140.18

Fernando Diniz entre a modernidade e o pragmatismo

Gabriel Said 8 de fevereiro de 2021

Enquanto este texto era escrito, Fernando Diniz foi demitido do São Paulo Futebol Clube após sequência ruim de jogos na reta final do Brasileirão que fez o time cair de primeiro para quarto. A demissão não afeta o conteúdo deste texto e também não interessa aqui discutir sobre a saída, mas, para não passar batido, deixo o fio de Hudson Martins no Twitter sobre o cisto de Baker que deu início às desventuras em série no clube.

Dando continuidade ao texto Fernando Diniz e a máquina de moer gente.

Moderno e pragmático. As duas ideias não fazem oposição entre si, é bem possível ser tudo isso ou nada disso, mas se você que está lendo este texto tivesse que escolher um destes adjetivos para atribuir ao Fernando Diniz, acho que é fácil saber que a maioria diria “moderno”. Peço aqui que me permita discordar e justificar neste texto o porquê de Diniz não ser moderno, mas pragmático e talvez ir um pouco além. Aproveito também para esclarecer que para este que escreve, não ser moderno está longe de ser ruim, mas vamos chegar lá.

Começando pela modernidade no futebol. Do ponto de vista tático do jogo, em âmbito geral o time moderno é entendido como aquele que tem participação do goleiro com os pés na saída de jogo, aumento do ritmo, diminuição dos espaços perto do portador da bola, maiores obrigações ofensivas de jogadores defensivos, maiores obrigações defensivas dos jogadores ofensivos e a troca racionalizada de posições em campo, caracterizando o quê Andrea Pirlo chamou de futebol líquido. No entanto, parecem existir alguns momentos ou elementos de síncope nos times de Diniz, ou seja, da quebra de ritmo, de diminuição da intensidade para buscar o momento que um jogador e equipe possam repensar o jogo ao seu próprio ritmo, e daí creio que Luciano, Brenner e outros conseguem determinados destaques. Um jogo em que o físico está para servir a técnica e não o contrário.

Fernando Diniz com Rogerio Ceni ao fundo no primeiro jogo entre Fortaleza e São Paulo pela Copa do Brasil 2020. Foto: Divulgacao/Rubens Chiri/saopaulofc.net.

Vamos além do jogo. Anthony Giddens (1991) ao pensar a modernidade apontou que se trata de um processo de destradicionalização, ou seja, a tradição seria constantemente questionada. Apesar de a tradição estar em eterna transformação, o seu tempo é outro; seja na velocidade da mudança, que dá a impressão da tradição ser estática; seja em sua orientação para o passado para compreender o presente e somente então ser capaz de pensar o futuro. Há também outra relação espacial, que provoca o descolamento e distanciamento com lugares e pessoas, provocando em grande medida alienações pela falta de afeto com lugar e pessoas. Até certo ponto, poderia dizer que se trata de uma crise estética. Por exemplo: adoção de termos em outros idiomas (troca de bobinho por “rondo”), ou até a troca de termos pela novidade. A modernização é também, em uma de suas facetas, uma forma de supressão de saberes que o cientificismo iluminista oriundo de sujeitos como Bacon, Newton e Galileu não compreende. Não estar alinhado a isso tudo, ou não vestir a máscara da modernidade gera incômodo. Ser moderno é pop. É um bom assunto para aprofundar em um texto futuro.

A forma de Fernando Diniz trabalhar no futebol não é puramente objetiva, como o modernismo gostaria. Ele assim como outros treinadores (posso citar José Mourinho e Julian Nagelsmann) sabem que para seus times e jogadores apresentarem seu melhor futebol, que é um futebol mais leve, o trato com as pessoas dentro do clube deve ser bom. Não basta saber muito, mas saber organizar seus saberes em sintonia com as relações humanas. Existe nele uma preocupação de melhorar as condições do futebol, de por exemplo terem mais assistentes sociais e psicólogos interessados e comprometidos com os futebolistas. Diniz não abre mão “do que resolve as coisas há dois mil anos” porque acredita que é o melhor caminho, senão o único. O caminho que o levou das divisões inferiores de São Paulo para grandes clubes do futebol brasileiro. Aí está seu pragmatismo; ele acredita no que faz assim como Bielsa, Klopp ou Ancelotti (outros três que valorizam muito os afetos).

“Quando as pessoas me chamam de moderno, não que eu me ofenda, mas é quase isso. Talvez eu seja dos treinadores que militam o mais antigo porque as coisas que para mim resolvem são as mesmas que resolviam dois mil anos atrás. É ter bons afetos, carinho, amor, coragem, confiança […] Eu tenho que gostar dos jogadores” – Fernando Diniz em FutTalks #04

Na mesma entrevista citada acima, perguntado sobre o seu estilo de jogo, Fernando diz: “Eu acho que o estilo que me tem, não que eu tenho o estilo. Ele toma conta de mim”. O futebol deve valorar as virtudes humanas e sua prática deve buscar dar vazão a esses valores. Era assim no Votoraty, Audax, Fluminense e foi também no São Paulo. Não à toa quando saiu do Fluminense, apesar da situação do time no Brasileirão, tinha quase 70% de aprovação da torcida em enquete na internet e amplo apoio dos jogadores, de alguma forma aquela equipe atingia um nível de transcendência que encantava os torcedores, talvez trazendo à tona memórias de grandes times do passado e aí viria a ideia de um romantismo (no sentido pejorativo). Acredito que em alguns momentos também conseguiu o mesmo efeito no São Paulo.

Fernando Diniz parece ser um paradoxo. Se olharmos conceitos táticos dos seus times talvez seja possível considerá-lo moderno, mas como ainda existem elementos em seus times que vão na contramão, como o próprio Diniz se diz ofendido em “ser moderno” e como o futebol transcende várias relações e percepções que temos do que é real, aí com uma visão mais holística sobre o assunto, não vejo Diniz como moderno. Ao mesmo tempo, por suas próprias vivências e experiências, é tomado pela convicção de que segue no caminho para os melhores trabalhos. Pode-se discordar dele e no futebol não existe fórmula, então há espaço para discussão, mas sabendo que existem motivos concretos para ele acreditar em algo e que não se trata de uma mera teimosia ou incapacidade de entender a realidade.

Por fim, deixo um questionamento: se o romantismo no futebol não for considerado algo ruim, mas uma valorização das subjetividades e contradições humanas, ou seja, uma abordagem humanista do jogo, será possível Fernando Diniz se tratar de um treinador romântico? Ou a era dos românticos acabou? É possível alguém ser pragmático e romântico ao mesmo tempo?

Referência bibliográfica

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 16 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Gabriel Said

Formado em Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestrando em Antropologia pela UFF e aluno da Associação de Treinadores do Futebol Argentino (ATFA). Participa do grupo de estudos de Futebol e Cultura, do LEME/UERJ; do grupo de Futebol e Humanidades da Universidade do Futebol e do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Esporte e Sociedade (NEPESS), da UFF. Além de escrever a coluna Danúbio Azul no Ludopédio, também escreve para a Universidade do Futebol. E-mail: [email protected]

Como citar

SAID, Gabriel. Fernando Diniz entre a modernidade e o pragmatismo. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 18, 2021.
Leia também:
  • 177.18

    Sobre o papel dos pais e professores no futebol infantil

    Gabriel Said
  • 163.3

    Hay que jugar bien y con pasión: o futebol portenho como expressão da argentinidade

    Gabriel Said
  • 162.21

    Para Roberto, com carinho

    Gabriel Said