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Mais um Brasil x Uruguai na reta final das Eliminatórias FIFA

André Alexandre Guimarães Couto 23 de março de 2017

No texto de hoje gostaria de lembrar o último jogo de Brasil x Uruguai que proporcionou a classificação da seleção brasileira para uma Copa do Mundo de Futebol, tendo em vista que a História pode se repetir já na 13ª rodada.

Tratava-se das Eliminatórias de 1993 para a Copa dos Estados Unidos que ocorreria no ano seguinte. Apesar de o nosso selecionado ter reagido no segundo turno da tabela de classificação, vindo de vitórias contra Equador, Bolívia e Venezuela, o embate final seria contra a seleção do Uruguai que precisava vencer, pois tinha o saldo de gols pior que o do Brasil.

Lembramos que na ocasião, o sistema de classificação era dividido em dois grupos, o do Brasil (com 5 seleções) e que levaria dois selecionados para a Copa e o outro, com 4 seleções, mas que classificaria diretamente uma e levaria uma segunda para a repescagem (na ocasião, a Colômbia se classificaria em primeiro e a Argentina, em segundo). Lembramos ainda que o Chile estava cumprindo uma suspensão de 5 anos de punição pelos episódios ocorridos no Maracanã contra o Brasil em 1989. [1]

Porém, mais do que o destaque do fantasma uruguaio em nosso caminho, no mesmo palco do Estádio Maracanã da final de 1950, a imprensa brasileira ressaltava a convocação de Romário para aquele jogo. [2]

Ausente desde 1992 por declarar publicamente que não queria sair do continente europeu para atuar como reserva na seleção (já que jogava no Barcelona), o jogador fora esquecido pela comissão técnica comandada por Carlos Alberto Parreira e Zagallo. Este episódio fora na ocasião de um amistoso contra a Alemanha, em Porto Alegre. Além da rigidez tática que iria acompanhar o trabalho de Parreira em sua carreira como treinador, a disciplina individual e comportamental seria uma das características de Jorge Lobo Zagallo, Coordenador Técnico daquela equipe.

Em 7 de setembro de 1993, o Jornal dos Sports informava em letras garrafais “Parreira se curva a Romário”, fazendo referência a uma declaração do técnico da seleção sobre a possibilidade do atacante ser convocado para o último jogo.[3]

Apesar de informar que Parreira teria se encantado pelo último jogo de Romário no Barcelona, quando fizera três gols contra o Real Sociedad pelo Campeonato Espanhol, havia uma evidente preocupação em relação às contusões do ataque titular, formado por Bebeto e Müller. Inclusive, no penúltimo jogo, contra a Venezuela, os ataques titulares foram Valdeir e Evair.

Os jornais do Rio de Janeiro e seus vários cronistas e repórteres apresentavam uma campanha positiva mas discreta a favor do atacante do Barcelona (logo após as vitórias seguidas da seleção), e enfatizavam a impaciência da torcida brasileira no jogo contra a Venezuela no Mineirão. De fato, apesar da vitória por 4 x 0, a torcida mineira chegara a vaiar a equipe brasileira, muito em decorrência da “frustração” pois o Brasil tinha batido o time da Bolívia por 6 x 0 em Recife e esperava-se um resultado ainda mais avassalador contra os venezuelanos.

A Folha de S. Paulo, na edição de 1º/08/1993 informava que Parreira precisava vencer a Venezuela para manter seu cargo, revelando que a imprensa de paulista era muito mais ácida e crítica com o treinador do que a imprensa carioca.[4] De modo geral, tanto no Rio, como em São Paulo, com ou sem Romário, a crítica era mais dura em relação ao esquema tático defendido por Parreira, baseado em defender-se primeiro e atacar depois. Esta forma de jogar, aliado ao ótimo desempenho de Romário em terras espanholas tornou-o um forte candidato a herói da classificação.

Se no jogo desta semana, em Montevidéu, não temos um apelo por um “salvador” (já que nos parece que o técnico Tite alcançou esta pecha pela imprensa nacional), no campo da política, temos mais algumas características bem peculiares de nosso país: no ano de 1993, a população brasileira votara em um plebiscito a favor da continuidade do sistema presidencialista de governo, muito menos pela popularidade de Itamar Franco (que substituíra o presidente que sofrera o impeachment, Fernando Collor de Mello) mas, muito mais pela desconfiança de um parlamento pouco inspirador para as mudanças que o Brasil necessitara seja no âmbito social como no da modernização da economia nacional. Sobre este último ponto, lembramos que no ano de 1993, o governo Itamar Franco dedicara parte de seu tempo a controlar o processo inflacionário. Para tanto, apesar do Plano Real ter sido criado no ano seguinte, já em 1993 a moeda tornava-se o cruzeiro real, substituindo o cruzeiro, sem falar no discurso em torno do “corte de despesas”.[5]

Mas, nos chama a atenção o papel das grandes empreiteiras no ambiente político brasileiro. De acordo com o jornal, “(…) A construção civil, por exemplo, pretende contribuir com parte das dívidas que os governos têm com as empreiteiras – as doações serão feitas à medida que elas forem recebendo dos cofres públicos.” [6] E mais: “Outros empresários ameaçam não contribuir nas campanhas se não for criada uma lei que autorize as doações”.[7] Ou seja, o financiamento eleitoral era um dos pontos de destaque no cenário político/eleitoral brasileiro naquele momento.

E, já que tocamos no assunto eleitoral, em 1993 a pesquisa do DataFolha apontava algumas preferências na corrida presidencial de 1994: Lula/PT aparecia em primeiro com 22%, seguido de Paulo Maluf/PPR (15%), Leonel Brizola/PDT (14%), José Sarney/PMDB (9%), Quércia/PMDB (6%), Tasso Gereissati/PSDB (5%) e Antonio Carlos Magalhães/PFL (4%). [8]

A população desconfiada com o cenário político se dividia entre as principais lideranças políticas daquele momento e que já tinham passado pela experiência eleitoral de 1989, sejam da esquerda, sejam de uma direita, por sua vez, mais dispersa e indefinida, como no caso do PMDB (mais uma coincidência?).

Voltando ao assunto de Brasil x Uruguai, com coincidências ou não, naquela ocasião, a seleção nacional vencera bem a chamada “Celeste Olímpica”, pelo placar de 2 x 0 com dois gols de Romário. Apesar do grande destaque (e merecido) pela imprensa à atuação do atacante do Barcelona, vários outros jogadores tiveram belíssimos desempenhos, em todos os setores, como podemos observar nos lances registrados no vídeo abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=ItLIJzqV0f8

Desta forma, a seleção brasileira alcançaria mais uma Copa do Mundo da qual se sagraria campeã no ano seguinte.

Vinte e quatro anos depois, nos perguntamos: e agora, para onde o Brasil irá?

Pergunta difícil…

Referências:

[1] Sobre este episódio, ler o artigo de BALDINI Jr., Wilson. Há 25 anos, um Brasil e Chile que não terminou no Maracanã. Disponível em: <https://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,ha-25-anos-um-brasil-e-chile-que-nao-terminou-no-maracana,1519937;.

[2] Ler o texto “Por que não nos esquecemos de 1950?”.

[3] Parreira se curva a Romário. Jornal dos Sports. 7/09/1993. P. 5.

[4] Parreira depende de Vitória. Folha de S. Paulo. 1º/08/1993. P.1.

[5] Brasil estréia hoje nova moeda e salário. Folha de S. Paulo. 1º/08/1993. P.1-5.

[6] 12 ministros já fazem campanha. Folha de S. Paulo. 1º/08/1993. P. 1

[7] Ibidem.

[8] Presidencialismo vence, Lula e Maluf lideram corrida para 1994. Folha de S. Paulo. 22/04/1993. P. 1.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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André Couto

Professor, historiador, especialista em História do Brasil (UFF) e em Educação Tecnológica (CEFET/RJ) e mestre em História Social (UERJ/FFP). Doutorando em História (UFPR).

Como citar

COUTO, André Alexandre Guimarães. Mais um Brasil x Uruguai na reta final das Eliminatórias FIFA. Ludopédio, São Paulo, v. 93, n. 25, 2017.
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