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Flamengo x Globo: processo aberto pelo clube acentua problemas na transmissão do Brasileirão

Anderson David Gomes dos Santos 12 de fevereiro de 2020

Após a recusa em vender os direitos de transmissão de suas partidas no Carioca, o Flamengo acirra a disputa com a Globo, processando no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro o grupo comunicacional pelo contrato do Campeonato Brasileiro de Futebol. Como não vi o processo, que foi colocado em segredo de justiça pelo juiz, comentarei o que é possível a partir do que foi publicado por repórteres esportivos.

A base dos problemas apontados pelo Flamengo está no contrato que começou em 2019 e vai até 2024. É o primeiro para o Brasileiro que divide o pagamento de cotas por critérios: 40% igualitários, 30% jogos transmitidos e 30% classificação (50-25-25 para a Turner). Mas só para as TVs, não inclui o pay-per-view (ppv).

Os contratos foram assinados sob sigilo e, ainda que tanto no UOL quanto no Lance! existam trechos a partir do processo, optamos por manter as observações feitas a partir do que foi publicado por Rodrigo Mattos e Leo Burla, no UOL, e por Pedro Torre, no Instagram, pois todos os elementos se confirmam.

Torcida do Flamengo conseguirá ver seu time pela TV? Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

1. Mais jogos no ppv

Vejo como movimento natural da Globo botar mais jogos de Corinthians e Flamengo no ppv por dois motivos: é o valor flexível, com a empresa podendo lucrar mais; e é onde, na mudança da divisão dos valores pagos por mídia, passou a pagar mais, com valores mínimos garantidos a alguns clubes, caso do carioca.

Até 2018, o peso da TV aberta era muito maior, assim, fazia sentido para a Globo distribuir os jogos das duas equipes nesta mídia. A mudança no contrato em vigor considera a nova divisão das cotas (que mantém o benefício a alguns clubes a partir do ppv) e a nova concorrência. Além disso, com a queda constante de assinantes da TV fechada, o Premiere precisou ser flexibilizado para mídias móveis em 2018, mas seguiu a queda na sua base de clientes.

2. Prejudicar a Turner

Movimento super natural da Globo, que já fazia algo semelhante quando sub-licenciava os direitos para Record e Band. A escolha dos jogos na TV aberta sempre foi da detentora dos direitos, na lógica do “quem paga a festa define o horário”. Problema não exclusivo do Brasil num momento em que os mercados europeus querem audiência da China, por exemplo.

O Athletico soube compensar a saída do ppv nisso. Acreditando que ganharia menos nesta plataforma do que mereceria, o clube resolveu não assinar. Isso forçou a Globo a exibir mais jogos do clube de forma gratuita – justificando investimento nesta mídia e a briga contra a Turner (no jogo contra outro clube que assinou com ela).

Mas concordo com a reclamação em se incluir jogos transmitidos pela Turner na TV fechada para o cálculo da cota por exibição. Não faz sentido porque os contratos são diferentes. Os clubes da Turner, por exemplo, resolveram dividir igualitariamente o valor da classificação em 2019 – menos o Fortaleza, prejudicado por um contrato assinado quando ainda estava na Série C e que definia valor fixo (na prática, R$ 14 milhões a menos que os demais na TV fechada).

Athletico não cedeu os seus jogos para o ppv, enquanto o Flamengo abriu processo contra o Grupo Globo. Foto: Globoplay

3. Outros pontos

O clube fala que o pagamento seria num fluxo mensal. Do que li para o meu livro, o pagamento seria em partes (início, 40%; meio do ano, provisório dos 30% de exibição; e final do campeonato). Mas, volto a dizer, não tive acesso aos contratos. Estou relatando o que li durante o processo de negociação e as notícias do ano passado informando que os clubes estavam com a corda no pescoço, com balanços parciais no vermelho, justamente pela mudança.

Outro ponto novo relatado por Torre é que a Globo passou a descontar despesas dos custos de viagens no valor das cotas, o que não ocorria antes. O Flamengo reclama disso, mas admite que o ponto não estava no novo contrato. Numa proporção, daria R$ 1,5 milhão a menos no ano.

4. Considerações

É importante ressaltar, da mesma forma que Bahia, Athletico e Palmeiras no início do ano passado, a disputa é puramente individual. O Flamengo quer ganhar mais porque acha que merece e não está preocupado com os demais, não à toa o processo foi aberto só por ele – nem o Corinthians, de situação semelhante, entrou.

Ratifico meu posicionamento que as “falhas” que eu concordo no que foi apontado é justamente pela falta de um acordo coletivo – o que não deve ocorrer tão cedo. Além disso, os clubes repassavam TUDO para a Globo Esportes sobre o Brasileiro. A empresa é que se desfez de algumas coisas, caso da negociação por placas, transmissão internacional e, pelo visto, a estrutura de viagens.

Foi necessário o Flamengo, assim como estavam Palmeiras e Athletico, ser menos dependente dos recursos do broadcasting para tentar confrontar o grupo comunicacional que, desde a gestão de Fernando Manuel Pinto e o aumento da concorrência, resolveu mudar o discurso sobre equilíbrio.

Por fim, registre-se que a divisão não se dá pelo broadcasting/espaços de mídia, como na Premier League ou na Copa do Brasil, com a liga/CBF buscando as receitas e repassando os valores a partir de determinado planejamento. Logo, problemas hão de aparecer (também na Turner).

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SANTOS, Anderson David Gomes dos. Flamengo x Globo: processo aberto pelo clube acentua problemas na transmissão do Brasileirão. Ludopédio, São Paulo, v. 128, n. 15, 2020.
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