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O Botafogo-PB, o Dia do Orgulho LGBTQIA+ e a ilusão do “não-conflito”

O relógio marcava 23h de segunda-feira, 28 de junho de 2021.

Era o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+.

As redes sociais, entre torcedores de João Pessoa e do Botafogo-PB, estavam em polvorosa.

Muitos reclamavam do fato de o clube não ter se posicionado sobre o dia em questão.

Até que, alguns minutos depois, no limiar do prazo final, a menos de uma hora do fim do dia, o Belo finalmente publicava em suas redes sociais uma publicação sobre a necessidade de se combater a intolerância.

Botafogo Paraíba
Imagem: Reprodução Instagram / Botafogo da Paraíba
 

O episódio causou surpresa entre torcedores. Críticas também.

Por que, afinal, tanta demora para se posicionar? Principalmente quando o clube, nos últimos tempos, vinha tendo uma corajosa – e necessária – postura sobre questões sensíveis?

Apenas para citar três exemplos recentes deste mesmo ano, o Botafogo-PB tinha criticado a Ditadura Militar (post de 31 de março), tinha se posicionado em favor do Dia Internacional contra a Homofobia (post de 17 de maio) e se solidarizado com as 500 mil mortes por Covid-19 no país (post de 20 de junho).

Até que, no dia 28 de junho, titubeou. Demorou mais do que deveria. Deslizou. Ainda que, no fim das contas, tenha dado o recado.

Fui atrás de interlocutores meus, tentar entender o que tinha acontecido, e recebi pelos bastidores o que me pareceu uma resposta plausível – ainda que não seja uma versão confirmada oficialmente.

As postagens anteriores tinham incomodado bastante um lado da torcida que é eleitora do presidente Jair Bolsonaro, que passou a reagir de forma cada vez mais áspera e violenta e a criticar o que chamavam de “lacração”, “mimimi”, “politização do futebol”, etc.

O clube, enfim, titubeou porque estava preocupado com essa reação crescente. E, justo no dia em que a grande maioria dos clubes brasileiros fizeram campanhas firmes contra o preconceito contra a população LGBTQIA+, tomou a decisão de recuar. Silenciar. Evitar o conflito.

Foi quando descobriu, enfim, que o… chamemos assim… o “não-conflito” é uma ilusão.

Porque, nesse mesmo dia, começou uma reação ainda mais barulhenta, mais articulada, mais volumosa de torcedores indignados com o silenciamento do maior clube de João Pessoa, e logo numa pauta central e tão importante para a sociedade brasileira dos dias atuais.

Um breve parênteses.

Nas minhas pesquisas de mestrado (CARVALHO, 2019), eu discuti, a partir do exemplo botafoguense, como torcedores de futebol de um mesmo clube não formam nunca uma unidade, uma identidade coesa e indivisível.

Pois, seguindo o debate, o caso em questão é mais uma prova disso.

Porque, acaso fosse uma unidade, seria até possível dizer que a mesma torcida que atrasou o posicionamento do clube, foi a torcida que exigiu – e garantiu – que o posicionamento fosse dado, ainda que tardiamente.

Mas, como se pode ver, a ideia de uma “torcida”, no singular, é ilusória. Assim como é ilusório o pensamento de se acreditar que o conflito pode ser evitado. Pura ilusão, já disse.

Simmel (2011), aliás, é quem nos ajuda a pensar o conflito. Inclusive, pelo seu lado “sociologicamente positivo”. Uma das mais vivas possibilidades de interação entre as pessoas.

O autor alemão explica que o conflito é, antes de tudo, uma relação. Uma dualidade. Um encontro que, em regra, tem também o seu caráter convergente. E que a antítese disso tudo é a indiferença, é negar a própria ideia de sociedade. “Um grupo absolutamente centrípeto e harmonioso […] não só se apresenta como empiricamente irreal, como não representa nenhum processo concreto de vida” (SIMMEL, 2011, p. 570).

Não, não é plausível acreditar que a diretoria de um clube de futebol, com tantas formas de torcer diferentes em seu entorno, poderá existir sem ter que lidar a todo o momento com o conflito.

E, sendo assim, calar-se não é simplesmente evitar o conflito com uma parcela de torcedores que discorda dessas pautas. Calar-se é, principalmente, ceder a pressões e direcionar o conflito, o embate, para uma pluralidade de outros grupos torcedores que precisam e querem ser acolhidos, que sabem da importância de se debater pautas como essa nas arquibancadas.

Parece que, aos 45 minutos do 2º tempo, a atual diretoria do Botafogo-PB entendeu isso.

Ainda bem.

Botafogo da Paraíba
Foto: Reprodução Facebook/Botafogo da Paraíba

 

Referências

CARVALHO, Phelipe Caldas Pontes. O belo e suas Torcidas: um estudo comparativo sobre as formas de pertencimento que cercam o Botafogo da Paraíba. Dissertação (Mestrado em Antropologia), UFPB, João Pessoa, 2019.

SIMMEL, Georg. O Conflito como Sociação. Trad. Mauro Guilherme Pinheiro Koury. Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, João Pessoa, v. 10, n. 30, pp. 568-573, dez. 2011.


Sobre o LELuS

Aqui é o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade. Mas pode nos chamar só de LELuS mesmo. Neste espaço, vamos refletir sobre torcidas, corporalidades, danças, performances, esportes. Sobre múltiplas formas de se torSER, porque olhar é também jogar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Phelipe Caldas

Doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba, graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPB. É escritor e cronista, com quatro livros já publicados. Integra o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade (LELuS/UFSCar) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnografias Urbanas (Guetu/UFPB). É membro-fundador da Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte (ReNEme).

Como citar

CALDAS, Phelipe. O Botafogo-PB, o Dia do Orgulho LGBTQIA+ e a ilusão do “não-conflito”. Ludopédio, São Paulo, v. 145, n. 3, 2021.
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