A última rodada do Campeonato Brasileiro de 2014 trouxe algumas emoções pontuais. Dos dez jogos em disputa, dois aconteceram no sábado e valiam a classificação direta para a fase de grupos da Libertadores. Lá duelavam Internacional e o Corinthians por essa vaga. Apesar de alguns sustos no desenrolar dessas duas partidas as duas equipes conseguiram vencer seus adversários.

No domingo aconteceram as outras sete partidas e três delas definiriam duas equipes rebaixadas para a segunda divisão em 2015. A equipe que tinha mais chances de escapar era o Palmeiras pelo fato de depender apenas dos seus resultados, isso em caso de vitória contra o Atlético-PR. Com dois pontos a menos estava o Vitória que jogou em casa contra o Santos. Se vencesse precisaria que o Palmeiras não saísse vencedor em seu novo estádio. A situação mais delicada era do Bahia que, além de vencer o Coritiba na despedida de Alex do futebol, precisaria contar com a derrota do Palmeiras e ao menos o empate do Vitória.

Esse era o quadro da emoção da ponta de baixo da tabela após 37 rodadas. Entre as inúmeras mudanças de posições das equipes ao longo do campeonato esses três clubes que lutavam para ficar com apenas uma das vagas disponíveis mantiveram-se, invariavelmente, da metade para baixo na tabela de classificação. Em outras palavras, a toda rodada flertavam ou entravam na zona de rebaixamento.

Time posa para a foto antes do início da partida decisiva. Foto: Cesar Greco – Ag Palmeiras – Divulgação.

Portanto, esse texto é fruto de uma versão da agonia que os torcedores do Palmeiras passaram durante o ano tão especial para o clube, o seu centenário. Certamente, os torcedores do Bahia e do Vitória possuem seus argumentos e o convite está feito para escreverem nesse espaço.

Durante o Campeonato Brasileiro de 2014 o Palmeiras começou com o técnico Gilson Kleina que foi substituído pelo argentino Gareca que, por sua vez, foi demitido antes de entender a lógica do futebol brasileiro. Para seu lugar Dorival Junior foi apresentado como o nome certo para salvar o time do rebaixamento. Tanto não era o nome certo que foi demitido um dia após a rodada final do campeonato.

Seus primeiros resultados mostraram que era possível transformar um elenco limitado em uma equipe competitiva. Porém, isso durou poucos jogos. Logo a dura realidade que o Palmeiras estava inserido voltou a aparecer. Faltando seis rodadas para o término o Palmeiras precisava conquistar mais três pontos para tranquilizar a sua torcida e se conseguisse seis certamente se safaria da terceira queda em 12 anos. Mas o que se seguiu fez a torcida – que não parou de apoiar o time no estádio – agonizar diante da possível queda no centenário do clube.

A sequência de cinco derrotas para o Atlético-MG (em casa e com o time mineiro jogando com seus reservas), para o São Paulo (o time não venceu nenhum clássico nesse campeonato), para o Sport (na estreia em seu novo estádio), para o Coritiba (até aquele momento um dos seus adversários diretos), Internacional (em que a vitória seria um feito histórico diante do retrospecto das duas equipes na competição).

O jovem Victor Luís concentra-se para a partida. Foto: Cesar Greco – Ag Palmeiras – Divulgação.

De 15 pontos disputados, o Palmeiras não conseguiu um ponto sequer. Viu seus rivais diretos se aproximarem e ter que decidir seu futuro na última rodada. Mesmo assi, o time dependia apenas de sua força para escapar do rebaixamento. Mas estava aí o grande problema do Palmeiras: depender de si para conseguir as vitórias. Vencer o Atlético-PR surgiu como obrigação ainda mais quando o clube paranaense escalou um time com apenas três titulares. Parecia que tudo estava dando certo tanto quanto tinha dado para a reeleição do presidente do Palmeiras Paulo Nobre mesmo diante de tantas críticas em sua gestão.

A partida decisiva aconteceu mesmo na Arena do Palmeiras. Nos dias anteriores à partida houve uma tentativa de mudança do local sob alegação de que, diante de um resultado adverso, leia-se o terceiro rebaixamento em 12 anos, seria muito fácil de invadir o campo e acontecer uma tragédia. Decisão acertada em manter o jogo no estádio do clube. Afinal, o estádio foi construído para ser usado.

O jogo começou com chances para os dois lados. Porém, o gol do Atlético-PR saiu após uma cobrança de escanteio. No meio da zaga o jogador do clube paranaense cabeceou e Prass, goleiro do Palmeiras, saltou sem conseguir realizar a defesa. A agonia voltava a tomar conta da Arena. Em sua segunda partida, era o terceiro gol sofrido e nada de ouvir os gritos dos torcedores palestrinos.

Mas até ali, mesmo com a derrota o Palmeiras estava mantido na primeira divisão, pois o Vitória e Bahia seguiam empatando suas partidas. Mas logo chegou a notícia que o Bahia havia feito o primeiro gol contra o Coritiba. Em suma, a equipe que dependia de dois resultados adversos de Palmeiras e Vitória (que poderia empatar), com a vitória parcial, conseguiria se manter na primeira divisão. O segundo gol do Bahia só confirmava que o Palmeiras precisava, ao menos, empatar.

O também jovem João Pedro tenta fazer o gol do Palmeiras, mas é parado pelo excelente goleiro do Atlético-PR. Foto: Cesar Greco – Ag Palmeiras – Divulgação.

O empate palmeirense saiu após um pênalti marcado. O chute do jogador do Palmeiras ia em direção ao gol, mas desviou no braço (sem intenção) do atleta paranaense. Porém, como desvio a trajetória da bola que ia para o gol o auxiliar ajudou o árbitro a marcar a penalidade. Henrique, o artilheiro limitado (isso pode ser percebido pela impaciência da torcida diante de suas ações pouco efetivas durante os jogos), fez seu 16o gol e colocava o clube novamente na primeira divisão.

A partida do Vitória seguia empatada, mas o empate do Palmeiras mantinha as chances do clube baiano de permanecer na primeira divisão. Bastava um gol do Vitória para rebaixar o Palmeiras. O Bahia continuava a torcer por mais um gol do Atlético-PR, mas já sofria com o desejo do Coritiba – que havia feito seu primeiro gol – em encerrar a carreira do Alex com uma vitória.

Esse era o quadro do final do primeiro tempo. O jogo do Vitória havia começado alguns minutos antes do jogo do Palmeiras, mas o clube baiano atrasou a volta para o segundo tempo. Desse modo, a partida do Palmeiras recomeçou antes do jogo no Barradão. Vale ressaltar que o atraso do Vitória para retornar ao segundo tempo não fazia o menor sentido, pois o clube só se salvaria se houvesse uma combinação de resultados: sua vitória e empate ou derrota do Palmeiras. Em suma, teria que vencer de qualquer modo e não adiantaria previamente saber o resultado do jogo do Palmeiras.

Henrique e Gabriel Dias comemoram o gol de empate do Palmeiras. Foto: Cesar Greco – Ag Palmeiras – Divulgação.

O segundo tempo nessas três partidas seguiu o ritmo de grande tensão. O Atlético-PR que teve chances claras ainda no primeiro tempo de fazer mais gols não incomodou o Palmeiras na segunda etapa. Porém, também não viu a equipe paulista, que precisaria vencer para escapar sem combinações de resultados, ter grandes chances de gols. O empate do Coritiba aos 40 minutos do segundo tempo praticamente selava o rebaixamento do Bahia. Fato confirmado com a virada do Coritiba aos 49 do segundo tempo. Como a partida do Palmeiras terminou empatada ainda faltava o término do jogo entre Vitória e Santos. Um gol do Vitória rebaixaria o Palmeiras.

A apreensão que tomou conta do estádio do Palmeiras era uma mistura de desespero, pelo fato de que o time que dependia só de si para se livrar do rebaixamente não ter vencido o mistão do Atlético-PR, e de torcida para o Santos não sucumbir nos descontos e prejudicar o verdão. Para todos os palmeirenses a famosa frase de que o “o jogo só acaba quando termina” não fazia o menor sentido. Nesse campeonato de pontos corridos, a ação de uma equipe interfere na vida de muitas outras. E assim, os minutos finais que separavam o término da partida na nova Arena e o fim do jogo no Barradão duraram mais do que os 100 anos do Palmeiras, vejam só, completados exatamente esse ano. O alívio veio somente com outro gol, também aos 49 do segundo tempo, do Santos marcado por Thiago Ribeiro. O Palmeiras estava garantido na primeira divisão em 2015!

Valdívia assumiu o papel de grande líder do time e orientou durante toda a partida os demais jogadores. Foto: Cesar Greco – Ag Palmeiras – Divulgação.

Essa agonia que em certos momentos teve o tom de tragédia foi só uma entre tantas outras indicações que o clube não se adequou às novas mudanças pelas quais o futebol vem passando nas últimas décadas. A gestão de Paulo Nobre poderia ter sido diferente das demais, mas no discurso de conter gastos não conseguiu manter alguns jogadores principais no elenco, conseguiu montar uma equipe mais fraca do que a do ano anterior quando disputou a Série B, manteve José Carlos Brunoro como gerente de futebol e pelo alto salário que recebia não correspondeu ao que o clube precisava. Veja, o clube queria conter gastos e teve mais de trinta jogadores no elenco, três técnicos em um ano, o que significa que tiveram que pagar indenizações. Enfim, o Palmeiras é o puro reflexo de uma administração confusa e sem planejamento definido. E isso faz com que o clube não saiba onde quer chegar.

Resta torcer, e assim esperam os seus torcedores, que 2015 seja um ano melhor. Que Paulo Nobre e sua diretoria possam fazer, de fato, uma revolução na estrutura do clube, recriá-lo e não fazer uma reforma que afeta apenas algumas peças. Só assim o clube entrará no século XXI e, enfim, se manter como um dos grandes clubes do futebol brasileiro. Seus torcedores esperam que isso aconteça logo, pois do contrário todo ano além de torcer para o Palmeiras, seus torcedores vão ter que continuar a torcer pelas derrotas de muitos clubes para que o seu permaneça na primeira divisão do futebol nacional. Torcemos por dias melhores desse clube centenário.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. “O jogo só acaba quando termina”?. Ludopédio, São Paulo, v. 66, n. 4, 2014.
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