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Entre heróis, salvadores e culpados

Heróis. Mito do herói. Jornada do herói. A simbologia e a concepção do herói, seja essa personificada em uma pessoa, engendrado em um ator fictício ou ligado à adjetivação, em um ato praticado, uma conduta louvável e ilibada, que deve ser seguida, buscada para por em prática. O herói denota a antigas tradições – sejam essas com rastros na materialidade social ou simplesmente inventadas – e mesmo na contemporaneidade está presente no nosso linguajar cotidiano, seja para se referir a alguém, seja para imaginar uma campeã, um campeão.

As categorias de herói, ídolo, semideus, tão presentes no imaginário social não escapam do campo do esporte de maneira geral, e de forma específica no âmbito do futebol profissional. Neste momento pense em que são seus ídolos do futebol, os heróis que vestiram – e vestem principalmente – o manto sagrado do seu time de coração (no meu caso o todo poderoso Timão). Reflita porque eles ostentam ou estão assim categorizados.

Fiz esse preambulo para entrar em uma questão que venho observando com relação ao elenco do Corinthians. Comentários/cobranças da nossa torcida, principalmente acerca da titularidade de Cássio, Fagner e Gil, atletas estes incontestáveis no time em outrora, e que em devidas proporções, ocupam o bastião de lendas do clube. Cássio chegou a se pronunciar publicamente depois de uma série de intimidações por parte da torcida como resposta a uma série de erros cometidos pelo goleiro. Cássio já havia aparecido algumas vezes essa temporada como o representante do elenco atual, para falar da fase do Corinthians no campo e com relação ao atraso de salários.

Cássio é um ídolo e nenhum corintiano dirá o contrário. Que ele deve ser o titular…este é um assunto que não consigo opinar. Acredito que o treinador que estiver com o Corinthians – tivemos treinadores no plural essa temporada – terá mais informações de quem deve defender a meta do time.

Cássio, goleiro do Corinthians. Foto: © Daniel Augusto Jr./Ag. Corinthians.

A cultura popular/social adentra o campo esportivo. Se por um lado o herói é um conceito e uma força que potencializa a espetacularização do esporte moderno, em contrapartida traz um senso da busca pelo culpado, pelos culpados, seja o anti-herói ou o herói fragilizado que não conta mais com sua potencia de agir plena.

Peguemos o próprio Cássio em termos de exemplificação: não fosse aquela defesa – monumental por sinal – no chute desferido pelo atleta então do Vasco, Diego Souza, em momento crucial da partida, Cássio ocuparia o mesmo status que tem como ídolo? Ou melhor, o próprio Corinthians teria conquistado os títulos que conquistou (títulos estes de tremendo orgulho para a nação corintiana)? Veja, faço essa provocação, mas é complicado entrar neste “relacionismo”. Problematizar este fato leva pensar na própria concepção do futebol, atividade esta de caráter imprevisível, e, portanto, factível de grandes atos e erros capitais.

A careira de Cássio não é marcada apenas por defesas históricas. Ele também teve muita consistência defendendo o Corinthians ao longo dos anos. E sim, erros acontecem na carreira de qualquer jogador. Apesar de nunca ter defendido o Corinthians, me vem à tona a contestação sofrida por Thiago Silva, contestação esta no que dizia respeito a sua titularidade e capitania da seleção brasileira, pelo fato deste ter demonstrado suas emoções em uma Copa do Mundo no Brasil, jogando pelo Brasil. Thiago que sempre fora capitão por onde jogou foi apontado como um dos culpados pelo 7 a 1 (não esteve em campo no jogo contra a Alemanha, cumpria suspensão por cartões amarelos). Mesmo tendo uma carreira sólida, como um dos melhores em sua posição, adentrou o imaginário de anti-herói entre uma parcela de torcedores e mídia esportiva.

O time do Corinthians não vem bem na temporada. É verdade que chegou a final do campeonato paulista, mas em momento algum chegou a convencer em campo ou passar segurança. O Corinthians também não esteve entre as forças dos campeonatos brasileiros de 2018 e 2019.

Assim sendo, mais oportuno do que elencar culpados é perceber que o atual momento do time é reflexo de decisões tomadas nos últimos anos, sejam estas referentes às finanças do clube, as vendas antecipadas de jogadores e as compras não assertivas de atletas. O ponto que defendo é que o momento do time passa por questões relacionais, não únicas e marcadas “pelo culpado”.

Outro fator é que se o Corinthians não fez boas escolhas nos últimos anos e agora está inserido nesta fase, em outra direção há clubes que conseguiram reforçar, montar seus elencos de maneira condizentes a disputa de vários campeonatos com atletas que entreguem as demandas do altíssimo rendimento.  

O problema do atual time do Corinthians é a falta de dedicação? É o esgotamento técnico/físico dos antigos pilares do time? É o reflexo de um ano de eleições no clube? Difícil ter todas as respostas. Como não as tendo, proponho que não busquem salvadores, eles são inexistentes – ou quase isso. Cobremos ações do time sem esperar um passe de mágica. O Corinthians é uma nação de fanáticos e fanáticas e a história recente nos acostumou a brigar por títulos. Todos eles.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Jean dos Santos Mantovani

Bacharel e mestrando em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Corintiano.

Como citar

MANTOVANI, Jean dos Santos. Entre heróis, salvadores e culpados. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 61, 2020.
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