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O artilheiro dos Beatles

No Liverpool, Albert Stubbins foi artilheiro no primeiro Campeonato Inglês após a Segunda Guerra Mundial. Pelo feito, ganhou a honra de ser o único jogador de futebol na capa do emblemático Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, oitavo disco dos Beatles.

É possível citar ao menos uma dúzia de nomes de grandes jogadores ingleses dos anos 1940 sem que surja o nome de Albert Stubbins. Na verdade, a menos que seja feita uma busca mais refinada, dificilmente o nome do atacante entrará em qualquer lista daquele período.

Quem gosta de música, principalmente quem se considera beatlemaníaco, porém, já deve ter se deparado com o nome do jogador ou pelo menos conhece  –  ainda que sem ligar o nome à pessoa –  a fisionomia de Stubbins. Para os amantes da banda que mexeu com as estruturas da música na metade do século passado e inaugurou uma nova era do entretenimento, a capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band é considerada sagrada. 

Ao misturar personalidades de diversas áreas como atrizes, escritores, cientistas, filósofos, o encarte do oitavo disco dos Beatles é um ícone da cultura pop e para quem gosta dos Garotos de Liverpool e de futebol, a capa remete ao desconhecido atacante dos anos 1940. 

Entre figuras que abrem um leque de Albert Einstein a Marilyn Monroe, passando por Bob Dylan e Mae West até chegar a Fred Astaire e Oscar Wilde, acredite, caro leitor: o simpático rosto que aparece abaixo de Karl Marx é de Albert Stubbins.

Capa do oitavo disco d’Os Beatles: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band. Foto: Reprodução.

Afinal, quem é Albert Stubbins e por que aparece numa capa emblemática dos Beatles junto a pessoas que marcaram a história?

O filtro correto para encontrar o nome do atacante é o de artilheiros do Campeonato Inglês, pois com 24 gols, Stubbins dividiu a artilharia da competição com Jack Balmer, companheiro de ataque no Liverpool, na temporada 1946/47.

Essa edição do Campeonato Inglês foi a primeira disputa no pós-guerra, já que durante a 2ª Guerra Mundial, o futebol inglês  –  assim como na maior parte do mundo  –  ficou paralisado por razões óbvias.

A fase artilheira no Liverpool seguiu uma trajetória de goleador, que fez Stubbins criar fama defendendo o Newcastle no período em que a liga inglesa parou, mas os clubes mantiveram suas atividades em pequenas competições regionais. Nesse período, Albert Stubbins atingiu uma marca expressiva ao entrar em campo por 218 vezes e anotar nada menos do que 237 gols.

Nascido em 1920, o jogador estava na casa dos 20 anos quando a guerra começou. Antes disso, porém, aos 16 anos, foi com a camisa do Sunderland que teve suas primeiras chances no futebol, mas o profissionalismo só veio pelo rival Newcastle, em 1937. 

Depois de viver a boa fase num período “clandestino” do futebol inglês, a temporada 1945/46, a última no Newcastle, chamou a atenção dos dirigentes do Liverpool, que souberam de um atacante que havia marcado 37 gols. Espetacular mesmo para um campeonato regional e digno das 13 mil libras desembolsadas pelos Reds para adquirir o atacante grandalhão e goleador. 

Foi com esse cartão de visitas que Albert Stubbins chegou ao Liverpool para editar a dupla de ataque com Jack Balmer, que seria responsável por 48 gols na campanha do título que quebrou o jejum de 24 anos sem títulos do lado vermelho da cidade. 

Alguns fatores foram determinantes para que aquela conquista fosse mais festejada. A forma como a campanha 1946/47 se desenrolou, com a intervenção do governo, a indefinição do campeão até o último jogo, a arrancada extraordinária na reta final para a quebra do jejum de 24 anos sem títulos do Liverpool e a representatividade daquela competição por ser a primeira após a guerra, simbolizando o recomeço para o país. 

Nesse contexto, os gols decisivos de Stubbins, como no derradeiro jogo frente ao Wolverhampton, fizeram dele uma figura conhecida em Liverpool e, por que não dizer, amada. Isso, talvez, explique a presença de Stubbins na capa de Sgt. Pepper’s. O único esportista, como se fosse um afago da banda em sua cidade natal, mesmo que George, Paul, John e Ringo nunca tenham se envolvido profundamente com o futebol, não estavam alheios ao gosto de Liverpool pelo esporte e sabiam que Stubbins havia marcado seu nome na história do futebol nacional. 

É fácil deduzir isso, pensando nas idades dos músicos quando o Liverpool venceu o campeonato 46/47. Deviam estar na faixa entre cinco e sete anos e nessa idade, o futebol costuma marcar a memória das pessoas. Porém, também pode não ser nada disso, já que Paul McCartney declarou algumas vezes que torce tanto pelo Everton quanto pelo Liverpool, uma verdadeira afronta aos torcedores dos arquirrivais e que deixa evidente o desconhecimento sobre futebol do último beatle vivo.

Depois do Liverpool

Fato é que a boa fase de Albert Stubbins não perdurou nos anos seguintes. O atacante ainda fez uma boa temporada em 47, mas o Liverpool não foi bem. Depois amargou a segunda divisão com o clube e se despediu em 1952, com uma marca de 83 gols em 178 partidas. 

Acabou num time amador, mas depois de uma rápida passagem rumou aos Estados Unidos para ser treinador. Em pouco tempo, retornou ao Reino Unido e se tornou um reconhecido jornalista esportivo, função que ocupava quando o disco foi lançado em 1º de junho de 1967 e quando o primeiro título pós-guerra completou 20 anos. 

Morreu aos 82 anos, em dezembro de 2002, com uma história ímpar para contar dentro dos gramados e na música. Albert Stubbins não foi exatamente um grande jogador. O atacante de extremo sucesso no Liverpool, que começou no Sunderland e se profissionalizou pelo Newcastle, talvez tenha sido um bom jogador com uma fase espetacular no lugar certo e no momento exato. 

Se o senso de colocação, porém, é uma habilidade inegável e que diferencia os bons atacantes, a capacidade de bem se posicionar historicamente  –  proposital ou casuisticamente  – também deve ser considerada, por isso Albert Stubbins está entre os maiores jogadores do Liverpool e deve ser reverenciado por ter cavado seu espaço entre figuras importantes da cultura e colocado o futebol na histórica capa do rock’n roll.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. O artilheiro dos Beatles. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 10, 2021.
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