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Longe do povo!

Leandro Ginane 14 de setembro de 2018

A seleção brasileira está há dezesseis anos sem vencer uma Copa do Mundo. Serão vinte anos sem levantar o caneco até a próxima Copa que será realizada no Qatar, em 2022. Desde 1950, o maior tempo que a seleção brasileira ficou sem ganhar um título mundial foi entre 1970 e 1994, quando venceu o tetra nos Estados Unidos.

Os jogadores que ganharam o tetra campeonato sofriam a pressão de vencer um mundial após duas décadas e tinham como sombra seleções que encantaram o mundo, mas não venceram, como o time de 1982 que para muitos foi um dos melhores de todos os tempos. Jogavam o futebol arte, com estilo de jogo que só o brasileiro sabia fazer com maestria, com habilidade e improviso. Curiosamente, para vencer em 1994 a seleção brasileira modificou completamente seu estilo. Rotulada como uma seleção que jogava para não perder, tinha em sua dupla de ataque a única grande esperança de gols. Com grande destaque para o número onze Romário, que foi convocado apenas no último jogo das eliminatórias graças ao clamor popular dos torcedores brasileiros. Na época, dirigentes, opinião pública e a comissão técnica cederam ao desejo do povo.

O tricampeonato mundial e a hegemonia histórica no futebol, impunha àqueles jogadores e à sua comissão técnica o velho bordão: tem que vencer e convencer. Era como se, para ser um legítimo campeão, fosse necessário jogar o futebol mais bonito para encantar o mundo, herança das grandes seleções que tinham Pelé, Garrincha e Tostão como jogadores, uma seleção formada em sua maioria por camisas dez.

O desejo pela hegemonia no futebol, somada a pressão por um título após vinte e quatro anos, resultou na humildade em entender que, para voltar a vencer, seria necessário modificar o estilo de jogo brasileiro, tão aclamado até então. Com um esquema tático que privilegiava a marcação, aliado aos talentos individuais de Bebeto e Romário, a seleção voltaria a se sagrar campeã após duas décadas.

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A seleção brasileira na Copa dos USA em 1994. Foto: Gerência de Memória e Acervo da CBF.

O fato de se tornar campeã mundial pela primeira vez sem Pelé tirou um peso enorme das costas dos jogadores brasileiros; e a leveza de ser a atual campeã fez o futebol brasileiro retornar às suas raízes, conquistando o mundo com títulos e atuações inesquecíveis a partir de então. Após o tetracampeonato, o Brasil participou de mais duas finais de Copa em sequência, em 1998 perdendo para a França e em 2002 quando venceu a Alemanha, se tornando a única seleção pentacampeã mundial. Enfim, a hegemonia estava de volta e com ela a seleção passou a viver então uma espécie de síndrome de vira-latas às avessas, onde seus jogadores ganharam status de astros globais, sendo premiados como os melhores do mundo em 1997, 1998, 2002, 2004, 2005 e 2007.

Inebriados pelo sucesso e com uma postura arrogante que caminhava junto com a certeza de que o hexacampeonato viria no próximo torneio, jogadores e comissão técnica se afastaram do povo e usaram os treinamentos durante a Copa de 2006 como um verdadeiro show de entretenimento.

O resultado foi a eliminação precoce nas quartas de final para a França, algoz do vice-campeonato brasileiro em 1998. Uma grande decepção tomou o país e quatro anos depois, ainda com a arrogância de quem carregava a hegemonia do futebol mundial, a solução adotada foi o isolamento dos jogadores e o fechamento dos treinamentos, que resultaram em forte crítica da opinião pública. Outro fator determinante que reforça a arrogância foi o fato de novamente desconsiderar o clamor popular em 2010, que naquela ocasião pedia Neymar e Ganso na seleção, jovens promessas do futebol brasileiro. O resultado foi uma nova eliminação nas quartas de final, agora para Holanda. A tristeza de uma eliminação precoce nas quartas de final deu lugar rapidamente à euforia pela próxima Copa, que seria novamente realizada no Brasil, sessenta e quatro anos depois. Era a chance de reescrever a triste história da Copa de 1950.

A expectativa pelas transformações realizadas em estádios tradicionais, como o Maracanã, que descaracterizou o Maior Estádio do Mundo para que se tornasse uma arena europeizada para disputa da Copa, a empolgação da população brasileira e a trajetória descendente da CBF diminuíram a importância do trabalho que vinha sendo feito pelas seleções europeias, que evoluíram taticamente e importaram ano após ano os talentos sul-americanos.

A postura paternalista da comissão técnica brasileira, que apostava em palestras motivacionais para vencer um torneio tão competitivo, resultou na eliminação mais vergonhosa da história da seleção, o fatídico 7 a 1 imposto pela Alemanha em pleno Mineirão, na semifinal do torneio. Enfim, a realidade cobrou o seu preço e expôs ao mundo a fragilidade do futebol brasileiro. O clima no país era de terra arrasada, brasileiros choravam pelas ruas, nunca na vitoriosa história da seleção brasileira houve uma derrota tão vergonhosa como aquela. Deveria ser o início de uma renovação, mas não foi.

Sem direção e com seus principais dirigentes investigados pela justiça, a CBF optou pelo mesmo técnico derrotado em 2010, uma espécie de técnico fantoche e sisudo que teria como missão colocar ordem e resgatar a reputação da seleção, que aquela altura não possuía mais a hegemonia do futebol mundial e se tornava motivo de piadas em todo o mundo. Obviamente, não conseguiu. Com uma sequência de resultados ruins, foi substituído pelo nome que era consenso entre a opinião pública. Um profissional com capacidade técnica comprovada pelos seus últimos resultados em clubes e imune às críticas, devido à ótima eloquência e ao ar professoral em suas entrevistas coletivas, que mais pareciam uma palestra. Os primeiros resultados nas eliminatórias da Copa foram surpreendentes e novamente a empolgação tomava conta do país às vésperas da Copa da Rússia 2018. Com o novo professor, o Brasil ascendeu no ranking da FIFA e passou a ocupar a segunda posição, atrás apenas da Alemanha, a atual campeã mundial.

O cenário de euforia e a certeza deram o tom, as entrevistas da comissão técnica explicavam matematicamente cada decisão tática. Enfim, o hexa viria e a hegemonia do futebol era questão de pouco tempo. Mas novamente a seleção foi surpreendida, dessa vez por uma seleção sem tradição que se tornou uma das grandes sensações da Copa da Russia, a Bélgica. Na única derrota em jogos oficiais sob seu comando, o professor unânime entre os especialistas errou. Com uma escalação equivocada e organização tática que desconsiderou o talento adversário, em apenas 45 minutos o jogo já estava liquidado e mais uma vez a seleção brasileira foi eliminada precocemente da Copa do Mundo. Com a eliminação, não veio a busca por um vilão, como é o costume da mídia e do torcedor brasileiro em Copas passadas. O sentimento também não foi de decepção, o que sugere que o discurso pós-derrota do professor apoiado amplamente pela opinião pública foi suficiente para diminuir a dor da perda.

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Após a Copa da Rússia o Brasil fez um amistoso contra El Salvador em Washington. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Em 2022, serão vinte anos sem disputar uma final de Copa. É o momento de voltar a escutar o clamor popular e dar oportunidade a jovens promessas. Mas principalmente: criar um diálogo direto com o povo para não se tornar o reflexo das instituições governamentais brasileiras. Chegou a hora de ser crítico em relação à função do futebol na sociedade brasileira e questionar os discursos elitistas e de autoajuda que tentam esconder a realidade de que o Brasil se tornou um coadjuvante não só no cenário político e econômico mundial, mas também no futebol.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leandro Ginane

Um curioso observador do futebol, nos estádios e nas peladas.

Como citar

GINANE, Leandro. Longe do povo!. Ludopédio, São Paulo, v. 111, n. 14, 2018.
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