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Movido à erva-mate

Bruno Núñez 12 de agosto de 2019

Ilex Paraguariensis, mais conhecida como erva-mate. Chimarrão, mate ou tereré, a infusão e o jeito de beber essa planta ganhou diversas denominações na América do Sul. A origem vem dos povos originários do continente, inicialmente pelos guaranis até chegar aos caingangues, mapuches, charrúas e quíchuas, que consumiam e aproveitavam seus benefícios desde períodos pré-colombianos. Nem as invasões e colonizações europeias terminaram com este ritual, que resiste e cresce a cada dia. As sociedades da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai adotaram — alguns de maneira regional e outros nacionalmente — e industrializaram esse costume. A folha ganhou o mundo e virou peça importante da economia do continente. Em uma pequena cidade argentina, parte desses rendimentos ajudaram a fomentar outra prática popular deste lugar do mundo, o futebol.

Apóstoles é uma pequena cidade argentina de aproximadamente 25 mil habitantes, localizada na província de Misiones, um território espremido pelas fronteiras brasileira e paraguaia. O município é a capital da erva-mate da Argentina. O título não é pouca coisa, já que o país é o principal produtor da planta no mundo, à frente do Brasil e do Paraguai. “A importância desse produto para a cidade é muito grande, já que as empresas exportam para diversas partes do mundo, principalmente Europa e Ásia”, explica Jorge Esteban Fernández, radialista local da FM BAND NEWS 89.7. O lugar abriga várias ervateiras — companhias do setor — e é sede da Festa Nacional e Internacional da Erva-Mate. Lá, Demetrio Hreñuk, filho de imigrantes ucranianos, fundou um negócio dedicada à colheita da Ilex Paraguariensis em 1936. No ano de 1966, ele adquiriu seu primeiro engenho e iniciou a comercialização da erva-mate elaborada, o que marcou o nascimento de uma gigante do segmento, a Rosamonte.

‘’Nene’’ Hreñuk, um apaixonado pelos esportes e responsável pelo império Rosamonte. Ao seu lado, as emblemáticas embalagens da marca. Foto: Divulgação.
Símbolo do Rosamonte. Foto: Reprodução.

O auge do yerbatero (ervateiro, em português), apelido que ganhou por sua relação com a indústria da erva-mate, veio nos anos 90. A equipe de Apóstoles fez parte do Torneo del Interior, na época a terceira divisão do futebol argentino, e ficou perto do acesso para a B Nacional. Na edição de 1994–95, o clube chegou às instâncias decisivas com um grande apoio da empresa e protagonizou duelos épicos no estádio General Manuel Belgrano. O técnico desse elenco era Jorge Maldonado, o capitão do Independiente multicampeão da Copa Libertadores e famoso por eternizar o movimento de saudação com os braços para cima em direção à torcida. Até um brasileiro fazia parte do plantel, Jorge Waldir da Silva, mais conhecido como Jorginho da Silva. O Rosamonte passou por três fases até chegar ao quadrangular final, mas o clube foi superado por apenas três pontos pelo campeão San Martín de San Juan.

O elenco que quase fez história no Torneo del Interior 1994–95. Foto: Reprodução.
O jovem técnico do Rosamonte: Luciano Rodríguez. Foto: Reprodução.

Em 2017, o Rosamonte quase foi rebaixado da Liga Apostoleña. É aí que entra Luciano Rodríguez, nosso guia pela história da equipe. Filho do presidente Juan Carlos Rodríguez, dirigente do clube desde 2007, ele ganhou a oportunidade de treinar o elenco principal com apenas 22 anos de idade. “Eu era da base do time e tinha acabado de me formar como jornalista esportivo. Eu gostava da ideia de ser técnico, conhecia os jogadores, então meu pai me deu essa chance. Deu certo, o plantel foi o campeão de 2018 depois de quatro anos sem títulos. Espero que em 2019 possamos repetir a dose”, afirma. Além de ser o estrategista do yerbatero, o jovem administra um campo de futebol society, um negócio familiar, e também é o responsável pelas redes sociais da agremiação.

Matías Pascua, meio-campista do Rosamonte. Foto: Reprodução.

Mas trabalho e futebol não são distantes para essas pessoas. Pense que depois de passar horas na empresa, os jogadores consumem o principal produto da Rosamonte na hora dos exercícios esportivos. “No vestiário e nos treinos nunca falta o nosso mate e um som com boa música”, diz Pascua. “Aqui se toma quente. Amargo ou doce já é uma questão pessoal”, revela o radialista Jorge Esteban Fernández. O futebol e a Ilex Paraguariensis têm mais semelhanças que imaginamos. Em Apóstoles, esses dois costumes se misturam e não podem ser distinguidos um do outro.

O time campeão em 2018. Foto: Reprodução.

O jogador que leva o clube no apelido

Claudio Daniel González ganhou fama no futebol argentino como atacante. Porém, seu sobrenome vinha acompanhado do apelido ‘’Yerbatero’’, o ervateiro, por onde chegava, seja em Avellaneda, Córdoba ou Calama. Sua alcunha deve-se à sua passagem pelo Club Deportivo Rosamonte, quando ainda não era reconhecido entre os grandes times da elite sul-americana.

Claudio González com a camisa do Yerbatero. Foto: Reprodução.
Yerbatero González no Rosamonte. Foto: Reprodução/Acervo Claudio González.
Yerbatero no Independiente. Foto: Reprodução.

Como ‘’Yerbatero’’ González, o ex-jogador chegou à primeira divisão da Argentina em 2001, aos 25 anos, algo que era muito complicado e raro para um atleta vindo de torneios interioranos. “Na época era difícil. Hoje pelas redes sociais é mais fácil chegar a um clube de elite. Claro que nesse ano eu fui bem. Um dos meus companheiros no Patronato era Gerardo ‘’La Vieja’’ Reinoso, ele me perguntou a idade, de que lugar eu vinha e me fez o contato com Enzo Trossero, o técnico do Independiente. Era um caminho longo do Argentino A até a Primeira, mas superei. No ano que cheguei joguei a Copa Mercosul de 2001. Foi um passo enorme na minha carreira e uma grande satisfação por todo o sacrifício que tinha feito”, conta.

Em Misiones, a Rosamonte patrocinou o clube mais tradicional da região, o Guaraní Antonio Franco, de Posadas. O Crucero del Norte, de Garupá, foi o último time da província a disputar a elite do Campeonato Argentino e contou com a marca apostolenha em sua camisa no ano de 2015. Na vizinha Corrientes, a companhia de ‘’Nene’’ Hreñuk apoiou o Deportivo Mandiyú nos anos 90.

Os times de Misiones e Corrientes patrocinados pela Rosamonte: Guaraní Antonio Franco, Crucero del Norte e Deportivo Mandiyú, respectivamente. Foto: Reprodução.
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Como citar

NúñEZ, Bruno. Movido à erva-mate. Ludopédio, São Paulo, v. 122, n. 13, 2019.
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