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O ditado não dita regras: não ao silêncio, visibilidade é a melhor resposta

Laura Andrade 24 de junho de 2017

Compreender os desdobramentos da esfera esportiva no que diz respeito a igualdade de gênero é tarefa para lá de complexa que por vezes cai na recorrência dos discursos feministas. No entanto, o ditado é claro: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” e por aqui nos estabelecemos na esperança legítima de estreitar o imenso abismo que existe entre o futebol de mulheres e o futebol de homens desde o que se refere a premiação quanto, e principalmente, a cobertura midiática das competições.

Assim exposto, cabe explicitar os acontecimentos mais recentes do mundo do futebol. Ocorreu no último sábado, dia 3 de junho, a final da UEFA Champions League. A partida, disputada entre Juventus e Real Madri, teve como campeão o clube espanhol vencendo por 4×1 com três gols marcados no segundo tempo do embate. O jogo, um festival de belas jogadas e lances incríveis, foi transmitido para mais de 100 países. No Brasil, a transmissão ocorreu também em mais de 300 salas de cinema, iniciativa que teve como principal apoiadora a rede Globo em parceria com CineColor e CineLive que são as maiores distribuidoras de conteúdo via satélite para cinema. Para anunciar a sessão especial da final do campeonato, a Globo produziu um filme convidando o público a participar do evento. Além dos cinemas, a partida foi transmitida em diversos sites em tempo real.

Quando, no entanto, se tenta, no Brasil, assistir ao mesmo evento das mulheres, por exemplo, é necessário muito mais que comparecer ao cinema mais próximo. Sintonizar no canal aberto? A novela da tarde não cede espaço na programação para a transmissão do futebol de mulheres.  As opções disponíveis para o público se limita a plataforma de distribuição Youtube e o canal por assinatura SporTV2, fato que limita, e muito, a divulgação da prática. Se seguirmos a sabedoria dos ditados e lembrarmos que “o que não é visto não é lembrado” nos deparamos com a real ideia de que a falta de visibilidade, seja ela midiática seja por ações que oportunizam à prática do futebol de mulheres é sim motivo e motivação para o preconceito e para a deficiência de suporte financeiro e profissional.

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Quando passamos os olhos pelo quesito a premiação, a quantia oferecida ao vencedor pela UEFA aos homens espanta pela discrepância em relação às mulheres e inclusive a outros campeonatos masculinos fechando um valor de até 57,2 milhões de euros (cerca de R$ 209 milhões). Com um total de 76 clubes participantes, estes ainda recebem um prêmio em dinheiro por vitória (1,5 milhão de euros) e por empate (500 mil euros), podendo ganhar até mais 9 milhões de euros caso vençam todos os seus seis primeiros jogos na fase de grupos.

A premiação é desproporcionalmente maior àquela oferecida pela mesma confederação para mesma competição às mulheres. Com um prêmio de 900 mil a UEFA Women’s Champions League, campeonato europeu de mulheres dos clubes com melhor classificação das ligas nacionais, na última temporada contou com 57 participantes, entre eles Lyon e Paris Saint-Germain que protagonizaram a final no último dia primeiro de junho. O placar da partida terminou em empate no tempo normal e na prorrogação, levando a decisão para os pênaltis com vitória do Lyon por 7 a 6.

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Lance da final entre Lyon e PSG. Foto: Youtube (reprodução).

O incrível é pensar que jogos como esse são fruto de uma formalidade. Numa reunião em Paris, realizada no dia 23 de maio de 2000, o Comitê Executivo da UEFA aceitou a proposta de realizar uma competição europeia feminina de clubes, surgindo, assim, a Taça UEFA Feminina a qual em 2009 tomou os moldes atuais de Champions League.

Ressalto o caráter incredível dos fatos uma vez que a competição de mulheres completa oito temporadas nesse formato e a desigualdade permanece em relação aos homens, ainda por vezes estancada na ideia comercial do esporte. É, portanto, imprescindível que em tempos como os que nos passam que tenhamos a consciência de que igualdade é um condição a ser buscada e que isso pode ser feito inclusive é através da reflexão das disparidades em competições como essas. Apesar do ditado dizer que “às vezes o silêncio é a melhor resposta” temos o dever de falar por nós mesmas, de nos empoderar e fazer alto o grito de justiça.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Laura Andrade

Estudante de Educação Física.

Como citar

ANDRADE, Laura. O ditado não dita regras: não ao silêncio, visibilidade é a melhor resposta. Ludopédio, São Paulo, v. 96, n. 24, 2017.
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