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Precisamos falar sobre Jürgen Klopp

Jürgen Klopp, alemão nascido em uma pequena província de Stuttgart, ex lateral direito que como jogador teve mais destaque atuando no Mainz 05, clube que primeiro se tornou também treinador. Depois de um bom trabalho na equipe, Klopp foi contratado pelo Borussia Dortmund, onde mesmo com um orçamento reduzido em relação ao Bayern de Munique, conquistou dois títulos nacionais, os dois últimos não vencidos pelo gigante da Baviera, que agora acumula 8 consecutivos. A epopeia de Klopp pelos aurinegros quase foi completa, mas o próprio Bayern de Munique venceu a equipe de Dortmund na final da Uefa Champions League (UCL) em 2013. Do Dortmund, Klopp foi a Inglaterra e recebeu a missão de recolocar o Liverpool no topo a Premier League. Missão cumprida há poucos dias,e com o bônus da UCL da temporada passada.

Klopp é gigante como treinador, como apontou André Rocha, ele tem o Zeitgeist do futebol contemporâneo, até que outro o supere, para o bem do futebol. Mas Klopp não é gigante somente como treinador, ele também é gigante como ser humano. Aliás, Klopp é “bastante humano”, como pudemos ver no vídeo de comemoração da Premier League. Um desengonçado alemão festejando com uma garrafa de cerveja ao lado de seus jogadores: nada mais humano. Assim também ocorreu quando se viu “pressionado” por uma carta de um jovem torcedor do Manchester United que pedia que o treinador parasse de vencer. A resposta de Klopp foi sensacional e há quem diga que o Liverpool vacilou em algumas partidas depois do episódio só para agradar o garoto: devaneios que o futebol nos permite. 

O fato é que Klopp se irritou bastante com a derrota e consequente eliminação para o Atlético de Madrid na UCL, em um dos melhores jogos da Europa antes da parada pela pandemia. Seres humanos vacilam e Klopp, demasiadamente humano, vacilou no episódio ao criticar o sistema defensivo do time colchonero, algo que não deveria ser surpresa pra quem enfrenta os times de Simeone. Nada disso apaga a genialidade de Klopp, pelo contrário. 

Jürgen Klopp. Fonte: Wikipédia

Constantemente vemos ganhar as manchetes a declarações engajadas de Klopp. Há, porém, um lado do treinador que não é mostrado como deveria. Na Alemanha, após a conquista de Copa do Mundo de 1990, o futebol se massificou e se tornou um grande produto da cultura de massas. Sua exibição pela TV, no entanto, ocorria de forma totalmente superficial, algo comum de ser ver com o futebol transformado em mais  um produtos da Indústria Cultural. O modo como Honigstein (2019, p.311) descreve o cenário na Alemanha é assustadoramente parecido com o Brasil: 

A transformação do jogo de um passatempo um tanto rude, do proletariado e de outros párias sociais, em uma commodity compatível com o mercado de consumo de massa injetou milhões de marcos alemães em um esporte que até então nunca havia sido lucrativo. No entanto, a simplificação deliberada de sua apresentação cobrou um preço muito alto: o modo como o ran exibia a Bundesliga era, em seu cerne, oco. Era o futebol “desfutebolizado”, despreocupado com a forma e voltado apenas para o sucesso. Essa desavergonhada falta de qualquer tentativa de análise séria contribuiu para que os clubes e a seleção nacional ficassem completamente para trás ao longo das décadas seguintes. Não havia nem vocabulário nem estrutura técnica para introspecções.”

É aí que entra mais uma genialidade de Klopp. Depois de pequenas experiências com repórter e comentarista esportivo, o treinador foi convidado, em 2006, para comentar na ZDF, em uma das maiores emissoras de TV da Alemanha, os jogos da Copa do Mundo daquele ano. Houve uma desconfiança inicial dos próprios gestores do canal, que se  baseavam não na capacidade de Klopp, mas na recepção que teria os comentários de um então treinador da segunda divisão. Essa desconfiança, porém, foi contraposta pela admiração imediata de Beckenbauer pelos comentários de Klopp. Nada melhor que a aprovação Der Kaiser, para respaldar um iniciante. E Beckenbauer estava certo, o estilo descontraído, mas ao mesmo tempo cheio de conteúdo sobre o jogo foi bem aceito pelo público que passou a enxergar o futebol com um olhar mais atento. Para além disso, Klopp contribuiu para modificar o olhar que os espectadores alemães tinham do futebol.

“Décadas de um tipo de psicologia de botequim que envolvia pensamentos vagos sobre o nervosismo de um time e a força mental de seus adversários, que era exclusividade dos melhores jogadores, foram colocadas de lado em favor de explicações factuais de pequenos detalhes, tangíveis e prontamente identificáveis, que podiam fazer toda diferença (…) O espectadores se sentiram emancipados. Receberam ferramentas para pensar o futebol de maneira muito menos abstrata. Ao favorecer os pontos de vista mais elaborados em vez de status e experiência a ZDF democratizou o discurso do público a respeito do esporte” (HONINGSTEN,2019 pag. 322 e 323)

Essa transformação dos espectadores foi essencial no processo de reconstrução do futebol alemão. Deu a paciência necessária para a Alemanha repensar seu modo de entender o jogo. Depois da derrota em 2002 para o Brasil, a Alemanha renovou seu elenco. Em 2006 uma jovem geração surpreendeu ao chegar às semifinais, e ser eliminada pela futura campeã Itália, em um daqueles jogos pra ficar na memória de qualquer apreciador do futebol. Na África do Sul, em 2010, também não veio o título, mas com estrutura era questão de tempo. E foi. Não é preciso relembrar 2014, já estamos cansados de ouvir falar no 7×1. É verdade que o 2018 não foi bom para o futebol alemão, mas isso é assunto para outra hora.

O que é preciso refletir, e urgentemente, é o modo como fazemos e assistimos futebol no Brasil. Um país que cada vez mais flerta com a superficialidade das informações não seria diferente no futebol. Vemos cada vez mais noticiários sensacionalistas, programas de debate que criam “falsas polêmicas” para serem consumidas e esquecidas no clique seguinte. Confunde-se a leveza necessária para se tratar o futebol, com o falatório pedante dos programas de fofoca. Algo bem simbólico nesse sentido, foi a recente “junção” da Fox Sports – conhecida por seu modelo sensacionalista de tratar o futebol – com a ESPN. O mais entristecedor é pensar que outrora a ESPN era o reduto de quem pensa o futebol de forma séria. Esse que vos escreve cresceu vendo um politizado Juca Kfouri, um erudito José Trajano e um detalhista Paulo Vinícius Coelho sentados em uma mesma bancada e debatendo o futebol como ele merece. É verdade que esses jornalistas, assim como outros, não deixaram de fazer sua parte, mas parecem ter perdido a batalha: “ Confesso que perdi” como desabafa Juca Kfouri. Sinal dos tempos? Talvez. 

A verdade é que precisamos de mais PVCs, Kfouris, Trajanos. Precisamos de mais seriedade e menos superficialidade para tratar o futebol. E precisamos também de um Jurgen Klopp ou vários deles. Precisamos nos mobilizar para que o futebol seja entendido e apreciado em todas as suas dimensões e para muito além  do falatório atual. É preciso repensar, não só o futebol, mas o país em que se joga esse futebol. 

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Carlos Augusto Magalhães Júnior

Atleticano fanático, licenciado em Educação Física pela Universidade Federal de Lavras, mestre em Educação pela mesma Universidade. Atualmente é professor do IFMG Campus Formiga. Faz parte do GEFUT e coordena o projeto "Desvendando o Futebol " (https://www.instagram.com/desvendando_o_futebol/)

Como citar

MAGALHãES JúNIOR, Carlos Augusto. Precisamos falar sobre Jürgen Klopp. Ludopédio, São Paulo, v. 133, n. 47, 2020.
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