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Camisas, torcidas e manifestações oficiais: elementos que mantêm vivas as memórias dos Palestras

O surgimento de nossas inquietações a respeito dos símbolos e manifestações oficiais que representam os Palestras de Minas e de São Paulo, o Cruzeiro e Palmeiras, respectivamente, partiu de um lugar de aproximações e distanciamentos. Nossa aproximação foi natural, perceptível pela feliz coincidência de nós duas sermos palestrinas apaixonadas e, por que não, quase sempre adicionarmos uma dose de clubismo em nossas vidas. Afinal, a paixão não se escolhe, e sabemos bem o que nutrir tamanho sentimento por um clube futebolístico significa em nosso país. Diversas são as vezes em que a torcida —e não nos excluímos disso, fecha os olhos e mesmo que o medo e a insegurança do adversário a rodeie, continua acreditando naquela almejada classificação e títulos quando as chances são pouquíssimas e os times limitados. Isso é paixão e, mais ainda, identificação. Torcer para um time também constitui nossas identidades pessoais.

A paixão, presente em todos os torcedores e que extrapola o campo de jogo, uniu nossas inquietações, obrigando-nos a olhar para a história que nos identificamos e partilhamos sempre que é levantada a bandeira de qualquer um dos dois clubes. Nossas manifestações enquanto torcedoras são repletas de significação e sentido, e, sobretudo, são símbolos de histórias poderosas. É inegável o poder exprimido por Cruzeiro e Palmeiras no cenário nacional e suas forças de arregimentar, anualmente e a cada nascimento, mais torcedores. 

A distância entre nossas dúvidas se dá ao encaixarmos ambos os times em seus próprios recortes temporais e espaciais. Apesar da alcunha Palestra, da importância de carregar a italianidade e representar, em parte, a comunidade de italianos em Belo Horizonte e São Paulo no começo do século passado, a mudança forçada de seus elementos principais a partir de 1942 fez a elasticidade entre as diferenças já presentes entre os clubes tornar-se ainda mais discrepante. Tal modificação, apesar de profunda, também trouxe benefícios. A brasilidade adotada estendeu seus seguidores para independente dos segmentos étnicos e identitários. Torcer para Cruzeiro e Palmeiras já não significava estar diretamente vinculado a história italiana. Dentro disso, é natural supor que os Palestras não mantivessem em comum mais do que as origens de suas criações. 

As cores, bandeiras, campanhas lançadas por suas diretorias e a própria identificação de seus torcedores, seus elementos principais, diferem grandemente entre si, mas, em movimentos que aparentam ser cíclicos, são forjados para se conectarem às suas origens, principalmente quando esta aparenta estar adormecida, necessitando de um sopro de vivacidade —que se pretende ser refletido no desempenho dos times. A italianidade é ressaltada. A história é evocada. O Palestra vive mais uma vez. Dentro disso, novamente nos aproximamos. São esses os elementos que dão identidade aos clubes, contam suas histórias e embora seja impossível homogeneizá-los, é possível evidenciar padrões e coerências no que se refere ao resgate da memória.

As camisas, vez ou outra, aludem à bandeira italiana. O vermelho tornou-se cada vez mais presente nos mantos palmeirenses, ainda que como um adorno discreto. Nas paredes do Allianz Parque a frase “Avanti Palestra, sccopia che la vittoria è nostra” foi eternizada, juntamente ao símbolo referente à antiga nomenclatura e as fotos que narram a extensa trajetória do clube paulista. Apesar da atuação mais discreta no que concerne a criação de elementos que fazem referências diretas aos seus primórdios, o Cruzeiro, em 2011, lançou a camisa comemorativa de 90 anos nas cores verde e branco, inspiradas no uniforme palestrino utilizado entre 1921 e 1927.

Em entrevista à TV Bandeirantes após a reforma do antigo estádio Palestra Itália, em 2008, Paulo Nobre, o então vice-presidente do Palmeiras, se manifestou a partir da seguinte frase: “Um time que esquece as suas origens, é um time que esquece a sua história. A origem do Palmeiras é italiana, que enche de orgulho quem é italiano e até quem não é italiano, como eu”. A afirmativa de Paulo Nobre e sua intencionalidade de reviver a antiga expressão se dá justamente em um momento em que, além de enfrentar um jejum de títulos, o clube busca a superação de problemas financeiros. A torcida palmeirense acabou por se apropriar da frase, e desde então, “Avanti, Palestra!” se tornou um grito popular nas arquibancadas dos jogos do Palmeiras.

É um aspecto interessante e, de fato, encontramos essa mentalidade nos discursos dos dirigentes de ambos Palestras, sendo materializada através de ações oficiais. No ano de 2014, quando o Palmeiras ressurgia da Série B do campeonato brasileiro e completava seu primeiro centenário de vida, além de passar por uma gigante reestruturação econômica e política, o nome Palestra foi utilizado irrestritamente, sendo alcunha e símbolo, a cruz de Savóia, tecidos na camisa comemorativa, além da utilização do azul em referência direta a seleção italiana.

Agora, em 2020, os preparativos para o centenário cruzeirense, em 2021, estão a todo vapor. Jogos contra times italianos (ou a própria seleção da Itália) são cogitados, além da imponente iniciativa de criação do Instituto Palestra Itália, um centro histórico-cultural, memorial, essencialmente, sobre a trajetória do Cruzeiro. Na página do Instituto, a seguinte frase: “Em sintonia com o trabalho de pesquisa e divulgação constante do legado histórico, acreditamos que uma entidade escorada pelo passado do Cruzeiro possa também contribuir para a construção do seu futuro.”

Outro elemento muito importante é a própria identificação dos torcedores enquanto não apenas Cruzeirenses e Palmeirenses, mas palestrinos. Uma simples passeada pelas redes sociais nos fez imergir em dezenas de páginas dedicadas à trazer essa memória que não lhes é contemporânea, mas que os clubes fazem questão de narrar. Os torcedores palmeirenses adotam essa dupla personalidade há mais tempo e talvez de forma mais enérgica, e dizemos isso pelo número expressivo de torcedores que seguem e interagem com os grupos palestrinos na internet e pelo já referido grito motivacional das arquibancadas. 

Por outro lado, não podemos esquecer o caso do Cruzeiro. Em 2020, devido a má fase decorrente de uma péssima gestão anterior, a ordem é de criar elementos novos com o ares do passado na tentativa de fazer o torcedor sentir-se mais palestrino do que nunca. 

Aliado a uma brilhante estratégia de marketing, o resgate ao passado tem se mostrado necessário para que haja a rememoração e novamente se sedimente os alicerces responsáveis pela fundação dos clubes. Mas enxergamos que há uma razão ainda mais gritante. O passado e seus mitos auxiliam a construção do futuro (e diria mais, a permanência) desses grandes clubes. Por quê? O que implica e conecta o resgate ao passado, a efervescência das memórias palestrinas e a construção de um futuro esperançoso para ambos?


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Letícia Marcela Ferreira de Oliveira

Graduanda em História pela PUC Minas, membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Memória FC. Acima de tudo, Palmeirense.

Mariana Tavares de Barros

Cruzeirense, graduanda em História pela PUC Minas e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa Memória FC

Como citar

OLIVEIRA, Letícia Marcela Ferreira de; BARROS, Mariana Tavares de. Camisas, torcidas e manifestações oficiais: elementos que mantêm vivas as memórias dos Palestras. Ludopédio, São Paulo, v. 136, n. 65, 2020.
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