130.19

Drogba já parou uma guerra na Costa do Marfim

Bruno Negrão 15 de abril de 2020

Em 2005, uma guerra civil na Costa do Marfim estava prestes a explodir, quando houve uma reviravolta. Em meio a tanques, bombas e fuzis, o atacante Didier Drogba mostrou a verdadeira potência das suas palavras — e atitudes — em prol da paz e união do seu povo.

A guerra marfinense teve início em 2002, quando um grupo de rebeldes ocupou a cidade de Bouaké, ao norte do país. Já ao sul, região mais próspera, a capital Abidjan se manteve como a sede das Forças Armadas. Os conflitos se davam por interesses políticos, financeiros e étnicos.

Em 2005, a talentosa geração dos “Elefantes” — que contava com diversos destaques internacionais, como Kalou, Eboué, Touré e Drogba — garantiu, pela primeira vez, a classificação da seleção para uma Copa do Mundo, que seria realizada em 2006 na Alemanha.

Logo após a partida que assegurou a vaga, no Sudão, Drogba fez um discurso icônico, literalmente ajoelhado em frente às câmeras, pedindo a paz entre os lados rivais no seu país: “Perdoem! […] Queremos nos divertir, abaixem os fuzis”

Em meio a tantos anos marcados por conflitos, com cerca de 4 mil mortes, o futebol se mostrou um suspiro de paz para o povo marfinense. O discurso foi o suficiente para que um cessar-fogos fosse acordado — e principalmente, para que a população se mobilizasse para uma trégua.

Mas a influência de Drogba não parou por aí. Após ser fundamental na conquista do título inglês do Chelsea, em 2006, ele foi eleito o “Jogador Africano do Ano”. O craque decidiu levar o troféu até Bouaké, a “capital dos rebeldes”, simbolizando um gesto de união e acolhimento.

O capitão foi recebido com muita festa pela população local, que estava em êxtase em poder assistir de perto o ídolo que estavam acostumados a ver apenas pela TV. Drogba havia criado uma ponte entre lados opostos e, então, prometeu trazer toda a seleção para jogar na cidade.

Em 3 de junho de 2007, a Costa do Marfim enfrentou a seleção do Madagascar no Estádio Olímpico de Bouaké. Um torcedor que estava presente no local, deu o seguinte depoimento em um documentário sobre o ocorrido: “O primeiro ato físico de paz na Costa do Marfim foi aquela partida”.

Foto: Divulgação.

Detalhe: a seleção marfinense foi conduzida ao estádio por um tanque rebelde, e escoltada pelo exército no local do jogo. No entanto, mesmo com clima tenso, a partida foi marcado pela festa e reconciliação entre as lideranças rivais.

Dentro de campo, a seleção deu ainda mais motivos para o seu povo comemorar: venceu por goleada a seleção de Madagascar. O placar de 5 a 0 (com um dos gols marcado por Drogba) recebeu destaque na mídia local. “Cinco gols para apagar cinco anos de guerra.”

Foto: Reprodução.

A guerra, infelizmente, voltou a ter capítulos sangrentos em 2011, ano em que o presidente Laurent Gbabo foi preso e que cerca de 3 mil mortes foram contabilizadas.

De toda forma, Didier se tornou um tornou um símbolo da libertação de seu país. O capitão foi nomeado embaixador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), além se tornar um dos membros da Comissão da Verdade e Reconciliação sobre a guerra.

Em tempos que as seleções europeias estão lotadas de jogadores africanos, vale destacar que Drogba morou apenas até os 5 anos de idade em seu país natal e logo se mudou para a França. Porém, sempre fez questão de defender sua origem: “O meu país está enraizado em mim”.

Didier Drogba encerrou sua carreira como jogador em 2018, porém o seu gesto está marcado na eternidade. Além das festas nas arquibancadas, o povo marfinense jamais esquecerá o exemplo de humanidade dado pelo capitão: um verdadeiro gol de placa — ou melhor, de paz.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Bruno Negrão

Porto Alegre, 22.

Como citar

NEGRãO, Bruno. Drogba já parou uma guerra na Costa do Marfim. Ludopédio, São Paulo, v. 130, n. 19, 2020.
Leia também:
  • 178.20

    Groundhopping, colecionando ambiências de estádios de futebol

    Natália Rodrigues de Melo
  • 178.19

    Atlético Goianiense e Vila Nova – Decisões entre clubes de origem comunitária

    Paulo Winicius Teixeira de Paula
  • 178.18

    Hinchas, política y 24M: la Coordinadora de Derechos Humanos del fútbol argentino, emblema de trabajo colectivo

    Verónica Moreira