70.6

Do futebol ao carnaval

Victor de Leonardo Figols 20 de abril de 2015

Com o crescimento da epidemia de ebola na parte ocidental do continente Africano, e faltando pouco menos de dois meses para começar a Copa Africana de Nação, o Marrocos desistiu de receber o evento. Diante do momento de instabilidade e indefinição, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, o ditador da Guiné Equatorial, viu mais uma vez a chance de usar a Copa Africana de Nação para se promover, não apenas em seu país, mais diante do todo o continente.

Teodoro Obiang subiu ao poder, em 1979, quando deu um golpe de estado em seu tio, Francisco Macías, que foi levado a julgamento e condenado a morte. De 1979 a 1982 o país viveu sem uma constituição, quando foi adotada pela premira vez apenas, em um processo em conjunto com a Organização das Nações Unidas (ONU) que deu amplos poderes ao ditador. Obiang é fundador e presidente do Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE), o mesmo partido que controla o país desde 1979, e que subiu ao poder, a partir de um golpe, prometendo um governo mais democrático e menos opressor.

Durante as eleições de 1982, Obiang foi eleito para um mandato de sete anos. Já em 1989, foi mais uma vez reeleito, sempre como candidato único. A primeira vez que o país teve mais de um partido concorrendo às eleições, desde que Obiang chegou ao poder, foi em 1996. O ditador ainda conseguiu ser reeleito em 2002 e 2009, sendo que todas as eleições foram consideradas fraudulentas por entidades internacionais.

Sob o comando da Obiang, a Guiné Equatorial é considerada um dos países mais antidemocráticos, com os maiores níveis de corrupção e mais opressores do mundo. Quase todos os acentos do parlamento pertencem ao PDGE, ou aos partidos ligados ao ditador. A imprensa não é livre em Guiné Equatorial, e quase todos os meios de comunicação pertencem ao estado, que utilizam para cultuar a imagem de Obiang. Desde 1979, opositores políticos ou foram mortos ou exilados.

Enquanto a população sofre com a opressão do Estado e com a miséria, o Obiang se tornou um dos chefes de estado mais ricos do mundo. Grande parte da economia do país provém do petróleo, uma vez que Guiné Equatorial se tornou um dos maiores produtores de petróleo da região subsaariana. Mesmo tendo um dos maiores PIB per capita do continente africano, o distribuição de renda é extremamente desigual.

Ilustração: Felipe de Leonardo – felipedeleonardo.com

Com dinheiro sobrando nos cofres, Obiang faz investimentos em propagandas de seu governo. O ditador gosta de promover o seu país diante dos olhos da África e do mundo, para isso utiliza o futebol e o carnaval.

Até 2011, o país não possuía uma liga nacional de futebol minimente organizada e estava em último lugar no ranking da FIFA, e mesmo assim se candidatou, em conjunto com o Gabão, para sediar a Copa Africana de Nações (CAN). O ditador não mediu esforços, e dinheiro, para organizar o evento. Com dois estádios para a CAN, a Guiné Equatorial gastou cerca de 105 milhões de dólares para reformar dois estádios. Um deles, o Nuevo Estadio de Malabo foi construído para a CAN de futebol feminino de 2008, e também serviu de sede para a CAN feminina de 2012. Nas duas ocasiões a Seleção Feminina da Guiné Equatorial foi campeã, todavia, vale lembra que para montar um time competitivo, a Federação de Futebol Feminino realizou uma naturalização em massa de jogadoras, das 23 jogadoras da seleção, nove são brasileiras, colocando em suspeita se as regras da FIFA para naturalização estavam sendo respeitadas.

Para montar a seleção masculina, a Guiné Equatorial seguiu a mesma lógica de naturalização. Antes da CAN de 2012, o país nunca havia participado da competição, e só conquistou o direito de disputar, pois era um dos países sede. Antes da estreia na competição, o filho de Obiang teria prometido mais de 1 milhão de euros para os jogadores, caso vencessem a Líbia. Mesmo jogando mal, a Guiné Equatorial venceu a Líbia por 1 a 0, com gol de Javier Balboa, que nasceu na Espanha e foi naturalizado.

No segundo jogo, os anfitriões enfrentaram uma seleção mais competitiva, a Seleção de Senegal, e conseguiram vencer por 2 a 1, mesmo sofrendo para conquista a vitória. No último jogo da fase de grupos, a Guine Equatorial perdeu de 1 a 0 para a Zâmbia, seleção que viria a ser campeã. A caminhada do país sede na competição acabou com uma derrota por 3 a 0 para a Costa do Marfim.

Para uma equipe que até pouco tempo não existia, a Seleção da Guiné Equatorial havia conquistado muito, mas talvez fosse diferente se o país não tivesse investido pesado no futebol. E as naturalizações que pareciam ser pontuais, se tornaram uma constante, ao ponto de montar uma seleção inteira sem jogadores nascidos na Guiné Equatorial. Em 2013, nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 2014, dos 22 jogadores convocados para o jogo contra a Seleção do Cabo Verdo, nenhum deles havia nascido no país, eram nove brasileiros, três colombianos, dois marfinenses, um nigeriano, um ganês, um cabo-verdiano e um liberiano, além de três que possuíam ascendência.

Mais uma vez, a naturalização em massa despertou a desconfiança da FIFA, que passou a investigar. O esquema funciona por indicações de empresários ao Ministro dos Esportes, Ruslán Obiang Nsue, que é filho do ditador, Teodoro Obiang, e tem como principal atrativo o dinheiro. Estima-se que, desde 2003, mais de 95 jogadores de futebol (da categoria masculina e feminina) de diferentes nacionalidades já vestiram a camisa da Guiné Equatorial, a maioria deles com suspeita de naturalizações fraudulentas.

Por usar jogadores de forma irregular, a Seleção da Guiné Equatorial foi desclassificada da fase eliminatória para a CAN 2015. Todavia, diante a renúncia do Marrocos como país sede, Teodoro Obiang viu mais uma vez que poderia usar o evento para mostrar para a África e para o mundo o seu governo. Às vésperas do evento, e pressionada, a Confederação Africana de Futebol (CAF) cedeu, a Obiang levou mais uma vez a CAN para o seu país. Com a mudança, a Guiné Equatorial ganhou uma vaga na CAN 2015, por ser o país sede.

O presidente da CAF, Issa Hayatou, chegou a dizer que: “Para aceitar organizar, com dois meses para o evento, uma competição dessas, você realmente tem que ser um africano de verdade”. A pressão foi tanta, que Obiang passou a ditar as suas regras até para os torcedores dos países vizinhos. Aqueles que queriam assistir os jogos da sua seleção só poderiam entrar na Guiné Equatorial com um ônibus organizados registrado pelo país, além disso, os visitantes teriam os passaportes retidos e devolvidos na volta. Segundo Obiang, a medida é para evitar a entrada de imigrantes em seu país.

O outro lado, a oposição ao governo do ditador divulgou uma nota dizendo para a população local não ir aos jogos, afirmando que o governo de Obiang usaria o evento para tornara a população ainda mais pobre e mais escravos. A oposição, que possuí apenas uma cadeira no parlamento, vem denunciando o governo por infringir os Direitos Humanos.

No jogo de abertura, a Guiné Equatorial empatou em 1 a 1 com o Congo, frustrando o ditador Obiang que estava presente no estádio. Enquanto isso, as arquibancadas seguiam com uma lotação modesta. No segundo jogo, a equipe da casa empatou mais uma vez, em 0 a 0, com a Burkina Faso. No último jogo, a Guiné Equatorial ganhou de 2 a 0 do Gabão, conquistando a vaga para as oitavas de final. Na fase eliminatória, a seleção anfitriã jogou contra a Tunísia. Em um jogo equilibrado, a Guiné Equatorial só passou para as quarta com a ajuda da arbitragem. Aos 48 de segundo tempo, a Tunísia seguia ganhando até o juiz marcar um pênalti inexistente, que foi convertido por Javier Balboa. O empate no tempo normal levou o jogo para prorrogação, e mais uma vez Javier Balboa marcou um gol, dessa vez de falta. Na fase seguinte, a Seleção de Gana venceu por 3 a 0 a Guiné Equatorial, colocando um fim na participação do país sede na CAN 2015.

Os esforços de Obiang para fazer propaganda de seu governo não se resume apenas no futebol, recentemente o ditador também financiou o samba-enredo da Beija-Flor de Nilópolis, do Rio de Janeiro. O ditador e seus filhos também apreciam o carnaval carioca, ao ponto de fazer uma doação de R$ 10 milhões para a escola de samba Beija-Flor. O patrocínio de 10 milhões de reais foi o maior de todo o carnaval carioca, superando em muito o patrocínio dos bicheiros, que há anos financiam o carnaval carioca. Enquanto Obiang gasta esse dinheiro, a população da Guiné Equatorial vive com menos de US$ 1 por dia.

Desfile da campeã Beija-Flor do carnaval de 2015. Foto: Fernando Maia – Riotur.

O samba-enredo da Beija-Flor foi “Um griô conta a história: Um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha de nossa felicidade”, na qual foram abordadas a cultura e a história da Guiné Equatorial, desconsiderando os anos sombrios da ditadura, a opressão, a falta de liberdade e a miséria que a população vivia há anos sob o domínio de Obiang.

Diferente do futebol, o samba de Obiang agradou mais os jurados do que a Sapucaí. A Beija-Flor conseguiu transformar a ditadura em fantasias, a opressão em carros-alegóricos, a miséria e a desigualdade em samba. O resultado de tudo isso é que a agremiação foi campeã do carnaval do Rio de Janeiro, deixando evidente que quem coroa a Beija-Flor está corando uma ditadura.

Assim é Obiang, esbanjando dinheiro com financiamentos que vão do futebol ao carnaval, como forma de fazer propaganda de um governo ditatorial e corrupto, enquanto isso a população é deixada na miséria, longe da liberdade e dos direitos civis.

Referências:
Sociedade civil apela ao cancelamento do CAN no Gabão e Guiné-Equatorial
“Corrupção, pobreza e repressão”
Até que ponto é aceitável naturalizar jogadores? Copa Africana se curva a ditador montado em petróleo
Fantasias roubadas: um ditador na passarela 

Esse texto foi originalmente publicado no blog O Campo e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Victor de Leonardo Figols

Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) (2022). É Mestre em História (2016) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola de Filosofia Letras e Ciências Humanas (EFLCH) - UNIFESP Campus Guarulhos. Possui Licenciatura (2014) e Bacharel em História (2013) pela mesma instituição. Estudou as dimensões sociais e políticas do FC Barcelona durante a ditadura de Francisco Franco na Espanha. No mestrado estudou o processo de globalização do futebol espanhol nos anos 1990 e as particularidades regionais presentes no FC Barcelona. No doutorado estudou a globalização do futebol espanhol entre os anos 1970 a 2000. A pesquisa de doutorado foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Trabalha com temas de História Contemporânea, com foco nas questões nacionais e na globalização, tendo o futebol como elemento central em seus estudos. É membro do Grupo de Estudos sobre Futebol dos Estudantes da Unifesp (GEFE). Escreve a coluna O Campo no site História da Ditadura (www.historiadaditadura.com.br). E também é editor e colunista do Ludopédio.

Como citar

FIGOLS, Victor de Leonardo. Do futebol ao carnaval. Ludopédio, São Paulo, v. 70, n. 6, 2015.
Leia também:
  • 155.7

    “Que saudade que eu tava de torcer pelo carnaval”: um ensaio fotoetnográfico dos Gaviões da Fiel (parte 1)

    Marianna C. Barcelos de Andrade, Roberto A. P. Souza Junior
  • 152.30

    Carnaval e futebol: paralelos que se cruzam

    Flávio Amaral, Wagner Xavier de Camargo
  • 140.55

    Lembranças corporais de carnaval

    Gabriela Alvarenga