Neymar e Messi foram protagonistas das vitórias de suas equipes no dia 7 de março. Enquanto Messi marcou cinco gols contra o Bayer Leverkusen na goleada por 7 a 1, Neymar marcou três na vitória contra o Internacional por 3 a 1. O que teriam em comum estes jogadores? O que suas trajetórias nos dizem sobre a relação entre talento e treinamento?

Uma diferença entre estes feitos foi o fato de que o de Messi, por ser um jogo entre equipes da Europa, recebeu mais destaque da imprensa internacional, ainda que a mesma também tenha destacado a atuação de Neymar.

Neymar
Neymar em ação pela seleção brasileira disputa a bola com jogador da Bosnia, 28 de fevereiro de 2012. Foto: Mowa Press.

Faz parte do universo esportivo as comparações sobre quem é o melhor ou qual a melhor equipe. Não vou entrar no mérito deste debate, pois ele se resumiria a uma questão de gosto pessoal. Ambos os jogadores são considerados os melhores da atualidade. A partir daí, destaco uma semelhança importante em suas trajetórias: os dois foram preparados deste cedo para a prática do futebol.

Messi treina no Barcelona desde os 13 anos. Neymar treina no Santos desde os 11. Tanto no Brasil quanto na Argentina, a fundação simbólica de seus supostos estilos de jogar futebol destaca os campos de várzea (“potreros” na Argentina) como elemento básico para o surgimento de craques. Não se questiona a imensa maioria que começou na várzea e não chegou ao profissional. Trata-se de um discurso romântico que também costuma destacar a pobreza na infância como o resultado das habilidades fantásticas dos craques, já que tiveram que “driblar” adversidades relacionadas à pobreza. Se esticarmos um pouco mais este discurso, estaríamos então fazendo apologia da pobreza, sob o argumento que ela seria fundamental para continuarmos tendo craques? Soa muito raro.

Messi
Lionel Messi faz no aquecimento o que faz no jogo: só precisa dele e da bola e pouco se importa com os adversários. Foto: RTarluche.

As trajetórias de Messi e Neymar derrubam o mito da várzea. Eles não sabem o que é isso desde cedo. O talento extraordinário dos dois foi trabalhado em seus clubes. Talento faz parte das coisas inexplicáveis. E, quando treinado, supera vários obstáculos, ou como destacou a manchete de O Globo do dia 8 de março, na seção de Esportes, na matéria que narra a vitória do Barcelona: “O céu é o limite para Messi”.

Temos a tendência a “mitificar” no Brasil o talento puro, sem “esforço” – palavra quase sempre usada de forma pejorativa. Geralmente, o aluno que passa em primeiro lugar no vestibular não diz abertamente que estudou muito para alcançar o êxito. É como se o “esforço” fosse desmerecer seu mérito. O mesmo quando falamos de equipes fantásticas como a famosa seleção brasileira de 1970. Ao rememorarmos a conquista de 1970 tendemos a deixar em segundo plano o treinamento ao qual aquela equipe foi submetida. Marco Santoro e Antonio Jorge Soares tratam bem do tema no livro “A Memória da Copa de 70”. Os autores demonstram como as imagens identitárias do futebol brasileiro, que falam de alegria e improvisação, superam as de treinamento e preparação física.

Vejam o que disse o respeitado e saudoso jornalista João Saldanha no clássico “Os Subterrâneos do Futebol”, escrito em 1963, logo após o bicampeonato brasileiro: “Qualquer time de primeira divisão, onde haja profissionalismo na Europa, tem um treinamento de alta categoria. Alguém poderia argumentar que ‘nós é que estamos certos e eles estão errados’. Que nosso espontaneísmo e nossa anarquia é que são bons. A prova é que ‘ganhamos Copas do Mundo pra cima deles’. Isto é absolutamente falso. A anarquia não é forma de desenvolvimento em nenhum setor de atividade humana.” O que seriam Messi e Neymar hoje se não tivessem sido e não continuassem sendo submetidos a um contínuo treinamento? Seus treinamentos desmerecem seus talentos? É claro que não. Muitos podem treinar como eles, mas lhes faltará o talento. Parafraseando a manchete de O Globo citada acima, podemos dizer que talento quando treinado “o céu é o limite”. Até onde podem ir estes dois jogadores fantásticos? Tomara que o talento inigualável de ambos continue brilhando nos gramados e fazendo nosso deleite. E que aprendamos de uma vez por todas que treinamento não antagoniza com o talento. Pelo contrário, é um grande aliado.

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Ronaldo Helal

Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Sociologia - New York University (1986) e doutorado em Sociologia - New York University (1994). É pesquisador 1-C do CNPq, Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006). Em 2017, realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L'Expertise et de la Performance. É professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (2000-2004) e coordenador do projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj (PPGCom/Uerj), tendo sido seu primeiro coordenador (2002-2004).Foi chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da FCS/Uerj diversas vezes e membro eleito do Consultivo da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj por duas vezes. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: futebol, mídia, identidades nacionais, idolatria e cultura brasileira. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (www.comunicacaoeesporte.com) e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte - LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior.

Como citar

HELAL, Ronaldo. Neymar e Messi. Ludopédio, São Paulo, v. 33, n. 6, 2012.
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