80.11

O Atlético Mineiro estreia no Independência pela Libertadores, e tem pedalada

Do Peru, semana passada

O Atlético obteve um excelente resultado em sua estreia pela Libertadores na semana passada contra o Melgar, em Arequipa, vencendo-o, de virada, por 2 a 1. O time começou o jogo muito bem, com o controle da posse de bola, parecendo muito seguro em campo. Mas foi o Melgar quem meteu o primeiro gol, agitando os trinta mil espectadores presentes no Estádio Monumental da UNSA.

Vânio Panorâmica do estádio
Torcida do Galo no setor norte do Estádio da UNSA, em Arequipa. Foto: Vânio Araújo.

Eu estava no meio dos aproximadamente cem torcedores atleticanos que viajaram para assistir ao time no Peru. Consegui entrar no estádio exatamente no momento do apito inicial, porque haviam filas enormes, devido à vistoria do policiamento, que obrigavam os desavisados torcedores a deixarem seus objetos cortantes, bonés, cintos e mochilas “empilhados” fora do estádio – quase não foi possível entrar com faixas e bandeiras. Tais coisas, evidentemente, decorre da violência advinda dos hinchas nos estádios de futebol no Peru, que chegou a estágios bem alarmantes nos últimos tempos. Dessa situação, o mais estranho foi observar moradores do entorno criando um novo comércio: “vigilantes de objetos”. Isso consistia em guardar e devolver, ao final da partida, todos os pertences dos torcedores em troca de algum valor monetário antecipado. – Qual a garantia dos donos encontrarem seus objetos após esse contrato?, perguntei-me silenciosamente. Por um milagre, eu não havia levado mochila; então, abandonei minha boina no meio das milhares de outras coisas que estavam ali empilhadas, com uma leve intuição de que não a reaveria depois. E o meu cinto foi amarrado em um cavalete pela policial, mas ele foi reencontrado ao fim da peleja.

Eu ainda revi cenas parecidas em outros dois jogos que eu assistiria na capital peruana entre o Alianza Lima e o César Vallejo, pelo campeonato nacional, uma excelente partida, diga-se de passagem, e o Sporting Cristal enfrentando o Peñarol pela Libertadores, com Diego Forlán em campo. Ambos os espetáculos terminaram empatados em 1 a 1 e foram realizados no Estádio Monumental do Peru, onde testemunhei vários torcedores do Uruguai serem impedidos de ingressar na arena por conta do teste do bafômetro. Assim, o que parece ser bastante comum, milhares de pessoas só entram no estádio após o início da partida, propiciando um clima de tensão em seu entorno, acrescido pelo fato extremamente “natural” dos cambistas que praticam la segunda venta, sob os olhos da guarda, pois não há qualquer legislação que os impeçam de exercer a atividade, o que é lamentável também para os peruanos.

Voltemos ao jogo do Atlético, que após sofrer o revés logo aos treze minutos, recupera-se sete minutos depois com um chute bombástico da intermediária de Rafael Carioca. Um golaço, que foi muito comemorado pela torcida. Afinal, deslocar cerca de 4000 km e ver o time perder, definitivamente não é agradável. E o melhor mesmo, foi ver os mineiros virarem o placar aos quarenta com um gol do… com um gol do… com um gol do… Patric, meu São Victor?! A jogada começou com o Carioca no círculo central atleticano descobrindo Luan do outro lado do campo. De primeira, magistralmente, o Maluquinho enfiou para a penetração do Patric que, em três toques, tirou dois rivais da jogada e rolou para fazer outro golaço. Estávamos ali, atrás da meta arequipenha. Até este momento, o meia já havia perdido dois gols e a torcida pedia sua saída, contudo mudou de ideia ligeiramente: “Patric, seleção!, Patric, seleção! Patric, seleção!” A Rádio Itatiaia o elegeu, por unanimidade, como o melhor em campo – eu soube logo em seguida. Os jornalistas, provavelmente, foram movidos pela euforia dos aficionados atleticanos e pela incontestável superação desse jogador em campo. No segundo tempo, o Galo ficou literalmente sufocado, devido aos efeitos da altitude de quase 2.500 m. Luan já andava em campo. O Melgar terminou a partida com 52% de posse de bola.

No entanto, para mim, o melhor futebolista em campo foi o Marcos Rocha. Quando eu o vi en la cancha, bateu uma certa espécie de clarividência, y yo ha comprendido el I Ching. O oráculo havia tentado me revelar o destino do Galo, e o meu, na Libertadores, mas não fazia sentido. Eu havia jogado as moedas ao acordar no dia da estreia – só as lanço em situação-limite –, e os trigramas que se apresentaram foram Li, o Aderir, o Fogo (abaixo) e Kên, a Quietude, a Montanha (acima), gerando a imagem da Graciosidade, por conta do fogo na base da montanha. Esses trigramas compõem o hexagrama Pi / Graciosidade que em linhas gerais “mostra um fogo que irrompe das misteriosas profundezas da terra e cujas chamas ascendem iluminando e embelezando a montanha, as alturas celestiais. A graciosidade, a beleza da forma, é necessária em toda união para que esta se realize de modo ordenado e agradável, e não desordenado e caótico”. Neste ato oracular, a linha nove na primeira posição foi a única linha que devemos considerar. E ela elucida, agora sei – para mim, para o Galo e para o Marcos Rocha –, o seguinte: “Ele embeleza os dedos dos pés, abandona a carruagem e caminha, (…) [pois] um homem íntegro despreza tal modo questionável de ajuda. Ele prefere andar a pé do que andar indevidamente numa carruagem”.

AREQUIPA/ PERU 17.02.2016 Atlético x Melgar no estádio Monumental Copa Libertadores 2016 - foto: Bruno Cantini/Atlético MG
Marcos Rocha em ação contra o Melgar no estádio Monumental pela Copa Libertadores 2016. Foto: Bruno Cantini / Clube Atlético Mineiro.

Quando vi o Rocha tocar na bola, impôs-se uma espécie de magnetismo, minha atenção ficou absolutamente voltada para ele dentro de campo. Posteriormente, constatei que o nosso lateral-direito figurou na seleção da 1ª rodada da Libertadores, eleito, juntamente com o Rafael Carioca, pelo bom site de estatísticas Footstats. Isso foi evidente para quem assistiu ao jogo com atenção e observou os espaços vazios ocupados pelo jogador e seus avanços seguros, com cruzamentos certeiros. Acrescentam-se ainda outros fatores que lhe dão muitos créditos: a regularidade, o domínio de bola espetacular e a sua inteligência tática, como há muito tempo não víamos na lateral direita do Atlético.

No entanto, o que está na ordem do invisível, presente em um momento em que o presente e o futuro se apresentam em nossa frente como uma ruptura espaço-temporal, como um clarão, é que Marcos Rocha será um dos grandes nomes desta Libertadores, senão o maior. E assim, no final do ano, eu ganharei um bico no Fantástico como “Mãe Diná”. Aaah…!, e a torcida comemorará mais um título, como comemorou em Arequipa, agradecendo aos deuses do futebol. Amém!

 

 

Independente del Valle – o adversário

Apesar do Independiente del Valle ter sido fundado há quase 70 anos, no dia 1º de março de 1958, é um clube sem tradição na primeira divisão do futebol equatoriano, fato que só ocorreu a partir dos anos 2010. Desde então, o clube vem figurando como um dos primeiros colocados do campeonato, sem, contudo, nunca ter sido campeão. O Independiente também vem marcando presença acentuada nas competições internacionais dos últimos anos, pois já participou por duas vezes da copa sul-americana, em 2013 e 2014. E, embora não tenha ultrapassado a segunda fase preliminar, obteve um resultado expressivo ao vencer o Cerro Porteño, do Paraguai.

Em 2014, o clube disputou sua primeira Libertadores, vencendo, em casa, pela fase de grupos, o Botafogo pelo placar mínimo. No ano seguinte, venceu, em casa, pela fase pré-Libertadores, o Estudiantes da Argentina pelo mesmo placar, sendo eliminado no jogo de volta por 4 a 0. Já neste ano, o Independiente repetiu os mesmos feitos das estreias anteriores e também venceu em casa por 1 a 0, desta vez contra o Guaraní, eliminando-o heroicamente no Paraguai, embora tenha sido derrotado por 2 a 1 no segundo jogo. Os paraguaios perderam um pênalti que, se convertido, os levariam à classificação no último lance da partida. O Independiente, por ter marcado um gol na casa adversária, entrou na fase de grupos da Libertadores ao lado do Atlético Mineiro, Colo-Colo e Melgar.

A seguir, apresenta-se um vídeo performatizado por um entusiasta atleticano que acompanhava o jogo, em tempo real, pela FOX Sports. Ele torcia para que o Independiente del Valle se classificasse, visto que o Guaraní é um time com mais tarimba na Libertadores, logo, teoricamente, o time é mais difícil de ser batido. Inclusive, o time de Assunção eliminou o Corinthians no ano passado ao derrotá-lo por duas vezes nas oitavas. Afora seu projeto particular de acompanhar o Atlético nos jogos da competição na América Latina, e, de fato, preferir simplesmente ir a Quito para conhecer um pouco de sua cultura. Neste vídeo, gravado e editado de maneira rudimentar (e irônica), observa-se como o torcedor, no minuto final, evoca o São Victor do Horto para operar o primeiro “milagre” na competição de 2016.

https://www.youtube.com/watch?v=4pj-uZrgwuw&feature=youtu.be

Nos últimos anos, o Independiente está em ascensão, bem como a seleção equatoriana, que somente em 2002 participou de sua primeira copa do mundo. Participou novamente em 2006, quando obteve seu melhor resultado, chegando às oitavas-de-final, e em 2014, no Brasil. O único título expressivo do Equador foi a surpreendente medalha de ouro nos jogos pan-americano do Rio, em 2007. A equipe eliminou o Brasil em pleno Maracanã logo na primeira fase, uma goleada incontestável: 4 a 2.

Atualmente, no time do Atlético há dois equatorianos: Juan Cazares – que jogou no Independiente del Valle, e que foi inscrito, ontem, no Boletim Informativo Diário (BID) da CBF, e está apto a estrear na no Galo –, e o Frickson Erazo, cujo encargo é substituir o Jermerson, craque do futebol mineiro em 2015, eleito pelo Troféu Guará, realizado pela Rádio Itatiaia desde 1962. É claro que eles nos ajudarão muito quando realizarmos nosso jogo lá em cima da América do Sul, em seus trópicos. Antes desses dois jogadores, apenas outros dois equatorianos vestiram a camisa do Galo: o zagueiro Jairo Campos e o meia Edison Mendez, os dois com passagem discreta em 2010. Anseio por fortuna melhor para o jovem Cazares, que vem sendo convocado pela sua seleção, entrando no decorrer das partidas, e igualmente para o experiente Erazo, titular absoluto do selecionado equatoriano, inclusive participando da última copa e atualmente das eliminatórias sul-americanas. O Equador lidera essa competição com doze pontos em quatro jogos, obtendo resultados expressivos, pois venceu a Argentina na estreia em plena Buenos Aires por 2 a 0, com direito a um gol de cabeça do nosso zagueiro. Em seguida, venceu, em casa, os bolivianos e os uruguaios. Na última rodada disputada até então, a seleção do Equador foi à Venezuela e enfiou sonoros três gols. Esta semana, saiu a tabela da Copa América comemorativa de 100 anos dessa competição, que acontecerá nos Estados Unidos em junho. A seleção brasileira foi sorteada no mesmo grupo do Equador, enfrentando-o na estreia, depois vem Haiti e Peru. Enfrenta-o também no dia 28 de agosto, no Equador, pelas eliminatórias.

 

Belo Horizonte, 24 de fevereiro de 2016: a estreia de Robinho

“Ah, robôs do mundo, vocês não sabem o que é ver a torcida do Atlético feliz numa noite que poderia ter sido apenas uma noite de quarta-feira. Uma simples noite de quarta-feira”, disse o Roberto Drummond.

A contratação de Robinho, ao contrário do que muitos atleticanos vociferaram, não é apenas uma jogada de marketing por parte da diretoria do Atlético, e muito menos, prevejo, terá os efeitos negativos que a estapafúrdia contratação de Ronaldinho Gaúcho trouxe ao Fluminense no ano passado. Robinho é incontestavelmente um craque, pois além de ter apenas 32 anos, teve raras contusões ao longo de sua carreira, o que nos faz crer que a maior contratação do futebol brasileiro em 2016 dará certo por aqui nas alterosas. Eu realmente acho que ele se dará muito bem com o Pratto.

VESPASIANO / MINAS GERAIS / BRASIL (23.02.2016) - Treino na Cidade do Galo - Foto: Bruno Cantini/Atlético MG
Robinho estreia hoje no Galo. Foto: Bruno Cantini / Clube Atlético Mineiro.

Robinho disse hoje ao jornal O Tempo: “profetizei em 2006 [que ainda jogaria no Atlético], se não me engano foi uma brincadeira com o Fred. Chegou o momento e estou feliz de estar aqui. Espero ganhar títulos no Galo”. Hoje, ele estreia vestindo a camisa 7, a mesma de ídolos como Sérgio Araújo e Guilherme, e concretiza a profecia. No Independência lotado, os ingressos esgotaram-se em doze horas de venda, ele encontrará a Massa do Galo e ouvirá seu nome evocado, tenho absoluta certeza que será uma grande emoção para ambas as partes. As palavras foram lançadas. Agora é com você, Robinho. Pedala, que nós te abraçamos! A nossa torcida merece ídolos de sua grandeza.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Gustavo Cerqueira Guimarães

Doutor e mestre em Estudos Literários pela UFMG. É graduado em Psicologia e Letras pela PUC-Minas. Autor dos livros de poesia Língua (2004) e Guerra lírica (no prelo). Coorganizou os livros Futebol: fato social total (2020) e Problemáticas e solucionáticas do futebol em Minas Gerais (no prelo). Desenvolveu pesquisas sobre futebol e artes no pós-doutorado na Faculdade de Letras da UFMG (PNPD-CAPES, 2013-2018) e no Leitorado Guimarães Rosa em Maputo/Moçambique (2019-2023). Atualmente, atua na Secretaria Municipal de Educação de Lajinha/MG e como vice-líder do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes, como coeditor-chefe da FuLiA/UFMG (https://periodicos.ufmg.br/index.php/fulia/issue/archive). 

Como citar

GUIMARãES, Gustavo Cerqueira. O Atlético Mineiro estreia no Independência pela Libertadores, e tem pedalada. Ludopédio, São Paulo, v. 80, n. 11, 2016.
Leia também:
  • 178.12

    Jogo 2: Estreia da Arena na Libertadores

    Gustavo Cerqueira Guimarães
  • 178.5

    Jogo 1: Contra o Caracas, lá

    Gustavo Cerqueira Guimarães
  • 118.25

    Miro, felino no Rio

    Gustavo Cerqueira Guimarães