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Do Rio para Tóquio

Victor de Oliveira 22 de julho de 2021

Cara Tóquio, espero que esteja bem e com saúde.

Imagino que sediar os Jogos Olímpicos de 2021 seja uma grande honra para seus 14 milhões de habitantes. Mesmo depois de quase 600 anos desde sua fundação, você tem se mostrado extremamente forte, jovem e inovadora.

Apesar de achar arriscado reunir atletas e seus staffs, profissionais de imprensa e fãs do mundo todo neste momento, compreendo a necessidade esportiva de realizar os Jogos. Percebo que, no combate à pandemia, sua nação apresenta resultados bastante razoáveis, com pouco mais de 840 mil casos e 15 mil óbitos. Estatísticas bem diferentes das minhas. No Brasil, são 19 milhões de casos e 540 mil vidas perdidas, sendo 57 mil delas aqui na Cidade Maravilhosa, 25 vezes a mais do que em Tóquio.

Tóquio
Foto: IOC / Greg Martin / Fotos Públicas

Andei refletindo sobre esporte e Jogos Olímpicos e preciso confessar que, em 2016, quando eu recebi o evento em casa, a gente fez uma festa incrível nas ruas, nas arenas e nos espaços esportivos. Você sabe, né? Nosso povo é especialista nisso. Não existe nada parecido com o carioca quando o assunto é saber aproveitar os grandes momentos da vida. As disputas das modalidades esportivas também fizeram jus à magnitude do evento. Fui palco de conquistas memoráveis de Bolt, Biles, Phelps, Ledecky, Braz e tantos outros talentos que competiram em minhas quadras, campos, pistas, piscinas, arenas e ginásios.

Eu lhe escrevo, cara capital do Japão, para lhe pedir que faça a gestão do legado de seus Jogos com lisura e transparência. Aproveite a onda esportiva e tente melhorar seus índices de alto rendimento, que já são ótimos. Envolva sua população, eu garanto que isso é essencial e capaz de levar saúde e dignidade ao seu povo. Promova eventos, utilize os equipamentos esportivos e seja, mais uma vez, assim como em 1964, um exemplo para o mundo.

Eu não fiz dessa forma e até hoje pago o preço pela falta de planejamento e pelo obscurantismo predominante em minha atual gestão. Para você ter uma ideia, hoje não existe ninguém ou nenhum órgão diretamente responsável pela gestão do legado dos meus Jogos. É inacreditável que, cinco anos depois da Rio 2016, não há sequer um plano concreto para o esporte nacional, para os equipamentos esportivos das Olimpíadas e para a inclusão social por meio do esporte. O mar burocrático e os interesses políticos escusos conseguiram desoxigenar profundamente as modalidades esportivas profissionais e amadoras no Brasil.

Rio 2016
Atletas da natação treinam na piscina do Estádio Aquático, no Parque Olímpico da Barra da Tijuca. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O meu Parque Olímpico, símbolo de orgulho em diversas cidades-sede de Jogos, encontra-se em estado de abandono. Arenas modernas estão subutilizadas, estádios praticamente sem uso e o espaço destinado à população mais parece uma cena de Chernobyl. Quase ninguém frequenta em busca de lazer, de saúde e de treinamento profissional. No máximo, eventos musicais, pequenos torneios e feiras de games são realizados de vez em quando. Um desprezo absurdo.

E não é só descaso. A lama vai além: o governador do meu Estado está afastado por suspeita de corrupção. Nosso presidente – aquele mesmo que debocha da Covid-19, fantasia com remédios sem comprovação, promove aglomerações, boicota vacinas e ameaça a democracia com frequência – ignora solenemente a existência do esporte e dos legados carioca e brasileiro. Em um de seus primeiros atos na presidência, no início de 2019, extinguiu o Ministério do Esporte e pouco tempo depois cortou pela metade o orçamento da pasta. Ele ainda reduziu drasticamente os recursos do Bolsa Atleta e nomeou amigos íntimos para cargos de confiança na área. Uma tragédia.

Pense bem, Tóquio, e não repita as barbaridades que fizeram comigo. Adaptando uma frase muito utilizada aqui na América do Sul, lhe digo, sem medo de errar, que um povo que não conhece os erros de outros legados está condenado a repeti-los.

Em mim, quero que se inspire apenas na celebração esportiva de 2016. De resto, aprenda o que não fazer.

Esportivamente,

Rio de Janeiro
2021

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

OLIVEIRA, Victor de. Do Rio para Tóquio. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 43, 2021.
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