será. Esta escolha é, também, da emissora que detém exclusividade nos direitos de transmissão. Aqui, vale ressaltar que a televisão está presente em 97,1% dos 67 milhões de domicílios brasileiros e que destes apenas 32,1% contam com televisão por assinatura, segundos os dados mais recentes.

A forma monopolizadora como são geridos os direitos de transmissão do futebol brasileiro, hoje, são capazes de fazer com que um torcedor passe a temporada inteira sem ter a possibilidade de assistir um jogo sequer do time pelo qual torce.

Agora, imaginemos que este mesmo fã do futebol, morador do estado de Santa Catarina, tenha condições financeiras para possuir um pacote de canais por assinatura, que como já dissemos, não sai por menos de R$139,90 mensais. Se este pacote inclui o canal SporTV, do grupo Globo, este torcedor teve acesso a mais 66 jogos da Série A do Campeonato Brasileiro de 2017, já que o canal pode transmitir outras duas partidas de cada rodada. Somando todos os jogos da competição televisionados pela Rede Globo e pelo SporTV para Santa Catarina em 2017, o Palmeiras apareceu novamente como o mais prestigiado: foram 17 jogos ao todo – ainda sim, nem metade das partidas do time no campeonato. No outro lado da comparação, se o nosso torcedor hipotético for fã da Ponte Preta, isso significa que ele pôde assistir apenas três partidas de seu time no Brasileirão 2017, mesmo pagando por uma TV por assinatura. Em todas as outras 35, ele teve que se contentar em acompanhar os lances pela internet, ouvir a partida pelo rádio ou assistir os melhores momentos após o jogo.

Partidas transmitidas para Santa Catarina no Campeonato Brasileiro 2017, por time:

Rede GloboSporTV
Palmeiras13Grêmio12
Corinthians11Coritiba11
Flamengo7Santos11
Vasco6Botafogo11
Fluminense5Fluminense10
Santos4Bahia9
Cruzeiro4Cruzeiro9
São Paulo3Vasco9
Atlético-GO2Sport7
Bahia2Vitória7
Grêmio2Atlético-GO6
Atlético-MG1Atlético-MG6
Atlético-PR1Atlético-PR5
Botafogo1São Paulo4
Ponte Preta1Palmeiras4
Vitória1Avaí3
Avaí0Chapecoense3
Chapecoense0Flamengo2
Coritiba0Ponte Preta2
Sport0Corinthians1

(Fonte: levantamento do autor)

E por último, se este torcedor teve condições e escolheu contratar um pacote de Pay-Per-View, o Premiere FC, também do grupo Globosat, aí sim ele pôde assistir a todas as 380 partidas do Campeonato Brasileiro 2017, ao vivo. Esta opção, como já mencionamos, custa no mínimo cerca de R$ 200 mensais. Como nos estádios, o poder aquisitivo é claramente o que estabelece como e quanto o torcedor-consumidor poderá se relacionar com o futebol.

Recentemente conversei com uma amiga que me contou a situação do pai dela: idoso, morador de região rural em uma cidade no interior de Santa Catarina e gremista a vida toda. Como não tem condições de manter uma assinatura de TV à cabo e muito menos de viajar a Porto Alegre para ir ao estádio, ele não pôde assistir a campanha do Grêmio na Libertadores 2017, com exceção da grande final, que foi transmitida na TV aberta para sua região. Em todos os outros jogos, teve que acompanhar seu time com o ouvido grudado no rádio, como se estivesse nos anos 70.

Os clubes possuem diversas formas de obter receita: patrocínios, ingressos de partidas, transferências de jogadores, venda de artigos esportivos e premiações pelos resultados em campeonatos, por exemplo, mas a maior delas, muitas vezes, é mesmo a comercialização dos direitos de TV. Isso explica por que escolhem vender o poder de decisão acerca do horário das partidas e métodos de transmissão para uma emissora de televisão e ignorar os interesses do seu torcedor – aquele que pode ser transportado de volta para os anos 70 ou passar o ano todo sem conseguir assistir a um jogo sequer do seu time.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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André Lux

Periodista.

Como citar

LUX, André. Como funcionam os direitos de transmissão do futebol brasileiro e o impacto disso para o torcedor. Ludopédio, São Paulo, v. 104, n. 2, 2018.
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