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(In)tolerâncias entre as formas de torcer

Felipe Damasceno Setor Norte 16 de julho de 2021

Terminava a nona rodada da série B do campeonato brasileiro de futebol masculino e, em meio a comentários de revolta e decepção em um grupo de WhatsApp composto por torcedores/as de um Clube que perdia mais uma partida, ocupando a última colocação na tabela do campeonato, eis que Cláudio (nome fictício) resolve postar no grupo um meme alusivo à má fase do seu Clube. Minutos depois, alguns colegas de grupo insinuaram que a sua atitude o comparava com um torcedor de um Clube rival, em seguida, outros/as colegas denunciaram a atitude como ‘falta de respeito’. Visando provocar o grupo para saber até onde iriam as reações dos/as demais, até o dia seguinte, em meio a conversas paralelas, Cláudio postou mais dois memes de caráter semelhante. Em seguida, após inúmeras reações contrárias aos memes publicados e poucas a favor, Cláudio foi expulso do grupo. Vale pontuar que ambos os memes compartilhados por Cláudio não possuíam mensagens preconceituosas, do contrário ele já seria expulso logo no primeiro, visto que com opressões sociais não se brinca.

Em entrevista para o Doze Futebol, intitulada ‘’O futebol precisa deixar de ser um espaço opressor’’ (2019), disponível no Youtube, a professora dra. Leda Maria Costa nos provoca a pensar na grande contradição que consiste na imposição de ter que assistir aos jogos em condições precárias e de pés nos estádios, praticadas por determinados grupos que se reivindicam como ‘contrários ao futebol moderno’, não sendo por estes levado em consideração a capacidade funcional de determinados corpos – como de idosos, obesos e pessoas com deficiência – ou até mesmo o respeito a quem deseja apenas ter o seu direito de assistir ao jogo sentado sem ser incomodado/a. Para ela, todos/as merecem ter o seu espaço respeitado, todavia, ‘’nas lutas pelos verdadeiros sentidos do torcer as vezes existe um certo autoritarismo’’ nas reinvindicações dos que se dizem ‘’torcedores/as raiz ‘’.

Ódio Futebol Moderno
Manifestação da Torcida do Grêmio. Fonte: Wikipédia

As sociabilidades nos ambientes futebolísticos brasileiros são marcadas  pelas contradições sociais do pais, logo é comum nos autoenganarmos ao acreditamos que há respeito mútuo entre os/as torcedores de um mesmo clube, pois sabemos que há um modelo ideal de comportamento ao torcer, pautado em valores patriarcais, sexistas, racistas, classistas, homotransfóbicos e até militaristas que parametriza a tolerância em meio a diversidade dos/as torcedores/as. E não seguir os protocolos deste modelo pode levar a violências simbólicas, que são esses atos violentos, praticados sem o uso da força física, culminando em danos psicológicos e morais aos que sofrem, fenômeno social esse bastante abordado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930 – 2002), ou até mesmo à violência física, dependendo do lugar e contexto.

Não é de hoje que a diversidade cultural brasileira vem ocupando os ambientes futebolísticos do país. E como ressalta o antropólogo Gilberto Velho: ‘’A cultura não é, em nenhum momento, uma entidade acabada, mas sim uma linguagem permanente acionada e modificada por pessoas que não só desempenham ‘’papéis’’ específicos, mas que têm experiências existenciais particulares’’ (VELHO, 1985, p, 21), ou seja, as vivências de cada torcedor/a influenciam nas suas formas de torcer. Nesse sentido, é comum ver torcedores/as sorrindo e outros chorando ao reagirem ao mesmo gol, ou tendo comportamentos violentos e outros compartilhando memes ao ‘levarem na esportiva’ a mesma derrota, por exemplo.

Praticar o respeito às diferenças é uma tarefa fundamental, sobretudo em um país politicamente polarizado, onde uma discussão banal pode levar a uma tragédia. Por falar na polarização política brasileira, há em um extremo dela pessoas consideradas reacionárias e sectárias. Curiosamente, o grupo de WhatsApp de onde Cláudio foi expulso é formado unanimemente por torcedores/as que se dizem contrários/as a essas atitudes. Portanto, precisamos aprender a lidar com as nossas emoções nos ambientes futebolísticos para não tropeçarmos na contradição e na intolerância.

Referências bibliográficas

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 1989.

VELHO, Gilberto. Desvio e divergência: uma crítica da patologia social. Zahar, 1985.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Felipe Damasceno

Cientista Social; Mestrando em antropologia (PPGA/UFPA).

Como citar

DAMASCENO, Felipe. (In)tolerâncias entre as formas de torcer. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 29, 2021.
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