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Neymar melhor do mundo ou nossos ídolos ainda são os mesmos?

Carlos Meijueiro 30 de junho de 2021

O menino das chuteiras de ouro do Brasil ainda não foi melhor do mundo da FIFA, mas tem tudo para ser o melhor do mundo no FIFA, jogo de videogame febre no mundo inteiro, que terá sua versão 2018 lançada até o fim do ano, onde o craque brasileiro já figura com a camisa do PSG no trailer publicitário de pré-vendas – tudo indica que a venda dos produtos relacionados à sua imagem só aumentem com os holofotes, tendo o jogo de um time grande mais centrado em seu avatar e seu futebol, diferente do que acompanhamos no Barça, onde o problema muita gente dizia ser a sombra do craque Lionel Messi, que não deixaria o brasileiro alcançar seu melhor futebol para conseguir ultrapassar tanto o argentino quanto o português, que desde 2008 vêm revezando o símbolo de melhor do mundo (da Europa) que as pessoas e a imprensa aqui no brasil tanto valorizam. Estimulado por essa ansiedade, aos 25 anos, Neymar troca um sistema de jogo de equipe por um individualizado em sua pessoa, do jeito que ele prefere.

Neymar dribla e finaliza tão bem, e com tanta frequência e facilidade, que qualquer critica ao seu futebol é acomodada e displicente, tendo em vista que no mano a mano ninguém vê bola, e que hoje, depois do Messi ou já além do Messi, ele é o jogador mais difícil de ser marcado no mundo: pergunte aos zagueiros e laterais.

Tem muito jogador do mesmo nível ou potencial, até mais novos, mas que ainda não são tão lisos e fatais, e estão longe de chamar tanta responsabilidade para si. Serão muitos gols, – dribles perto da linha lateral, em diagonal, cortando pra dentro, bola parada e pelo meio de campo batendo de dentro e de fora da área, – sempre em direção ao gol. Neymar tem um imã com o gol. O Fenômeno tinha muito isso. Uma verticalidade do nosso futebol dos anos 2000, que perdeu aquela cadência pelo meio ao mesmo tempo que ganhou força e velocidade nas laterais, e aí o nosso jogo deu uma evidente homogeneizada, tentando se assemelhar às ordens do mercado europeu e da FIFA. Então entramos numa decadência total do esporte com seu auge no 7×1: começando pela base, passando pela mutação dos clubes-em-presas, a identidade dos nomes e dos sorrisos encaretando os jogadores, o jogo; os pontos corridos tornaram sem graça, o campeonato brasileiro e os estaduais. Já vão mais de 30 anos que os últimos clubes pequenos que eram grandes foram extintos, e os grandes, até hoje, alguns nem tem estádio. Gramado só nos escanteios, estamos acostumados desde criança com a calvície da várzea, é o que temos pelo que parece, tapetinho só em campo militar. Perdemos os estádios públicos, tornaram-se estúdios de futebol americano. A CBF e a Globo transferiram o antigo-público-geral dos estádios para assistir jogo na televisão de casa ou dos bares, e colocou dentro dos estádios e diante das telas o público que tinha medo e difamava as pessoas que iam aos estádios como lugar de marginal, e não de família. Enfim, quem perdeu foi nosso futebol.

Como tudo no Brasil acontece de cima para baixo, no futebol não é diferente, e recomeça agora com o Tite, um estudioso do nosso jogo de futebol brasileiro, reencontrar mais de 10 anos depois a identidade perdida com a despedida da geração fantástica de 90 naquele timaço de 2006, que deixou claro que ficaríamos carentes de ídolos durante um tempo sem medida, por conta da abundância dos anos 70, 80 e 90 inteiros, que as 23 vagas da seleção deixavam em toda escalação de fora, pelo menos, um time titular tão bom quanto o principal. Não é a toa que somos um celeiro de jogadores aposentados de um tempo pra cá: saudade dos nossos ídolos. Principalmente dos que foram embora cedo. Ainda no santos, Neymar teve a oportunidade de jogar contra o Fenômeno no Corinthians, e com Robinho e até com o messias Giovanni em seus retornos depois de aposentados do futebol europeu. Assim como Neymar jogou contra e com Ronaldinho Gaúcho, seu ídolo, que na época defendia ainda o Flamengo.

Já se vão mais de 10 anos desde Kaká melhor do mundo em 2007. Desde lá só dá Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, que já tem 5 premiações, Neymar foi o primeiro brasileiro a aparecer na lista entre os mais votados pra ser melhor do mundo da FIFA, quando ganhou a Libertadores e foi considerado melhor jogador das Américas jogando pelo alvinegro praiano. Neymar é o primeiro craque de uma geração digital. Ele ainda não foi melhor do mundo, mas com certeza já ganhou mais em propaganda que todos nossos melhores do mundo juntos. Desde Beckham revelou-se o poder da imagem no futebol. A disputa das marcas está revelada ali, nos corpos dos jogadores, dos torcedores e de cada espaço midiático do estúdio. De lá pra cá, quanto mais o mundo se digitaliza, mais os jogadores lucram com os produtos das suas imagens. A ver a cor das chuteiras, que de totalmente pretas, hoje atravessam todas as cores possíveis imagináveis e degradées (desde o surgimento da R9 em 98), até chegar ao totalmente branco que se popularizou nos pés do R10, alguns anos depois. Romário só usou chuteiras pretas, Rivaldo chegou a usar chuteiras brancas mas com patrocínio da Mizuno, e Kaká foi primeiro brasileiro frente de patrocínio da Adidas. Neymar sempre foi da Nike, das chuteiras coloridas, da meia no joelho, da munhequeira, da faixa, da cueca, de tudo que possa lhe render dinheiro. Nunca nenhum outro jogador brasileiro deve ter tido tanta circulação publicitária. No fim das contas, o que mantém a competividade do futebol no mundo neoliberal são as apostas, as marcas e os cachês do espetáculo, não mais o jogo, a torcida ou o time.

Os melhores do mundo brasileiros Para quem não lembra, uma pequena viagem digital ao analógico anos 90: o prêmio da FIFA surgiu em 1991 e desde então foram poucos brasileiros consagrados na Europa que chegaram ao título: Romário, Ronaldo (3x), Rivaldo, Ronaldinho (2x) e Kaká. Trata-se de uma premiação simbólica, que consagra jogadores de times europeus que vão bem nas ligas locais, nos campeonatos da UEFA e na Copa do Mundo, todas competições com que a FIFA organiza e lucra. Apesar dos pesares, podemos usar a simbologia dessa premiação pra pensar o futebol brasileiro. Temos a história do nosso futebol contemporâneo traçada nessa constelação premiada pelo futebol internacional.

(Um K no meios dos R’s)

Kaká foi o último brasileiro a ser melhor do mundo em 2007, por isso ele abre a lista, desde então nenhum outro jogador sem ser Messi ou Cristiano Ronaldo levou o prêmio. Kaká apareceu em 2001 em dois jogos contra o Botafogo pela Copa Rio-São Paulo, onde estreou numa partida e foi decisivo marcando gols na outra, seguido de um bom estadual pelo tricolor paulista. Com um estilo de jogo dos anos 90, ainda lento, já demonstrava sua técnica em bom domínio de bola e visão de jogo, assim como nas batidas da entrada da área com o lado de dentro do pé. Jogador bom exemplo, assumidamente envolvido com a igreja evangélica, dizia que se não fosse jogador queria ser pastor. Também pelo bom mocismo e as bochechas rosadas, Kaká era querido pela imprensa e pelas tietes.

No ano seguinte, depois de boas atuações nos campeonatos nacionais, chega à seleção brasileira e à Copa do Mundo de 2002 pela possibilidade do que viria a ser (convocação polêmica pela quantidade de craques deixados de fora da vaga à época). Em 2003 recebe proposta de 12 milhões do Chelsea, mas opta pelo campeonato italiano e o Milan, equipe de muitos brasileiros que tinha acabado de ser campeão europeu. Os italianos pagaram 8,5 milhões ao São Paulo por Kaká. Ficou na Itália até 2009 antes de se transferir ao Real, e nesses anos de Milan ganhou tudo que podia, com espantosa arrancada e finalização com força e precisão nas duas pernas, o brasileiro chegou ao prêmio de melhor do mundo em 2007, aos 25 anos.

Jogador com condição social privilegiada, envolvido com uma diplomacia internacional com a igreja que fez parte, e talvez responsável pelo início dessa onda evangélica no futebol brasileiro que pode ter se afirmado naquele círculo dos jogadores de mãos dadas no meio do campo orando em agradecimento ao título da Copa de 2002. Não era nem um camisa 10 e nem um segundo atacante, era um meia mutante fruto da transição do nosso estilo de jogo dos centros para as linhas. Foi o primeiro desses brasileiros melhores do mundo a sair do time onde jogava no brasil para o time onde seria melhor do mundo na Europa, todos os outros craques passaram por times grandes de ligas menores, como fase de transição e amostra para chegar aos clubes gigantes europeus. Kaká já se beneficia pelo caminho aberto na Europa por jogadores brasileiros que fizeram seu nome por lá ao longo dos anos 90 e começo dos 2000.

Os 4 R’s (de reis)?

 

O baixinho

Romário trouxe raízes do futebol dos anos 70, 80 para os anos 90. Até os 14 jogava bola na rua e no salão. Foi pro teste no Olaria, artilheiro de tudo, em um ano foi levado pro Vasco da Gama. Onde depois de ser artilheiro de tudo novamente chega ao profissional em 85, aos 19 anos. Logo no ano seguinte mete mais gol que seu companheiro de ataque Roberto Dinamite, e segue se destacando até 88, quando chega a seleção, e é vendido para o PSV da Holanda por 5 milhões de dólares – já nesse ano, aos 22 anos, assim como rei Pelé tinha feito, o baixinho anunciou que faria mais de 1000 gols em sua carreira. Ficou 5 anos na Holanda, onde levou o PSV a várias conquistas na época, e se tornando artilheiro de várias competições que disputou, até se transferir pro Barcelona por 4,5 milhões.

Romário é o primeiro brasileiro a se destacar com a camisa do Barça nos anos 90 (depois de Evaristo de Macedo que tinha passado por lá entre a década de 50 e 60), onde atua apenas um ano, sabendo-se que depois do destaque da copa de 94 o brasileiro queria voltar para o brasil. Em 1995, o flamengo junto de várias empresas trouxeram o baixinho de volta ao brasil pelo mesmo preço pago ao PSV pelo Barça. Nessa jogada de marketing Romário, então com 29 anos, se tornou o único brasileiro a ser considerado melhor do mundo jogando por um time do brasil.

Romário além de sem igual dentro da área e na finalização, desses todos foi o melhor do mundo que mais vimos jogar, e vimos tanto mais tanto, que ele jogou até 40 anos nos gramados brasileiros, defendendo camisas dos times do rio de janeiro. Sempre visto nas redes de futevôlei da praia da barra, Romário foi o único desses melhores do mundo que teve presença na vida da cidade, fato que fazia com que fosse perseguido pela imprensa em suas horas de praia e festa. Popularidade que no últimos anos o levou a ser um dos políticos mais votados do brasil.

O fenômeno

Aos 14 anos, Ronaldo foi comprado ainda nas bases do São Cristovão por 7.500 dólares por empresários brasileiros. Depois de tentativas de negócio fracassadas com São Paulo, Flamengo e Botafogo, o jogador foi comprado pelo craque Jairzinho por 10 mil dólares, e logo em seguida vendido ao cruzeiro, onde estreia em 1993, aos 16 anos. Já tinha sua média de quase um gol por jogo e muito mais perigo com arrancadas, dribles e gols. O fenômeno estreou em rede nacional no dia da independência no mesmo ano. Em 5 meses a Internazionale ofereceu 500 mil dólares que não foram aceitos pelo time mineiro. Antes da copa de 94 e do campeonato brasileiro do ano, Ronaldo foi vendido por 6 milhões de dólares ao PSV da Holanda.

Depois disso todo mundo sabe como foi. Foi por 20 milhões para o Barça em 96 de onde partiria logo no ano seguinte por conta de aumento de salários, para a Internazionale de Milão por 36 milhões. Levou o título de melhor do mundo em 96 e 97. Foi uma chuva de dribles, gols e artilharias. Zagueiros e goleiros caídos no chão. Tinha um estilo de jogo diferente do de Romário, com a bola mais perto dos pés, cabeça um pouco mais baixa, arrancada impressionante e muitas pedaladas. É o surgimento das pedaladas enquanto finta mais usada do futebol. Foi com 18 anos pra copa de 94 mas sem vaga diante da concorrência, em 96 e 97, ainda com idade olímpica, já era melhor do mundo seguidas vezes pelo que jogou no Barcelona e no início de temporada em Milão antes de se machucar pela primeira vez. Retornou como a fênix em 2002, com 26 anos, levando novamente o título de melhor do mundo por boas apresentações na seleção e no Real Madrid, artilheiro daquela Copa em que o Brasil levou seu último título.

O canhoto

Rivaldo assina seu primeiro contrato profissional em 91, aos 19 anos, com o Santa Cruz. No ano seguinte é trocado por 5 jogadores e vai pro Mogi Mirim, que no ano seguinte empresta o jogador ao Corinthians, mesmo se destacando o clube não quis contratar definitivamente o jogador, que em 94 se transferiu do Mogi para o Palmeiras da Parmalat por 2,4 milhões. No verdão fez seu nome e apresentou sua canhotinha. Em 96 partia por 10 milhões para o Deportivo La Coruña, para substituir brasileiro Bebeto que voltava ao Brasil na época para defender o Flamengo.

Após um ano de sucesso na equipe é comprado pelo Barça por 26,7 milhões, para substituir Ronaldinho. Logo no primeiro ano, 1998, Rivaldo consegue o título espanhol que não vinha para a Catalunha já fazia 3 anos na época. Depois de inesquecíveis atuações e jogadas antológicas, levou o prêmio em 1999 pelo Barcelona, então com 27 anos, encantando o mundo com sua perna esquerda que fazia gols do meio do campo e de bicicleta. Muito lembrado por não desenvolver bem na seleção até surpreender todo mundo com suas chuteiras brancas de couro de canguru da Copa de 2002. É bom lembrar que, do brasileiros melhores do mundo, Rivaldo foi o mais calado e o menos comercializado: o único que não teve patrocínio da Nike e também não fez tantos anúncios. Deve ter sido o que menos lucrou com a sua imagem, tendo em vista que Romário foi o primeiro deles, e nesse pouco tempo o futebol mudou muito, mas mesmo assim lucrou com sua popularidade até na política (assim como outros).

Dentuço e cabeludo

Ronaldinho Gaúcho surgiu aos 18 anos, na virada do século, de 98 a 2001 jogou no Grêmio. Camisa de mangas largas, com futebol sorridente como era a moda dos craques dos anos 90 no Brasil. Foi o mais meia desses que foram melhores do mundo, o menos atacante e o mais camisa 10 deles (gol, bola parada, assistência, domínio, fazer o time jogar, visão de jogo, técnica e habilidade). Ficou falado depois de bagunçar o Dunga nos Grenais e no golaço com direito a chapéu na estreia com a seleção. Esse surgimento no ocaso dos anos 90, com um imaginário futebolístico inspirado no jogo e nos jogadores da década de 80, virando pros 90, mas já com dribles e jogadas que apontavam para o futuro do futebol brasileiro. Por isso algumas diferenças que já não são mais possíveis no futebol moderno: ser camisa 10 (da cobrança de falta decisiva a sumir do jogo por não receber uma bola caçado pelo cabeça de área, fatal na visão de jogo, técnica rara, jogador de time sem sistema tático) e não gostar de treinar.

Nesse período de surgimento, ainda franzino, de cabelos curtos e usando chuteiras pretas, chamou a atenção por conta dos dribles inovadores (caneta, elástico, balão) e malandros no estilo Ronaldo Fenômeno, acompanhado de uma perna direita cheia de técnica e habilidade tanto para o drible, a finalização, a assistência e a bola parada. Quanto a personalidade e estilo de jogo, já eram evidentes seus cacoetes clássicos de bater na bola cheio de efeito com o lado de dentro do pé, e seu jeito de correr com ombros ligeiramente curvados para baixo.

Por 12 milhões saiu do Grêmio, chegou ao PSG em 2001, aos 21 anos, ainda franzino, cabelos curtos, usando a camisa 21 sob patrocínio da Nike, assim como a chuteira ainda preta. Luzes e holofotes davam o tom espetacular, mas não era sempre que dava pra assistir jogo do PSG no Brasil, então era um fragmento ou outro que pintava na TV ou no youtube mostrando um golaço ou um drible maravilhoso. Muita gente acha que ele jogou muito por lá por conta dos vídeos no youtube, mas não é o que muita gente diz, revelando que a experiência foi cheia de altos e baixos, e que o brasileiro além de não ser muito chegado a treinar, tinha muitos problemas por conta da vida noturna em Paris. Foi um período de transição importante e de evidente evolução no porte físico: ganhou peso e apresentou uma arrancada fulminante, soltou os cabelos, começou a tocar a bola para um lado e virar a cara para o outro e as chuteiras ganharam cores, até chegar a camisa 10 do time e 11 da seleção da Copa de 2002, aí: o gol de falta, a habilidade, o título e em seguida Barcelona, apesar de quase Manchester, Real, Chelsea e outros clubes gigantes que lhe ofereceram mais de 20 milhões pra sair do PSG, que aceitou mesmo foi os 33,6 milhões oferecidos pelo Barça assim que voltou da Copa. Na Copa, Ronaldinho apresentou uma nova fase do seu futebol, uma habilidade fora do normal, as chuteiras ainda pretas mas já sapatilhas, e os cabelos já crescidos, mas ainda em evolução como seu futebol.

Foi o último melhor do mundo brasileiro a passar por fase de transição num time europeu de “menor expressão” lembrando de Romário e Ronaldo que passaram pelo PSV da Holanda (vendiam camisas falsificadas do PSV no RJ) e de Rivaldo, que passou pelo La Coruña antes de ir ao Barcelona ser melhor do mundo. Ronaldinho foi do tempo em que o Brasil tinha pelo menos 3 camisas 10 craques (por exemplo, em 2000: Rivaldo, Alex, Djalminha, Juninho Paulista).

Na estreia pelo Barcelona já vemos um novo jogador, mais forte, inteligente e veloz. Saindo da ponta esquerda e atravessando o meio de campo, referência no toque de bola em triangulação e conseguindo o tão esperado – e jamais reconquistado – espaço no meio de campo pra poder enxergar o jogo e decidir pelo passe curto, inversão de jogo ou entortar algum adversário. Espaço jamais reconquistado no sentido de que depois dessa experiência no Barcelona, onde ele além de todo o preparo físico e excelência técnica, foi no trabalho com Rijkaard que se deu a alquimia futebolística do brasileiro, que teve uma ideia muito importante para a carreira do gaúcho: sendo evidente a dificuldade que o jogador tem de encontrar espaço para armar ou atacar pelo meio de campo, ainda correndo risco de se perder no meio de gente, o técnico holandês trouxe o jogador brasileiro para junto da linha lateral, forjando um meia-ponta esquerda, consagrando então essa posição-jeito de jogar moderno, de 4-3-3 com pontas que cruzam menos do que cortam pra dentro e arriscam a finalização.

E nesse jeito de jogar, encostado à linha do campo para não se perder e com contenção às suas costas na cobertura, o Barcelona jogou muita bola, muitas saídas de bola consistiam em lançamentos do Puyol lá de trás, e do Xavi em outro momento para o lado esquerdo do campo onde o brasileiro dificilmente não dominava a bola com graça e agressividade pra cima dos espanhóis. Ronaldinho, na saúde dos seus 25 anos, levou dois títulos de melhor do mundo, e na sua conturbada ou até precipitada saída, ele passou o bastão para o surgimento de Lionel Messi, então com 16 anos. Precipitada porque faz imaginar que ele teria jogado um melhor futebol com o Guardiola, do que com o Milan no seu começo de decadência berlusconiana, sem pensar senão seria ele a disputar esses últimos 10 anos de bola de ouro travados entre o português e o argentino. (O brasileiro Kaká ganhou em 2007 o prêmio de melhor do mundo já seguido pelos dois)

O futuro melhor do mundo brasileiro

Neymar acompanha o filão que vem desde Kaká e Robinho (que também desejou ser melhor do mundo) que foram direto para Milan e Real Madrid no início da primeira década. Aos 11 anos (2002) chegou ao Santos, aos 13 dava entrevista e já depositavam nele o vazio que anunciava o nosso futebol, anunciando-o já então como futuro melhor do mundo brasileiro. Aos 14 viajou para Espanha, fez estágio no Real, passou nos testes, mas o clube madrilenho não quis pagar mais que os 1 milhão de reais pagos pelo Santos para que o garoto ainda não saísse da vila. Aos 15 ganhava 10 mil reais, aos 16 ganhava 25 mil. Com 17 os primeiros patrocínios e a estreia como jogador profissional em 2009. Desde seu surgimento esbanjou leveza, muita habilidade, muita velocidade e ótima finalização. Deixando claro também ser um fominha de marca registrada, que não gosta de sair de campo e peita treinadores. Jogou no Brasil até 2013, quando foi vendido aos 21 anos para o Barça por cerca de 90 milhões mal declarados.

De cabelos espetados ou com moicano, Neymar foi o ídolo que mais influenciou os jovens com seu jeito de ser e jogar, de chuteiras coloridas, munhequeiras, meias no joelho a la Henry, dribles, selfies, dribles, dribles e muita individualidade. Nunca nenhum outro jogador foi tão paparicado e perseguido pela imprensa quanto Neymar. No Barcelona meteu mais de 100 gols, ultrapassando Ronaldo, Ronaldinho e Romário, ficando atrás de Rivaldo e Evaristo. Quanto aos títulos, ganhou tudo que podia junto à equipe catalã. Em 2017, Neymar vinha com sua menor média de gols pelo clube espanhol, apesar disso sendo evidente sua evolução na marcação e na cobertura dos companheiros.

Não obstante a qualquer critica, Neymar correspondeu a todas expectativas com resultados e performances brilhantes. Adorado pela imprensa brasileira que desde a sua negociação com o Barcelona começaria a contar os dedos para que fosse o quanto antes melhor do mundo. Até agora esse não foi o caso: o brasileiro preferiu o Barça ao Real, desejando não só a hegemonia da equipe catalã que à época dominava a Europa, mas como já desejava ser melhor do mundo, e não tinha time no mundo mais ofensivo e de futebol bonito que o Barça naquele tempo. Mas a saída de Neymar, além de revelar um desempenho mais baixo em relação aos gols, a atual hegemonia do Real de Zidane e Cristiano também deve ter sido crucial para o Barcelona decidir mudar seu elenco e seu jeito de jogar, decidindo aceitar vender um jogador tão fatal quanto o brasileiro.

Recomeço?

O Barça vai recomeçar sua organização ou vai amargar uma decadência já experimentada anos atrás entre a transição de seus últimos craques brasileiros (imagina quando Messi ou Iniesta saírem?). Quem sabe esse também não é o recomeço do Neymar na Europa? Depois de toda ansiedade da nossa imprensa e dos amantes de futebol no seu surgimento, das impaciências do jogador em relação a equipe, da trágica Copa do Mundo. Quem sabe agora, ainda com 25 anos e jogador mais caro do mundo para acalmar seu ego, cercado de brasileiros e longe de um sistema de jogo engajado coletivamente, o brasileiro não chame mais pra si os holofotes e a decisão dos jogos. – vale lembrar que o craque Ibrahimovic também não se familiarizou com o jeito de jogar do time catalão, e por acaso, se transferiu para o PSG na época, onde jogou até sair para o United.

A liga francesa não é inferior à espanhola. É muito diferente. Essencialmente a mais africana das ligas europeias, Neymar vai encarar adversários mais fortes e velozes pelos lados do campo. A seleção e a liga francesa também sentiram o peso da sua geração de ouro campeã em 98, e vem se recuperando agora com novos nomes como Pogba, Dembele, Mbappe, que faz pensar que logo mais teremos novamente um jogador negro melhor do mundo, o que significa que o futebol está evoluindo de novo, sendo jogado no seu nível máximo de alegria e habilidade.

O time atual do PSG as vezes lembra o time do Barça de gaúcho por conta da composição de meio de campo e nas laterais, trazendo figuras como Daniel Alves e Thiago Motta que lembram o time catalão. Nesse sentido Neymar vai lembrar de novo gaúcho pelo jeito de jogar igual no Barcelona, vindo da esquerda pra direita. É evidente que o time está jogando em função de Neymar, e que esse está com toda a disposição de fazer jus às novas responsabilidades e a nova função social de jogador mais caro da história. Muitos jovens vem surgindo mostrando bom futebol na Europa, na África e na América Latina. Neymar tem tudo para ser o melhor do mundo ano que vem caso mantenha bom desempenho nos campeonatos europeus, e principalmente caso seja campeão do mundo com a seleção brasileira na Copa de 2018.

Rabo de cavalo solto ou moicano alisado

Caminhos contrários e semelhanças cruzadas. Assim como Neymar, Ronaldinho também é agenciado por um familiar. Pai e irmão respectivamente. Ambos foram acusados em seus períodos por Barcelona e Paris por problemas envolvendo contrato e grana em suas transferências. Não há novidade pois outros brasileiros também tiveram problemas envolvendo Barcelona e dinheiro. Apesar do futebol remeter muito a cifras milionárias e política, como no caso da contratação do Neymar ao PSG pelo bilionário do Qatar por 222 milhões de euros, quase um bilhão de reais nos números, simbolizando uma mensagem do governo do Qatar ao mundo: não estamos em embargo econômico nenhum, temos o jogador mais caro da história. Futebol é política, por mais que não gostem de analisa-lo em sua importância para conhecimento da geopolítica do mercado financeiro internacional.

Queria destacar com essa aproximação invertida (PSG x Barça, Barça x PSG) que existe uma diferença entre os dois: Neymar parece só pensar nele mesmo, o que não é um problema, futebol é um jogo que se decide em muitos egoísmos também, por exemplo Romário nunca foi um jogador coletivo e sempre se destacou no jogo; Fenômeno também não era muito de tabelas. Já Ronaldinho parece esquecer dele mesmo, e viver o jogo, no que tem possível de alegria pro jogo, isso pode variar de um passe de prima ou um chute do meio da rua a um lançamento de mais de 50 metros redondo no pé de um companheiro, ou aquelas matadas de bola maravilhosas. A principal diferença entre os dois, acaba por ser o sorriso sincero que refletia a sinceridade de criança do jogo do gaúcho, que como o mestre dos magos desaparecia do quadro, pra surgir matando uma bola despencando igual um pião do céu, e estaciona-la com carinho ainda girando ao lado das chuteiras brancas. Apesar de toda a graça individual, o brilho das escolhas das jogadas era em prol coletivo e não de selfie, de autopromoção de si mesmo, sem importar a equipe como faz o jogador dos moicanos e chuteiras coloridas.

Neymar escancaradamente só joga pra ele mesmo, e quando não vê saídas pra seguir no seu neoliberalismo futebolístico, ele decide soltar a bola, e volta e meia dá uma assistência pra alguém na cara do gol, ou um passe maravilhoso, usando da melhor forma sua habilidade e inteligência rápidas. Quem não vive de assistir fragmentos em vídeos, e sim jogos completos, sabe que o Neymar insiste na jogada individual em quase todas, não solta a pelota para tabela com jogadores livres que estão próximos e em condição de receber a bola, e nessa individualidade que só aumenta desde o Santos, mais claro ainda na seleção, e que fica evidente diante da coletividade do Barça. No PSG parece que ele não vai fazer diferente, e sendo assim o jogador perde muitas bolas insistindo nas jogadas individuais e por vezes até oferecendo contra-ataques ao time adversário. Ele vai continuar driblando todo mundo e metendo muitos gols, mas futebol envolve ainda mais do que 10 pessoas no time, e para chegar a ser melhor do mundo, talvez ele tenha que aprender a jogar junto, pra poder se preservar fisicamente e ser mais decisivo quando estiver sozinho em condições de acabar com alguma partida.

O futebol show x o futebol selfie

Ronaldinho inventou o futebolshow? Alguma coisa que surge com os elásticos de Romário, se amplia com as arrancadas e pedaladas do Fenômeno, se amplia a gama de dribles para as linhas com o Denilson – novas jogadas mas sem gol -, ganha leveza com o peso dos dribles de Robinho (mas ainda sem finalização), e que ganha forma com o Ronaldinho Gaúcho, que aparece com destaque nas bases em 97, sobe em 98 e joga até 2001 nos campeonatos do brasil e sulamericanos esse futebol que já se queria lá pelas bandas do lado esquerdo mas que se forjava na posição de 10 pelo meio, onde ele sempre se criou e se perdeu, indo e voltando, aparecendo e sumindo, sempre indiscutível quando com a bola nos pés. Ampliando seu estilo de jogo quando enquadrado num 4-3-3 europeu, primeiro no PSG ainda muito inconstante e treinando pouco, depois espetacular e retumbante, fazendo revolução no jogo, quando concentrado em seu futebol no Barcelona.

Depois consagrado e para sempre marcado na história do futebol pelo que fez no Barcelona, quando assumiu jogar da linha para o meio ou para dentro, e depois para o meio em direção ao gol. Quando fez a alquimia de unir sua técnica, sorriso e habilidade ao jogo funcional e sistemático de toque de bola e movimentação, treinado em base no Barça. Nessa época em que Messi surgiu e se criou pelo outro lado, assistindo Ronaldinho. Enquanto na Inglaterra o português Cristiano Ronaldo que também assistia ele, começava a se destacar pelos seus dribles exuberantes “inspirados nos brasileiros” pelas laterais do campo em alta velocidade e midiatividade, levando o Manchester United a conquistas antes de se transferir para Madrid. Esse futebolshow se desenvolve e consagra no mundo inteiro acompanhado pela evolução das mídias de propaganda e games relacionadas ao esporte que mais circula dinheiro no mundo.

É importante falar do Denilson, porque ele praticamente inventou essa posição de ponta nos tempos modernos da seleção brasileira, em seguida Robinho e depois Neymar. A verdade é que aqui no Brasil, atacante perto das linhas laterais jogando como ponta (apesar do Fenômeno ir buscar muito jogo-espaço por ali), é coisa da virada dos 2000 pra cá: dá pra lembrar do Robinho com suas chuteiras prateadas dando dribles colados à linha lateral esquerda, onde Neymar treina desde que surgiu para ser o novo menino da vila e futuro melhor do mundo.

Neymar talvez tenha inventado o futebol selfie, individualizado e midiático, um futebol jogado pensando os hiperlinks entre a realidade do jogo e a virtual, onde uma lambreta bem filmada tem mais valor do que o gol do companheiro de time ou da derrota da própria equipe, afinal, quem investe quer saber de lucros, imagens e desigualdades.

Neymar
Neymar durante a partida da Seleção Brasileira contra o Uruguai no Emirates Stadium em Londres. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Futuro melhor do mundo ou nossos ídolos que ainda são os mesmos?

É triste pensar que deixamos de ver diante dos olhos, nos estádios cada vez mais caros, tantos craques que foram virar milionários mundo a fora. Não precisa nem pensar muito pra saber que o Brasil teria a melhor liga de futebol do mundo caso não tivesse deixado nenhum jogador sair, e teria recebido em seus gramados os africanos e europeus talentosos, criando assim uma cultura que privilegiasse a América latina e o Brasil: os nossos clubes, a nossa base, a nossa liga, os nossos campeonatos mata-mata, os nossos jogadores, os nossos estádios, o nosso público e nosso dinheiro.

Mas fizeram o contrário: cada vez mais cedo nossos melhores jogadores se vão, sem nem jogarem pelo profissional no Brasil, jogando no máximo um ou dois anos, e partindo direto para a Europa: Gabriel Jesus, Vinicius Jr.; como aconteceu com Philipe Coutinho, William, Oscar e outros que só escutamos falar quando se tornam titulares de times gigantes europeus como Deco, Daniel Alves, Thiago Motta e tantos outros que mal jogaram ou tiverem espaço no futebol brasileiro, e que voltam aos nossos gramados quando se aposentam na Europa. Nossa liga é um celeiro de jogadores aposentados que adoraríamos ter visto jogar por aqui desde que surgiram ainda novos, e que quando não tem mais mercado lá fora, voltam ao brasil para continuar a ser milionário aqui, ganhando um salário mais alto as vezes do que a soma dos salários da equipe inteira, e desviando o investimento que deveria ser feito na base e na preservação do futuro desses nossos futuros craques que eles foram um dia.

Se o Neymar custaria 1 bilhão se não tivesse saído do Santos ou se merece ser melhor do mundo ou se ele joga mais que esses outros jogadores que receberam o prêmio, é o menos importante que se tem pra fazer. Se não merecesse não estaria lá. Pouco importa se ele vai ser melhor do mundo da Europa se ele já está entre os melhores da história do nosso futebol. O futebol europeu tem que agradecer ao Brasil e as suas várias outras colônias que quase sempre produziram os melhores desse jogo.

O brasileiro (ou a imprensa nacional) quer tanto, mais tanto, que o Neymar seja melhor do mundo, que acabou nesse tempo esquecendo de valorizar quem bateu todos os recordes do futebol mundial envolvendo gols, times, seleção brasileira e títulos de melhor do mundo: Marta. Se o assunto é futebol, os números da brasileira são indiscutíveis e espantosos, deixando claro o diferente valor de mercado entre homens e mulheres.

Marta iniciou a carreira profissional em 2000, aos 14 anos no Vasco da Gama, e transferindo aos 16 para o Santa Cruz de Minas, e depois aos 18 para o Umea Ik da Suécia. Desde que chegou por lá em 2004, ela figurou entre as melhores do mundo até 2016, quando seu nome não foi citado pela 1° vez na disputa. Foi considerada melhor do mundo no futebol em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2013. Ganhou títulos e várias artilharias defendendo clubes do Brasil, dos EUA e da Suécia. Fez muitos golaços com sua inigualável perna esquerda. Arrastou e levantou torcidas lotadas de mulheres, homens e crianças nos  jogos que disputou em campos e competições no Brasil. Se tornou diante dos olhos de todo mundo a maior artilheira da história da seleção brasileira, com mais de 100 gols, superando até os 95 gols do lendário rei Pelé. E o que vimos da sua imagem na mídia? Na propaganda? Marta não deve ter recebido durante todos os anos de sua carreira o que Neymar recebeu pelo primeiro mês de trabalho no clube francês. No mundo do futebol o que menos importa é o jogo. Se não esperássemos por outro rei, talvez tivéssemos admirado melhor o futebol da nossa rainha.

 

Referências videográficas

https://www.youtube.com/watch?v=8R1y2fgUcic

https://www.youtube.com/watch?v=1RWyZjOXfJU

https://www.youtube.com/watch?v=qSI7sdlnYAQ

https://www.youtube.com/watch?v=CiOU-UGJpSQ&t=4s

https://www.youtube.com/watch?v=Jw49wEEktOU

https://www.youtube.com/watch?v=daCYrTpHDgU

https://www.youtube.com/watch?v=Hl_qOnraT2A

https://www.youtube.com/watch?v=qOSn8HTF7Hg

https://www.youtube.com/watch?v=RJ4-6fyEdM4

https://www.youtube.com/watch?v=9Q1SW2jspqg

https://www.youtube.com/watch?v=PDbYRtlxXqE

https://www.youtube.com/watch?v=VzoqOOym-h8&t=42s

https://www.youtube.com/watch?v=nIPGMIebRC0

https://www.youtube.com/watch?v=csAMuBrmq6

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Como citar

MEIJUEIRO, Carlos. Neymar melhor do mundo ou nossos ídolos ainda são os mesmos?. Ludopédio, São Paulo, v. 144, n. 39, 2021.
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