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O Futebol Feminino brasileiro e a minha esperança

Minha primeira lembrança de esperança quanto a avanços no futebol feminino brasileiro data de 2007. Naquele ano, eu, que sempre tinha jogado futsal, me arrisquei na empreitada de jogar campo. Me lembro de, em uma noite de treino, sentada no centro do campo de terra junto às demais jogadoras, ouvir do treinador que participaríamos da primeira Copa do Brasil de Futebol Feminino. Estávamos no segundo semestre e a seleção brasileira tinha sido campeã dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro, jogando em um Maracanã lotado e impondo uma goleada de cinco a zero na tradicional equipe dos Estados Unidos. Dizíamos entre nós que esse bom resultado obtido sob o olhar do público nacional tinha motivado, mas sobretudo pressionado a CBF a realizar algum tipo de ação em prol das futebolistas brasileiras. A Copa do Brasil teria sido a resposta.

Minha carreira no futebol de campo se encerrou naquele mesmo ano, mas a Copa do Brasil permanece até os dias atuais. Desde 2013, com a parceria da Caixa Econômica Federal também é promovido outro torneio nacional, o Brasileirão Feminino Caixa. O fato das competições nacionais estarem consideravelmente melhor organizadas do que há anos atrás não significa que as estruturas oferecidas pela CBF e pelos clubes às jogadoras já seja satisfatória. Não é. Mas optei por, nesse texto, ao invés de exaltar as tantas barreiras enfrentadas pelas mulheres que optam por fazer do futebol sua vida, em exaltar alguns avanços – ou possibilidades de avanços – importantes ocorridos especificamente em 2015.

Começamos esse ano com a convocação da seleção permanente, a nova estratégia da CBF para possibilitar uma melhor preparação do escrete nacional para as suas competições. A medida envolve a contratação de um grupo de jogadoras pela CBF, recebendo salários pela entidade e treinando de maneira contínua exclusivamente com a seleção até os Jogos Olímpicos de 2016. Uma das principais críticas feitas ao projeto é o enfraquecimento dos campeonatos nacionais com a saída das principais atletas de seus respetivos clubes. Recentemente, contudo, a CBF amenizou tal fato, anunciando que as integrantes da seleção permanente irão ser inseridas nas equipes que se classificarem para a segunda fase do Brasileirão.

Presidente Marco Polo recebe a Seleção Feminina após a conquista da
medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos 2015.
Foto: Rafael Ribeiro – CBF.

Pessoalmente me posiciono contra a formação de uma seleção permanente. Entendo que a prioridade financeira da CBF quanto ao futebol feminino deveria ser direcionada às equipes e não a um conjunto de 27 jogadoras. Mas deixando meu posicionamento de lado, reconheço que a medida representa um investimento, ainda que pequeno.

Outra ação importante foi tomada a recente sanção da Medida Provisória 671, a chamada MP do Futebol. Como muitos leitores devem saber, a MP institui ao Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, o ProFut. Por meio dele, os clubes de futebol profissional têm a possibilidade de refinanciar suas dívidas fiscais com a união, desde que cumpram um conjunto de condições. Entre essas condições encontra-se a obrigatoriedade no investimento no futebol feminino. Espera-se que a adesão de clubes tradicionais do futebol masculino provoque o surgimento de novas equipes que, além do aporte financeiro mínimo imposto pela nova lei, podem trazer também seus torcedores. Isso pode ser visto como especialmente significativo se pensarmos que um dos grandes problemas dos clubes de futebol feminino é a carência de público interessado, o que justifica baixos patrocínios e direitos de transmissão.

Saindo do campo dos investimentos financeiros, pontuo agora duas conquistas no terreno da visibilidade. A primeira foi o lançamento de uma exposição sobre o futebol feminino do Museu do Futebol, no Pacaembu. A mostra, organizada pelo Museu do Futebol em parceria com o Centro de Memória do Esporte (CEME/UFGRS), representa um importante passo no que tange ao reconhecimento da importância das mulheres na história do futebol. A exposição permanece até o fim do ano, contudo algumas das peças serão incorporadas ao acervo permanente, evidência da percepção da importância da presença das mulheres nesse espaço de memória. Vale pontuar, ainda, que além de significar uma vitória simbólica, a exposição possibilitará também que as várias pessoas que visitam diariamente o Museu tenham a oportunidade de conhecer mais sobre o futebol feminino.

Imagem: Museu do Futebol (reprodução).

A segunda conquista com relação à visibilidade é a inclusão de seleções femininas no famoso jogo de videogame FIFA. Infelizmente, tão logo foi feito o anúncio surgiram uma série de comentários nos fóruns de notícias criticando a suposta intromissão das mulheres no jogo deles, além de fazerem piadas machistas como a necessidade de abolição da regra do impedimento e a possibilidade de disputas envolvendo atividades domésticas como passar pano ou limpar vidros. Esses comentários apenas reforçam a importância de espaços de representatividade no qual as mulheres participam de atividades tradicionalmente associadas ao homem, como o futebol.

Nesse ano ocorreram ainda duas importantes competições internacionais: a Copa do Mundo e os Jogos Pan-Americanos.

Seleção Feminina no pódio dos Jogos Pan-Americanos, dia 25 de julho de
2015.
Foto: Rafael Ribeiro.

Infelizmente o resultado na Copa da Mundo não foi o esperado. A seleção brasileira foi desclassificada nas oitavas de final com uma derrota por 1 a 0 para a seleção da Austrália. Se o resultado e as próprias performances não foram dignas de comemoração, é celebrável o fato do torneio ter sido transmitido no Canal Brasil e no Sportv, possibilitando que muita gente acompanhasse os jogos. Além disso, pela primeira vez foi vendido em nosso país um álbum de figurinhas de uma competição de futebol feminino.

E se na Copa o desempenho não foi dos melhores, nos Jogos Pan-Americanos, o Brasil compensou. A equipe, além de ser campeã invicta, teve a artilheira da competição Cristiane e ainda conseguiu aplicar uma goleada de 5 a 0 na final contra a Colômbia, com direito a gol olímpico de Maurine. Ainda que o torneio não tenha sido altamente competitivo, sobretudo pela ausência dos Estados Unidos, a maneira como a equipe brasileira se impôs ante adversários inferiores foi inquestionável.

Lance do jogo entre Foz Cataratas (SC) e São José (SP), válido pelo
Campeonato Brasileiro Feminino 2015.
Foto: Agência ALLSPORTS.

Nesse setembro começará o Brasileirão Feminino Caixa que será transmitido pela FoxSports. E no próximo ano, nos Jogos Olímpicos do Rio, a seleção terá a oportunidade de conquistar um outro ouro em casa, como naquele não tão longínquo 2007. Quem sabe isso não acontece e mais incentivos e conquistas venham? Sigo esperançosa.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Luiza Aguiar dos Anjos

Atleticana, boleira, professora e pesquisadora. Interessada principalmente nas existências invisibilizadas nas arquibancadas e campos.

Como citar

ANJOS, Luiza Aguiar dos. O Futebol Feminino brasileiro e a minha esperança. Ludopédio, São Paulo, v. 75, n. 7, 2015.
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