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O futebol continua o mesmo, só estamos míopes

Marco Lourenço 25 de dezembro de 2013

Foi profissionalizado um novo esporte nacional: descer a lenha no Fluminense FC. Com exceção da maioria dos torcedores tricolores, a prática beirou a unanimidade. Não por acaso: o resultado do campo mais uma vez não foi respeitado e o último lance decisivo da competição foi feito por um time uniformizado de terno e gravata.

A despeito da especificidade jurídica da polêmica que não a qualifica tecnicamente como uma “virada de mesa”, a repercussão do julgamento favorável ao clube carioca comoveu e provocou reações diversas entre os torcedores em geral. “Vou abandonar o futebol”, o “futebol é uma vergonha”, o “futebol é mercadoria” e “abaixo o futebol moderno”, são algumas frases que sintetizam os sentimentos em questão.

Não haverá abandono. Segue o jogo. Os verbos, ao final, não são ações efetivas de qualquer ator esportivo, seja torcedor, dirigente, atleta, imprensa ou investidor. E por quê? Pois se trata de mais um caso da moral provisória, e em alguns casos, de um cinismo esquizofrênico. Tenho certeza que a maioria dos torcedores dos 17 clubes que já foram campeões brasileiros não estaria com a mesma postura se o seu clube estivesse na posição do Fluminense neste imbróglio.

Diguinho, do Fluminense, realiza drible em cima de Correa, da Portguesa, em partida válida pelo primeiro turno do Campeonato Brasileiro de 2013. Foto: Agência Photocamera.

Diante das temeridades esportivas que o campeonato nacional abriga desde 1959 – data da criação da Taça Brasil – o torcedor é torcedor do seu clube e é suspensa temporariamente qualquer sensatez ou justiça.

Mas este prognóstico é mais terrível quando olhamos o todo – e é quando as afirmações apocalípticas tomam forma. O “futebol moderno” é uma definição recorrente ao futebol da era globalizada – aquele das transferências e patrocínios milionários, dos empresários e da publicidade, de um futebol a ser desfrutado por quem pode pagar.

No contexto da Copa do Mundo de 2014 as críticas se acentuam e revelam uma dicotomia um tanto confusa. O contraponto ao “futebol moderno” é um futebol que não tem definição nem categoria. Em suma, este futebol perdido que deu lugar a este futebol negócio reúne algumas características: popular, puro, simples, democrático, tolerante, justo, etc.

Com o rebaixamento da Lusa, muitos desses e outros índices são acionados a fim de saudar um romantismo esquecido no futebol. Mas, mesmo diante de tanta paixão nas arquibancadas dos clubes de massa, porque se lamenta este romantismo? Por que não conseguimos diagnosticar com clareza este outro futebol e propor uma alternativa?

De saída, aproveito pra explicar a razão das aspas no “futebol moderno”. O futebol tal qual conhecemos é um desdobramento de um jogo praticado pelas elites europeias que se tornou esporte. O futebol, tal qual a ideia de esporte, é um produto do Estado Moderno, criado no seio da sociedade industrial e, portanto, reitera e nega simultaneamente sua lógica.

Assim, as aspas indicam uma redundância. O futebol que assistimos e lamentamos é moderno, e sempre foi. Não por um apelo semântico, mas sim por sua construção enquanto modalidade esportiva. O futebol tornou-se uma mercadoria mais complexa, mas desde que passara a ser profissional, no Rio de Janeiro e São Paulo em 1933, consolidou as bases do seu desenvolvimento como atividade econômica.

Rhayner, do Fluminense, perde o equilíbrio após jogo de corpo do atleta da Portuguesa na partida do segundo turno pelo Campeonato Brasileiro de 2013. Foto: Agência Photocamera.

O mais irônico é que as críticas à elitização do futebol recaem sobre o profissionalismo – este que, por sua vez, foi o contraponto ao amadorismo defendido pela aristocracia brasileira nos tempos primórdios do futebol no país.

A dificuldade, portanto, em propor um novo futebol e ao mesmo tempo reprovar a dinâmica deste “futebol moderno” está no entendimento do que é o futebol e o que é o esporte. Dizer isso não significa abster-se da indignação e da ação. É preciso se apropriar do futebol, seja ele comunitário, sindical, escolar ou o profissional espetacularizado.

De início, é preciso tomar o clube para si, seja ele o Comercial de Ribeirão Preto, a Portuguesa, o Fluminense, o Flamengo, Grêmio, Palmeiras ou o Corinthians. Sem participação, os diversos choques e mudanças desejados não surtirão efeito. Apenas assistiremos uma troca de faixas entre as elites.

O essencialismo, portanto, apesar de frágil e míope é legítimo e fundamental. Ele funciona como um polo magnético. Nós nunca chegamos até ele, mas é um norte que devemos guiar. Com ele, persistimos num futebol mais justo, mais limpo. Um futebol para todos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marco Lourenço

Professor, Mestre em História (USP), Divulgador Científico (Ludopédio) e Produtor de Conteúdo (@gema.io). Desde 2011, um dos editores e criadores de conteúdo do Ludopédio. Atualmente, trabalha na comunicação dos canais digitais, ativando campanhas da Editora Ludopédio e do Ludopédio EDUCA, e produzindo conteúdos para as diferentes plataformas do Ludo.

Como citar

LOURENçO, Marco. O futebol continua o mesmo, só estamos míopes. Ludopédio, São Paulo, v. 54, n. 8, 2013.
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