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O acaso na Copa do Mundo

Logo após o 7 a 1 em 2014 e o título de campeã da seleção alemã, surgiram muitas matérias e reportagens de jornal tentando explicar o sucesso da vencedora e o fracasso do Brasil. O que se dizia era que a Alemanha tinha começado um trabalho intensivo nas divisões de base após a derrota na final para o Brasil em 2002. Este trabalho teria se intensificado após o terceiro lugar no Mundial realizado em seu país. Os investimentos na base explicavam o sucesso da campeã em 2014 e a falta destes no Brasil explica o fracasso de nossa seleção e o 7 a 1.

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Jogadores da Alemanha na única vitória na Copa de 2018 contra a Suécia. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Tinha sido entrevistado em algumas destas reportagens e o que eu dizia era que investimentos na base são sempre bem-vindos, mas que não eram suficientes para explicar o sucesso da Alemanha e o fracasso no Brasil. Meu ponto era que a Copa do Mundo de Futebol é um torneio muito curto e não um campeonato longo de pontos corridos, como o Brasileirão. Neste sentido, em um torneio curto como a Copa o acaso (sorte e azar) atua de forma mais intensiva, fazendo com que, muitas vezes, equipes melhores saiam antes da competição, como o Brasil em 1982, enquanto que em um campeonato longo de pontos corridos ele se diluiria e invariavelmente o campeão termina sendo o melhor time daquele campeonato.

O mais absurdo parecia quando eu dizia que, mesmo se não fizéssemos um trabalho melhor nas nossas divisões de base, poderíamos ser campeões em 2018, que outros valores poderiam surgir, que Coutinho e Lucas (que foi do São Paulo e que hoje atua no Tottenham) poderiam crescer e estar na seleção, e que o time poderia ter mais conjunto etc. Coutinho já é uma realidade marcante na atual seleção. Lucas, não sei por que razões, não se tornou o jogador que dele se esperava. Mas surgiu ainda Gabriel Jesus, desconhecido da maioria de nós em 2014.

De fato, o que mudamos de 2014 para cá? O tal trabalho nas divisões de base foi realizado? Pelo que eu saiba, não. Mudamos o treinador uma vez (Luis Filipe Scolari por Dunga), e outra vez mais (Dunga por Tite), e a seleção emplacou várias vitórias seguidas, se classificou com folga nas eliminatórias para o Mundial de 2018 e hoje figura como uma das favoritas ao título.

E a Alemanha? Com duas derrotas, uma para o México e outra para Coreia do Sul, foi eliminada na primeira fase. Isto significa que o trabalho que eles vêm fazendo há mais de 15 anos está errado? Não. O projeto alemão deve ser valorizado e tem que ter continuidade, assim como o Brasil deve começar a ter um projeto semelhante o quanto antes.

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Tomas Müller orienta a equipe durante partida contra a Suécia na Copa de 2018. Foto: Pedro Martins/Mowa Press.

Meu ponto é que a Copa do Mundo não é, isoladamente, a melhor competição para se medir estes trabalhos. Mesmo na chave de grupos, o acaso pode atuar, sua equipe pode não estar bem naquele momento, alguns jogadores podem estar lesionados etc. A partir das oitavas, quando começa o mata-mata, em uma única partida, sem jogos de ida e volta, o acaso pode agir de forma ainda mais intensa. Claro que “foco” (palavra tão em voga nos dias de hoje) e “determinação” (outro termo muito usado) podem ser determinantes, sem contar o talento extraordinário de alguns jogadores. Porém, às vezes, um errinho se torna fatal para aquela equipe que todos apostavam que iriam vencer e, assim, o “melhor” pode ser eliminado. Em um campeonato longo de pontos corridos, estes “errinhos” tendem a diluir-se ao longo da competição, ainda que possam ser fatais também em uma disputa acirrada pelo primeiro lugar.

Não estou propondo que se reformule a fórmula de disputa da Copa do Mundo. É o que se pode fazer em um torneio de 30 dias. Apenas chamo a atenção para tomarmos cuidado com vaticínios e conclusões precipitadas antes, durante e após a competição.

A eliminação precoce da Alemanha não deve ser vista como a derrota de um projeto que vem sendo realizado faz anos. Do mesmo modo, um eventual sucesso da seleção brasileira não pode ser compreendido como o resultado da falta de um projeto nos mesmos moldes. Um torneio curto como a Copa do Mundo não pode servir como único parâmetro de avaliação de toda a organização futebolística de um país.


Este texto foi originalmente publicado no Blog Comunicação, Esporte e Cultura.

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Ronaldo Helal

Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Sociologia - New York University (1986) e doutorado em Sociologia - New York University (1994). É pesquisador 1-C do CNPq, Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006). Em 2017, realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L'Expertise et de la Performance. É professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (2000-2004) e coordenador do projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj (PPGCom/Uerj), tendo sido seu primeiro coordenador (2002-2004).Foi chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da FCS/Uerj diversas vezes e membro eleito do Consultivo da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj por duas vezes. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: futebol, mídia, identidades nacionais, idolatria e cultura brasileira. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (www.comunicacaoeesporte.com) e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte - LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior.

Como citar

HELAL, Ronaldo. O acaso na Copa do Mundo. Ludopédio, São Paulo, v. 109, n. 2, 2018.
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