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O filme, as lições e a beleza do futebol no sábado libertador

Lucas Dorta 3 de fevereiro de 2021

Nasci em 1994. As primeiras lembranças que tenho do Palmeiras são — vejam só — entre 2001 e 2003. Destaco bem 2003, quando comecei gostar mais do time, pois via o clube subir em campo — algo não tão comum naquele período — com as festas nos rincões do Brasil. Depois do acesso, as décadas de 2000 e início de 2010 foram coleções de fracassos retumbantes, salvo raros lampejos como vitórias em clássicos, título do Paulistão 2008 e da Copa do Brasil 2012, respectivamente ofuscados pelas decepções nos campeonatos nacionais e pelo segundo rebaixamento no Brasileirão.

Ao longo deste século teve goleadas sofridas anualmente, nova queda, eliminações e perda de títulos inexplicáveis. Atletas bons chegavam e viravam médios ou ruins, médios se tornavam ruins, além dos horríveis que, bem, esses só irritavam o torcedor e ninguém entendia o motivo da contratação. Resumo: a equipe não ganhava nada e aumentava a lista vexames. Nos círculos de socialização era aquela coisa de ver poucas vezes o clube campeão e de aguentar os rivais comemorando enquanto meu time estava sendo consolidado como a quarta força do futebol paulista. Lembrando que na infância o peso é maior, já que na vida adulta há outras preocupações. 

Apesar de toda situação, não troquei de time. Resisti!

O filme

Então, talvez por estas “cicatrizes”, acabei crescendo um palmeirense pessimista. E um filme passou em minha mente no gol e no apito final na vitória copeira no Maracanã no último sábado (30). Quando a bola cabeceada por Breno Lopes entrou, acreditava que poderia tomar o empate no último minuto por acompanhar os gols do Goiás em 2010 pela semifinal da Copa Sul-Americana. No momento em que aquela bola entrou, eu tinha medo por ter vivido as eliminações para Ipatinga, Atlético Goianiense, Paulista de Jundiaí, Ituano, Santo André e não lembro mais quem. Quando a bola entrou, fiquei desconfiado por ter visto dois rebaixamentos. Quando a bola entrou ainda deu medo, pois fui forjado na época em que goleadas levadas anualmente eram tradição. Quando a bola entrou eu estava com receios, pois no processo da retomada do protagonismo, no ciclo milionário, os elencos tiveram apagões no mata-mata.

No apito final, o filme entrou novamente em minha mente relembrando a quantidade de fracassos que aconteceram até o time conquistar o topo do continente. Sábado foi o auge do processo de exorcismo das desconfianças de muitos palmeirenses da minha idade. É a confirmação da continuidade do novo ciclo que iniciou em 2015, contra o mesmo Santos. Demorou para cair a ficha. E como. Afinal, parecia que foi ontem que os torcedores respiravam aliviados a fuga do rebaixamento na última rodada do Brasileirão 2014.

Parecia que aconteceu ontem aquele gol do Vagner Love na partida contra o Flamengo, confirmando o segundo descenso. Parecia que foi ontem que os rivais tinham pena de zoar. Parecia que foi ontem as goleadas sofridas contra Mirassol, Goiás e Coritiba. Parecia que foi ontem quando boa parte dos palestrinos achava que tudo daria errado até quando o Palmeiras fazia o certo. Parecia que foi ontem que a equipe perdia o Brasileirão 2009 de maneira inexplicável e continuando numa seca no campeonato.

Ufa! Acabou! Quantos momentos aconteceram para levantar a América novamente.

Lições

Não precisa de um brucutuzão, com cara de bravo e brigador para ganhar Libertadores. O negócio é manter a calma, a personalidade e, claro, jogar bola. Já foi aquele tempo em que era necessário catimba e intimidação. Pega a lista e as análises dos últimos campeões.

Chega dessa história de obsessão! É legal pensar grande. Priorizações são compreensíveis. Mas não pode ser o único objetivo da temporada. É necessário tá disputando a competição com regularidade, pegar experiência, até chegar e ganhar em algum momento. Coincidentemente, o Palmeiras conquistou o continente em um ano que não saiu torrando grana desesperadamente.

Palmeiras bicampeão da Libertadores! Foto: Cesar Greco/Palmeiras.

O título marca o novo alviverde. Leve. Sem personalismos. Da garotada que ama a casa. Da limpeza da imagem do garoto riquinho mala. Da coletividade. De comandantes técnicos que não tratam toda hora o jogo como guerra. Que evitou querer relacionar sua imagem com a de políticos na hora da premiação.

A beleza do futebol

Se fosse uma produção audiovisual e o roteirista decidisse que o cara do gol do título da Libertadores, feito no apagar das luzes, seria um jogador que meses atrás jogava a Série B pelo Juventude diriam que a história é clichê ou forçada. Foi exatamente o que aconteceu. Depois de temporadas de “obsessão” e compras cheias de ostentação a conquista da América acontece justamente na temporada em que a direção preferiu pratas da casa e contratações pontuais, sem tanto barulho. 

Gol de Breno Lopes na final da Libertadores. Foto: Cesar Greco/Palmeiras.

O futebol é lindo por causas das grandes histórias. Analisamos números estatísticas, mas a beleza está exatamente no inexplicável. Basta apreciar. Sim, vou passar pano para o jogo horrível. Havia fatores como fim de temporada, calendário apertado, solzão carioca e tensão devido aos elementos envolvidos na decisão.

Neste texto não me apeguei tanto a estatísticas. Dados são importantes, claro. Mas o futebol é mais do que isso e possibilita diversas leituras, desde as matemáticas até as romantizadas.

Bola fora

Era completamente evitável a aglomeração que ocorreu no Maracanã. As cenas mostravam uma realidade paralela e confirmou como é complicado seguir protocolos com público na arquibancada em confrontos de grande grau emocional.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Lucas Dorta

Formado em jornalismo, palmeirense, apaixonado por grandes histórias do esporte, principalmente por aquelas fora do "mainstream" e que mostram a relação entre o futebol e determinadas comunidades.Foi estagiário do Jornal Nossa Terra e da Agência Experimental de Comunicação da Fundação Educacional Dr. Raul Bauab,  trabalhou na comunicação da Prefeitura Municipal de Mineiros do Tietê e já escreveu textos para o Observatório da Imprensa.  

Como citar

DORTA, Lucas. O filme, as lições e a beleza do futebol no sábado libertador. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 5, 2021.
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