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Futebol e revolução na seleção mexicana

Fabio Perina 22 de abril de 2021

O México era um país em ebulição quando foi escolhido para sediar os Jogos Olímpicos em 68 e a Copa do Mundo em 70. Sua história de longa duração teve nas décadas de 40, 50 e 60 o papel burocrático do Partido Revolucionário Institucional (PRI) para finalmente estabilizar a fase inicial e intensa da Revolução Mexicana (1910-1917). Nessas décadas de seu auge político e econômico foi quando se consolidou seu maior legado cultural popular: cinema, literatura e principalmente o muralismo nas artes visuais e as músicas rancheiras e corridos. Mas na política o país ganhou a alcunha de “ditadura perfeita”, por ter o mesmo partido vencendo todas as eleições, inclusive com mandato único de 6 anos para cada presidente para ter tempo de preparar sucessor (o famoso “dedazo”) ao invés de se desgastar em disputas internas com reeleição.
No entanto, essa estabilidade começou a ruir justamente em 68. Quando ainda nem se cogitava usar o nome atual de “megaeventos”, a população pobre (e sobretudo estudantes) aproveitou a repercussão internacional da competição para denunciar a gastança do evento e a democracia de fachada e pouco substantiva. Foi então que a tensão que vinha se acumulando em meses se intensificou em repressão mais aberta do que nunca: o regime retirou sua máscara e com militares e paramilitares reprimiu violentamente os manifestantes no fato conhecido como “massacre de Tlatelolco”, em 2 de outubro.

A partir de então a historiografia cunhou o termo “revolução interrompida”, por ser o ponto de não retorno em que definitivamente o PRI abandonou as pautas e a ‘chama’ revolucionárias originais da década de 1910 para se dedicar apenas à manutenção de um poder restrito. (Também ponto de não retorno ao abrir um decênio, de 68 a 78, de intensa luta armada do governo contra grupos guerrilheiros. Como o “Partido de los pobres”, do líder Lúcio Cabañas, na província sulista de Guerrero).

Maradona Estádio Azteca
Maradona comemora a conquista do mundial no Estádio Azteca. Foto: Reprodução Facebook

Ao sediar as Copas do Mundo de 70 e 86, a seleção mexicana teve o azar de logo na fase quartas-de-final perder para futuros vice-campeões: Itália e Alemanha. Ao menos o torcedor mexicano desfrutou da consagração de Pelé e Maradona erguendo a taça no lendário estádio Azteca.

Chegando aos anos 90, dentro de campo saía de cena uma ótima geração do meia Hugo Sanchez e dos atacantes Pelaez e Hermosillo. Para vir outra ainda melhor e com vários dos nomes mais longevos de participações com a seleção: o zagueiro e capitão Cláudio “Emperador” Suárez, o lateral Pavel Pardo, os volantes Garcia Aspe e Gerardo Torrado e principalmente os artilheiros Luis “Diablo” Hernandez e Cuauctemoc Blanco. E o sempre recordado goleiro Jorge Campos com algumas características “aleatórias” bem típicas do futebol noventista: biotipo fora do convencional com a baixa estatura, uniformes multicoloridos e até mesmo as aventuras de alternar posição sendo escalado também no ataque. Em suma, o goleiro que mais transgrediu o estereótipo de sobriedade e solidão da posição. (Curiosamente na mesma década em que o colombiano René Higuita foi um dos goleiros mais decisivos e vencedores do futebol sul-americano mas também ficou com o estereótipo de espalhafatoso).

Jorge Campos
Foto: Reprodução Twitter

A seleção ‘tricolor’ com frequência teve vários treinadores europeus e sul-americanos, mas dessa vez no final dos anos 90 alcançou seu auge com um treinador local: Manuel Lapuente. (No início da década de 2000 a seleção continuou com bons resultados com uma troca no “banquillo” pelo treinador Javier Aguirre e uma troca no ataque com o artilheiro Jared Borghetti) Uma época em que os craques da seleção jogavam no próprio país. São motivos que podem atribuir a essa ter sido a equipe mais “criolla” que a seleção já teve. Principalmente pelo forte fator simbólico de usar uma camiseta (ou “playera”) muito original com marca d’agua de desenhos astecas sob o tradicional fundo verde. O que pode ser visto como uma referência histórica à arte revolucionária do muralismo já citado.

O México teve nos anos 90 um papel protagonista na expansão dos torneios de seleções. Primeiro, na Copa América estreou pela primeira vez como convidado em 93. Nas 7 primeiras edições que disputou, até 2007, chegou pelo menos na semifinal em 5 delas. Depois, o torneio internacional Rei Fahd pela primeira vez saiu da Arábia Saudita para ser sediada pelo México, em 99. Era o início da hoje conhecida Copa das Confederações. Uma prova da melhora do futebol mexicano que os confrontos contra o Brasil foram ficando cada vez mais equilibrados: uma vez na Copa América em 97 e duas vezes na Copa América em 99. Um mês depois, na final da Copa das Confederações o México interrompeu sua freguesia com uma vitória histórica por 4 a 3: dois gols de Zepeda, um de Abundez e um do craque Blanco. Após 70 e 86, dessa vez finalmente o estádio Azteca pôde ver uma comemoração importante do próprio país. Uma final tão comemorada quanto a semifinal com gol também de Blanco nos minutos finais da morte súbita justamente contra o grande rival: Estados Unidos.

Em paralelo a esse processo ‘revolucionário’ no futebol mexicano, ao menos três grandes rupturas ocorriam na política. Decisivas para compreender os dias atuais, quem sabe em outra oportunidade serão melhor analisadas. Em 94, contemporâneo ao mesmo dia da implantação do tratado de livre comércio da América do Norte (NAFTA), surgiu o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional. Em homenagem ao revolucionário Emiliano Zapata dos anos 1910. Para reaquecer, desde a província sulista de Chiapas, a ‘chama’ revolucionária interrompida (mesmo sem o objetivo convencional de tomar o poder, mas sim construir espaços de autonomia popular). E por fim, em 2000, com o fim dos infinitos mandatos ininterruptos do PRI ao finalmente perder uma eleição.

Em termos de conclusão, para o futebol a hipótese que fica é que mesmo uma revolução heroica cobra suas perdas. De negativo fora de campo ficou uma adesão profunda do país ao “futebol moderno” tanto nos clubes, na liga nacional e até mesmo nos uniformes da seleção saindo de cena com frequência os tradicionais verde, branco e vermelho para “inovações” em tons fluorescentes e principalmente muito preto. Mas de positivo dentro de campo ficou que o futebol mexicano alcançou outro patamar. Nos confrontos com o Brasil se provou que a final de 99 não foi um fato isolado, mas vieram várias vitórias depois em fases de grupo de Copa América (2001 e 2007) e Copa das Confederações (2005). E principalmente a medalha de ouro na final olímpica de Londres (2012). Mas um gostinho maior ainda para os mexicanos foi de terem disparado desde então nas disputas contra os estadunidenses. Principalmente no âmbito dos clubes, com amplo domínio dos mexicanos na Concacaf Champions League. Como também na Copa Oro no âmbito das seleções com o México sendo seu maior vencedor, inclusive com uma goleada de 5 a 0 em pleno território inimigo, em 2009.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. Futebol e revolução na seleção mexicana. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 45, 2021.
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