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No “país do futebol”, se dá bola para as mulheres?

Mayara Maia 19 de setembro de 2016

Em Atenas, na Grécia de 1896, ocorreu a primeira realização dos Jogos Olímpicos Modernos que contou apenas com as provas de atletismo, esgrima, luta livre, ginástica, halterofilismo, ciclismo, natação e tênis. O futebol já surge nos Jogos Olímpicos seguintes, em 1900. Mas, ainda como esporte de exibição nos Jogos Olímpicos de Paris e apenas na categoria masculina. Entrando, a partir de 1908, para o grupo dos esportes oficiais do quadro olímpico. Desde então, vem como prática esportiva que superou a fase de desconhecimento e adaptação, a fase amadora inicial e conta na atualidade com a participação de grandes nomes do futebol profissional do mundo. Apesar do grande histórico de conquistas do futebol masculino para o Brasil em diferentes eventos esportivos, o tão sonhado ouro olímpico chega para os jogadores brasileiros agora, em agosto de 2016, nos Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro. Já o futebol feminino não encontrou tais facilidades de se inserir nesse evento, alcançando seu ingresso tardiamente apenas em 1996. Diferente dos avanços cronológicos que a história do futebol masculino do Brasil já alcançou e se revela através da atual rede econômica e profissional dos envolvidos no esporte, o futebol feminino pelo Brasil ainda engatinha lentamente em seu processo de obtenção de investimento, apoio e reconhecimento antes nacional a nível profissional para as suas atletas.

A cada ano olímpico, ao futebol masculino, a torcida brasileira parece esperar nada menos de seus jogadores representantes do que a medalha de ouro para oferecer aos seus apaixonados a identidade de “país do futebol”, inspirada por pensamentos do identitário social norteados pela compreensão de um futebol brasileiro enriquecido por “dons” que só os brasileiros possuem. Já para a categoria feminina, o futebol se apresenta a cada Jogos Olímpicos, por sua visibilidade internacional, como um espaço de busca da seleção brasileira e de seus apaixonados por uma medalha capaz de possivelmente trazer maiores valorizações profissionais para as jogadoras de futebol do Brasil. A seleção feminina do Brasil experimentou chegar a finais do evento em Atenas (2004) e em Pequim (2008), mas ainda não alcançou o tão sonhado ouro olímpico, ficando em quarto lugar no Rio de Janeiro (2016). Apesar dessa classificação, há muito do que se discutir sobre o fazer histórico do futebol feminino do Brasil que vem atualmente ganhando conhecimento maior sobre suas instabilidades e que reforçaram midiaticamente, o que os estudiosos da área já sabem, a necessidade crescente de maiores investimentos nesse esporte na categoria feminina.

Jogadoras brasileiras de futebol
Jogadoras de futebol feminino no Brasil. Foto: Ministério do Esporte.

Para quem acompanhou os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ficou notório uma repercussão diferente para as mulheres atletas de maneira geral na mídia brasileira, por sua visibilidade midiática ter sido potencializada principalmente pelas diversas redes sociais e de maneira cada vez mais crítica almejando uma exibição que enfatizasse mais a história e a performance das atletas do que seus padrões de beleza. As Olimpíadas, desde a entrada das mulheres na competição, apareciam como espaço para as mulheres que vai além do caráter competitivo, servindo de lugar de luta social e política por afirmação no mundo esportivo. Os Jogos de Londres em 2012 entraram para a história, entre vários motivos, por terem contemplado o maior número de representação de mulheres na competição e pela presença delas em todos os esportes possíveis, além dos números melhores nos resultados de participação das mulheres brasileiras. Agora em 2016, estes Jogos realizados em nosso país conseguiram um aumento de divulgação da imagem da atleta, utilizando os avanços dos percursos comunicacionais e midiáticos de livre acesso como vitrines para o mundo que exibiram a existência das capacidades das mulheres esportivas e o seu pertencimento nesse terreno culturalmente ainda perpetuado de desconfianças e desvalorização como nunca aconteceu antes. Mas, após o evento de porte mundial e apesar de toda essa conquista de reconhecimento momentâneo para as atletas do Brasil, os silêncios sobre o futebol feminino do Brasil vem retornando. Parece que elas só mereciam ganhar apoio se alcançassem o ouro.

A derrota da nossa seleção feminina no jogo contra a equipe do Canadá, no dia 14 de agosto, expressada no rosto e nas falas da Marta, jogadora profissional de futebol, brasileira respeitada e admirada em todo o mundo com o título de cinco vezes melhor jogadora de futebol do mundo, não representava apenas a compreensão da derrota de um jogo olímpico por parte da atleta. Mas o entendimento da perda de maiores reconhecimentos para a modalidade que poderiam surgir se o ouro olímpico, ou ao menos o bronze, tivesse sido alcançado. “Desculpa” e “Por favor, não deixem de apoiar o futebol feminino!” foram palavras que a Marta, entre o choro, conseguiu dizer para a transmissão da Globo após a equipe não conseguir o bronze. Um pedido que surge mais como um apelo emocionado da nossa melhor do mundo. Ela sabe muito bem que a derrota de hoje tem mais a ver com a desvalorização, o desrespeito e o descrédito dados a elas enquanto jogadoras profissionais e às outras jogadoras de futebol do Brasil que impossibilita um trabalho melhor e a longo prazo, do que com toda a habilidade, a determinação e o empenho que essas jogadoras colocaram desde o início da competição.

Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 16/08/2016- Olimpíadas Rio 2016- Futebol Feminino- Brasil e Suécia. Foto: Ministério do Esporte
Marta chora a derrota nos pênaltis para a Suécia e é amparada pela jogadoras brasileiras na semifinal dos Jogos Olímpicos. Foto: Ministério do Esporte.

O pedido de desculpas deveria ser nosso às jogadoras. Enquanto as jogadoras brasileiras faziam gols, a torcida do Brasil comemorava o resultado imediatista esperado por ela e vibrava ansiosa pelos próximos jogos, mas sem conhecer os percursos históricos do futebol feminino no Brasil. Quando a ausência de gol chegou e depois, a derrota, o primeiro movimento divulgado pensando em modificações foi a provável desestruturação da seleção permanente criada no início do ano de 2015 pela CBF. A verdade, no caso do futebol feminino, é que esse quarto lugar foi uma batalha de poucos. Além das jogadoras, de sua equipe técnica, sabemos que existe estudiosos, ex jogadoras e pessoas que conhecem a história desse esporte e estão lutando também do lado de fora dos gramados por mais valorização. Mas em comparação ao número do povo brasileiro, sabemos bem que não foi uma caminhada de uma nação. A torcida surgiu agora, no momento do jogo (e que bom que ao menos nesse momento surgiu. A esperança é que se multiplique para campeonatos pequenos e grandes). Mas no momento de maiores apoios financeiros, psicológicos e tantos outros investimentos e visibilidade que seriam fatores decisivos de longo prazo para uma equipe mais qualificada dentro do nível de uma Olimpíada, essa mesma nação representada por brasileiros, muitas vezes, virou às costas.

A existência de clubes de futebol com times de mulheres pelo Brasil demonstra o interesse nacional por esta prática, não só pelos homens, mas também pelas mulheres. Knijnik e Vasconcelos (2006), afirmam que o futebol, realizado por homens e também por mulheres é, indubitavelmente, parte integrante e simbólica de manifestações culturais de norte a sul do Brasil. Ligas e campeonatos existem, tanto a níveis locais como nacionais e internacionais. É fundamental apoiar os campeonatos menores para que a modalidade consiga sobreviver e se desenvolver pelo país. Mas a qualidade dos eventos, a falta de divulgação e a instabilidade de permanência da existência de clubes de futebol com times de mulheres no Brasil muitas vezes desqualifica e descaracteriza o papel representativo e profissional das jogadoras de futebol do país. A realidade mais presente de muitas jogadoras de futebol do Brasil que não alcançam títulos em competições nacionais e internacionais se enquadra em jogadoras que jogam pela paixão ao esporte ou recebem apenas ajuda de custo para treinos e jogos.

Rio de Janeiro- RJ- Brasil- 16/08/2016- Olimpíadas Rio 2016- Futebol Feminino- Brasil e Suécia. Foto: Ministério do Esporte
Jogadoras brasileiras perfiladas enquanto Marta cobra o pênalti na semifinal contra a Suécia. Foto: Ministério do Esporte.

Se percorrermos em direção às exibições do futebol de mulheres pela TV ou em jornais, Gregory (2014) afirma que estas ocupam um tempo irrisório nos noticiários esportivos, sendo pouquíssimas competições e campeonatos transmitidos e/ou divulgados. “O Brasil tem um número enorme de mulheres que jogam futebol. 400 mil que o praticam regularmente, conforme o Atlas do Esporte”. (GREGORY, 2014, p. 13). Deveria ser uma modalidade já considerada culturalmente pelo país como espaço também para as mulheres. Mas, “é nessa modalidade que as desigualdades de gênero se somam com mais força às desigualdades de classe e étnico-raciais”. (GREGORY, 2014, p 13). A justificativa inicial se encontra no fator histórico da entrada da mulher nesse esporte, carregado de impedimentos e proibições. Os poucos dados que se apresentam com maior recorrência na televisão se especificam na maioria das vezes sobre informações da seleção brasileira, com nenhum ou pouquíssimo investimento na história e nos acontecimentos de clubes locais e times de representatividade municipal, estadual ou regional. Times estes que comportam a grande maioria das jogadoras de futebol do Brasil.

A Copa do Brasil de futebol feminino de 2016, contando com 32 clubes participantes, começou em agosto e ainda continua muito silenciada. Infelizmente, ainda não há confirmações de emissoras que transmitam as partidas. A TV Brasil e o SporTV são as emissoras encarregadas de transmitir esses jogos, mas não se posicionaram a respeito. Os jogos estão ocorrendo nos principais estádios do Brasil com divulgação de suas tabelas na página da CBF e em diversas redes sociais, como a página no facebook da Olga Esporte Clube. Esta é a nona edição do campeonato que tem como favorito o time do Flamengo, campeão do Campeonato Brasileiro feminino de 2016. As campeãs da Copa do Brasil garantirão, além da taça, uma vaga para disputar a Copa Libertadores da América de Futebol Feminino de 2017.

O que esperar do futebol feminino do Brasil nas próximas competições mundiais? Se queremos o ouro, queremos opinar sobre as condições de atuações das jogadoras e bater no peito, nos sentindo tão em campo representados por “guerreiras”, temos que ser torcedores e apoiadores também presentes, incentivar a longo prazo, abrir as portas das escolas e oferecer possibilidades de meninas também correrem atrás da bola, marcarem gols e realizarem lindas defesas com outras meninas e com os meninos também, investir em políticas públicas que incentivem projetos sociais, escolinhas de base até a fase adulta, campeonatos a níveis desde locais a internacionais e planos de carreira. Desse modo, poderemos realmente sonhar com as próximas oportunidades de ouro desde hoje para o futebol feminino de todo o Brasil. Inseridos assim, portanto, como um país mais próximo de honrar com seu título de país do futebol para qualquer brasileiro, sem sermos hipócritas, poderemos gritar a todo momento, “eeeeu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amoooor”.

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GREGORY, Beatriz Helena Matté. Esporte e lazer: direitos de meninas e mulheres de todas as idades. In.: BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. Edição especial. 1ª Impressão. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2014. 80p.

KESSLER, Cláudia Samuel. Mais que barbies e ogras: uma etnografia do futebol de mulheres no Brasil e nos EUA. Tese de doutorado. 2015. UFRGS. Porto Alegre: RS. 2015.

OLGA ESPORTE CLUBE. Programação da Copa do Brasil. 24 de agosto de 2016. Disponível em: <<https://www.facebook.com/Olgaesporteclube/photos/a.561285747372446.1073741828.507295399438148/644885249012495/?type=3>>. Acessado em: 24 de agosto de 2016.

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Mayara Maia

Doutoranda em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS; mestre em Estudos da Mídia pela UFRN; graduada em Educação Física pela UFRN. Eterna atleta e apreciadora de imagens do movimento humano, apaixonada por esportes, aventura e pelas telas do cinema.

Como citar

MAIA, Mayara. No “país do futebol”, se dá bola para as mulheres?. Ludopédio, São Paulo, v. 87, n. 8, 2016.
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