Futebol de mulheres em foco: ações para o desenvolvimento da modalidade no Brasil
Louro (1997) já afirmava em seus estudos que o gênero é considerado uma construção social e não natural. Scott (1995) define gênero como um “elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos […] uma forma primária de dar significado às relações de poder”. Quando falamos em futebol, mais especificamente para mulheres, percebemos que as relações de poder entre gênero são latentes. Franzini (2005) afirma que a presença de mulheres nos jogos pode se tornar uma ameaça, considerando que sua participação em massa possa desconfigurar códigos que foram historicamente embutidos em papéis sexuais, podendo desconstruir a associação do futebol como “coisa para homem”.
Por isso, percebemos, ainda em pleno século XXI, uma grande resistência a ações que possam contribuir para o desenvolvimento do futebol para mulheres em nível global em um ambiente pré-determinado como masculino durante gerações. E a análise deve ser feita muito além da simplificação das quatro linhas, mas sim nos fatores que envolvem este lento desenvolvimento. No Brasil, diferente de alguns países em que o futebol para mulheres já encontra-se estabelecido, percebemos traços latentes de um amadorismo no país do futebol (para homens).
Dentro desse contexto e com a intenção de expandir e profissionalizar a modalidade, algumas ações estão sendo implementadas. Vamos expor, através deste texto, as que identificamos como sendo as mais impactantes até o momento.
SEM MULHERES = SEM LIBERTADORES
A ação que mais repercutiu na mídia e consequentemente na modalidade do país nos últimos tempos, pelo fato de afetar diretamente o futebol “deles”, é a exigência da Conmebol em conjunto com a CBF e a FIFA de não liberar clubes brasileiros de participarem da Copa Libertadores e da Sul-Americana a partir de 2019, se não houver um time de mulheres em atuação. De acordo com o capítulo IV de Critérios e Requisitos, no artigo 90 a descrição 04 traz o seguinte: “O solicitante deverá ter uma equipe principal feminina ou associar-se a um clube que a tenha. Além disso, deverá ter pelo menos uma categoria juvenil feminina ou associar-se a um clube que a tenha. Em ambos os casos, o solicitante deverá providenciar suporte técnico e todo o equipamento e infraestrutura (campo de jogo para a disputa de jogos e treinamento) necessários para o desenvolvimento de ambas equipes em condições adequadas. Finalmente, é exigido que ambas equipes participem de competições nacionais e/ou regionais autorizadas pela respectiva Associação Membro.”.
Segundo o Globoesporte.com em 26/01/2017, na data da veiculação da notícia, dos vinte clubes da série A, somente sete contavam com departamentos de futebol feminino. Atualmente, das 20 equipes que participam do Campeonato Brasileiro Série A (de homens), já somam 12 equipes que investem no departamento para a prática das mulheres. São eles: São Paulo, Internacional, Flamengo, Grêmio, Corinthians, Santos, América Mineiro, Vitória, Vasco, Chapecoense, Ceará e Sport. Já na série B, as equipes de CSA, Vila Nova, Ponte Preta, Coritiba, Criciúma, Paysandu e Sampaio Correia contam com equipe de mulheres dentro do clube. Com isso, podemos dizer que, sim, a obrigatoriedade resultou no aumento de equipes ditas de camisa nas competições oficiais organizadas pela CBF. De que forma esse investimento está sendo realizado e como os clubes estão se engajando com esse processo, pode ser um assunto a ser tratado num texto futuro. Além do aumento da visibilidade, o ingresso das mulheres dentro dos clubes faz com que o tão sonhado profissionalismo da modalidade se encontre mais próximo da realidade. Para o próximo ano a CBF já prevê o acréscimo de mais equipes no Campeonato Brasileiro, nas duas séries (A1 e A2).
CURSO FIFA: O INTERCÂMBIO DE METODOLOGIAS COM O FUTEBOL FEMININO
Pensando também nos profissionais que fazem parte do processo, a FIFA organizou um seminário sobre a temática direcionado para os treinadores e treinadoras envolvidos(as) com o futebol feminino do país. O encontro ocorreu na Granja Comary (RJ) entre os dias 29 de agosto e 2 de setembro. Alguns dos principais nomes da modalidade se reuniram para um curso com a instrutora da FIFA, Andrea Rodebaugh. Entre os profissionais que participaram estavam, Jorge Barcelos (técnico do Kindermann e ex-técnico da Seleção Brasileira) e Daniela Alves (ex-jogadora e atualmente auxiliar técnica da Seleção Feminina Sub-20), que destacou a necessidade de discutir as metodologias para desenvolver melhor o futebol brasileiro e afirma que o simples fato de unir todos esses profissionais já é de grande valor para a modalidade. Ao todo, foram 29 alunos no curso. Entre eles, técnicos e técnicas do Campeonato Brasileiro Feminino séries A-1 e A-2. Em sua maioria com licença de treinador/treinadora pela CBF Academy.
O TORNEIO DE DESENVOLVIMENTO DE FUTEBOL
Pensando também no futuro da modalidade, a CBF em conjunto com a Conmebol, realizará pelo segundo ano consecutivo o Torneio de Desenvolvimento de Futebol. A competição acontecerá no mês de outubro de 2018, entre os dias 11 e 15, na Granja Comary em Teresópolis (RJ). Serão realizadas competições em três categorias: feminina sub-14 e sub-16 e masculina sub-13, cada uma com oito equipes, indicadas pelas federações estaduais. O Torneio que aconteceu de forma inédita no ano de 2017 promoveu a integração dessas categorias que são pouco desenvolvidas no país. A nível nacional é a única competição oficial para meninas dessa idade. Uma das dificuldades da modalidade é a formação de novas atletas, uma das soluções seria o desenvolvimento de competições para a idade. Ou, seja, mais um passo importante na direção da formação e da profissionalização.
Segundo o site oficial da CBF, os campeões e campeãs de cada categoria se classificam para o Torneio Sul-Americano, organizado pela Conmebol. A equipe campeã do Torneio Sul-Americano vencedora da categoria feminina sub-14 disputará a Copa Disney. Ao todo, serão 48 jogos realizados no Centro de Treinamento da Seleção Brasileira e mais de 500 pessoas estarão envolvidas no torneio.
Dito isso, as ações para desenvolvimento da mobilidade estão sendo implementadas aos poucos no país. Ainda há muito para se evoluir com relação à infraestrutura de trabalho, salários e valorização, dentro dos próprios clubes. Mas mesmo que curtos, os passos estão sendo dados e já estão repercutindo a curto prazo. Seguimos na caminhada para a profissionalização.
REFERÊNCIAS
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 54-73, 1995.
Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/noticia/2017/01/clube-sem-futebol-feminino-ficara-fora-da-libertadores-partir-de-2019.html Acesso em: 14/09/2018.
Disponível em: https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/index/cbf-realiza-torneio-de-desenvolvimento-de-futebol Acesso em: 14/09/2018.
Disponível em: https://globoesporte.globo.com/blogs/dona-do-campinho/post/2018/02/08/fifa-confirma-calendario-do-mundial-feminino-de-2019-final-sera-em-7-de-julho.ghtml Acesso em: 14/09/2018.
Disponível em: https://www.gazetaesportiva.com/futebol/futebol-feminino/tabela-do-torneio-das-nacoes-de-futebol-feminino-e-divulgada-pela-cbf/ Acesso em: 14/09/2018.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Torneio_das_Na%C3%A7%C3%B5es_de_Futebol_Feminino_de_2018 Acesso em: 14/09/2018.
Disponível em: https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/cbf-academy/treinadores-de-futebol-feminino-valorizam-intercambio-em-curso-da-fifa-1 Acesso em 14/09/2018.