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O menino que queria jogar bola

Estou escrevendo um livro-reportagem que deve ser publicado em dezembro de 2018. Inicialmente em João Pessoa, mas podendo se expandir para quantos lugares houver leitores interessados em conhecer essa história incrível de fé, superação, vida e futebol.

É a história de um menino que sonhava em ser jogador de futebol. É a história de uma criança feliz e (até então) saudável, que era pleno com uma bola no pé, com a camisa de seu Fluminense e de seu Botafogo-PB, calçado com os tênis ou com as chuteiras que lhe faziam parecer um verdadeiro herói.

Mas é a história também de um menino que aos oito anos de idade foi diagnosticado com um tumor maligno no cérebro, com uma mazela que mudaria sua vida para sempre.

O menino, que jogara bola ainda no dia anterior, reclamou de dores de cabeça. Foi levado à oftalmologista para procurar saber se precisaria usar óculos e saiu da clínica diagnosticado com o tal tumor. Dali para fazer os exames que comprovariam a gravidade do problema até a cirurgia passaram-se apenas 48 horas.

Ele foi operado. Curado. Mas teve um outro problema decorrente do primeiro. Voltou ao hospital, desta vez apresentando um quadro clínico infinitamente mais grave e aparentemente definitivo.

Chegou a morrer. Ou quase, visto que ressuscitou. Ficou em coma profundo, enfrentou a morte por longos dias de angústia, mudou as vidas das pessoas próximas que presenciaram indefesos tudo aquilo que ele enfrentou. Enfrentou, e venceu, bravamente, ainda que naquele primeiro momento ninguém soubesse que de fato venceria.

Pois, é sobre essa história que (em paralelo ao meu mestrado, onde pesquiso torcidas de futebol na Paraíba) estou debruçado há alguns meses e que devo seguir trabalhando até o dia do lançamento. Estou na fase de escrita. Mas já entrevistei médicos, fisioterapeutas, familiares, amigos, treinadores.

Estou tão impactado com tudo o que venho vivendo, descobrindo e refletindo, que uso este espaço como uma espécie de sala de terapia para falarmos de nossas angústias, nossas emoções, nossos temores. E sobre futebol também.

Futebol de valor imensurável na mente e no coração de muitos brasileiros. De importância vital para aquele menino. Futebol aqui como símbolo da sobrevivência, da teimosia, do heroísmo, da insistência em se manter vivo. Como algo muito mais profundo do que apenas um jogo de bola. Algo que, ao mesmo tempo, é igualmente simples e profundo.

Futebol como símbolo maior de um menino que simplesmente ousou se negar a morrer para poder por bem mais tempo viver a inexplicável sensação de liberdade, de amor e de felicidade que só uma partida de futebol pode proporcionar.

O menino que queria jogar futebol. Foto: Jannik Skorna/Unsplash.

Porque ele lutou. Brigou. Bradou. Às vezes no silêncio mórbido do coma. Às vezes nos gritos de dor das sessões de fisioterapia. Às vezes nas comemorações alegres em meio às pequenas conquistas. Para, como prêmio maior de tanto esforço, poder uma vez mais desafiar as previsões médicas.

Não era um menino qualquer. Era o menino que queria jogar bola. Ou voltar a jogar, que seja. E isso não é pouco na mente apaixonada do boleiro.

Correr atrás de uma bola, marcar forte um adversário, abraçar o companheiro no extravasamento incontido do gol, vivenciar um esporte mágico que move multidões, mas move também o imaginário de uma criança que estava decidida a não perder para sempre aquelas sensações mágicas.

De certa forma, é um livro também sobre milagres. E o milagre pode estar num chute na bola que faz o coração voltar a pulsar forte. Emocionando para sempre pais, avós, amigos que sonhavam poder voltar a ver o menino reverenciar o futebol.

Afinal, o livro é sobre um menino que foi dado como morto e que, depois de sobreviver, disseram que ele nunca mais teria uma vida normal. Hoje tem. E o que lhe movia a cada momento na dolorida recuperação foi o sonho imensurável de um dia voltar a jogar bola. Hoje joga.


Este texto foi originalmente publicado no Blog Comunicação, Esporte e Cultura.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Phelipe Caldas

Doutorando em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos, mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Paraíba, graduado em Comunicação Social - Jornalismo pela UFPB. É escritor e cronista, com quatro livros já publicados. Integra o Laboratório de Estudos das Práticas Lúdicas e de Sociabilidade (LELuS/UFSCar) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnografias Urbanas (Guetu/UFPB). É membro-fundador da Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte (ReNEme).

Como citar

CALDAS, Phelipe. O menino que queria jogar bola. Ludopédio, São Paulo, v. 113, n. 19, 2018.
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