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O que a História do Esporte tem para ensinar a Super Liga Europeia?

Glauco José Costa Souza 21 de abril de 2021

A História, enquanto ciência, tem diversas finalidades para a nossa sociedade e uma delas é indicar equívocos cometidos no passado e que não podem ocorrer novamente no presente, a fim de não prejudicar o futuro. Não se trata, de antemão, de dizer o que foi certo ou errado antigamente, mas sim de indicar caminhos que, uma vez tentados, não produziram os resultados que às vezes as memórias de alguns tentam impor de forma inverídica, como pode ser o caso a respeito da visão sobre a Super Liga Europeia.

Europa Superliga

A competição deve ser organizada por alguns dos maiores clubes do futebol europeu, dentre os quais se destacam o Real Madrid e o Barcelona, da Espanha, o Manchester United, o Manchester City, o Arsenal e o Liverpool, da Inglaterra, bem como a Juventus, a Internazionale e o Milan, da Itália. O objetivo de seus idealizadores é simples: reunir periodicamente os melhores times do mundo, se enfrentando em grandes jogos para atrair o interesse do público. A justificativa, segundo os mesmos, é que só assim o futebol poderia seguir como um esporte atrativo para o público.

Curiosamente, a História do Esporte nos ensina que, embora existam muitas narrativas sobre o desenvolvimento esportivo em torno dos grandes clubes, não são apenas elas que explicam e, principalmente, garantem que as práticas esportivas, em especial o futebol, se tornaram tão “populares” nas sociedades. Podemos identificar que do século XIX até 1940, o futebol, por exemplo, era apresentado como resultados dos seus grandes “pais fundadores”, todavia as pesquisas mais recentes não só questionam o “nascimento futebolístico” em determinadas localidades, como também mostram outros elementos cotidianos que ajudam a entender o seu desenvolvimento para além do que até então era contado: as pessoas que não deixaram seus registros escritos também jogavam futebol e elas são maioria em relação àqueles que tiveram suas experiências escritas.

Se pudermos tomar com exemplo a História do Futebol no Rio de Janeiro, temos como um ponto importante de inflexão para isso o ano de 1923, quando os “fundadores” do futebol carioca decidiram criar uma nova liga mais afeita aos seus interesses. Assim, Fluminense, Flamengo, Botafogo e América deram vida a Associação Metropolitana de Esportes Amadores (AMEA). Vasco e outros clubes que pertenciam ao que ainda é chamado de subúrbio da então Capital Federal ficaram na Liga Metropolitana, onde estariam então os clubes pequenos, que não estavam no topo da pirâmide futebolística, com seus jogadores negros, pobres e analfabetos.

A AMEA acreditava que detinha os melhores futebolistas e, por isso, atrairia o maior interesse do público – Semelhante ao que pensam os idealizadores da Super Liga. Entretanto, quando a bola rolou em duas competições simultâneas, o interesse pelos jogos da Metropolitana, em especial, mas não de forma exclusiva, do Vasco, fizeram esta visão cair por terra. Hoje, as pesquisas históricas permitem que tomemos conhecimento deste tipo de narrativa, que nos ajuda a refletir mais sobre o desenvolvimento do futebol.

Este período é marcante no Rio de Janeiro, mas ele só é possível porque durante anos o futebol foi jogado nos subúrbios cariocas. A existência da Liga Suburbana de Futebol é desde 1907, um ano apenas depois do criação do que hoje conhecemos como o Campeonato Carioca (em 1906). Dessa forma, podemos ver que, se por um lado há uma maior atenção aos “times grandes”, ela só é possível porque existem diversos “clubes menores” fazendo o trabalho diário de manter o futebol como um esporte atrativo para as sociedades.

A ideia de que o futebol se tornou o que é apenas pelos grandes jogadores ignora totalmente que estes mesmos grandes jogadores não nascem grandes, eles se tornaram assim ao longo do tempo. O mesmo vale para os times que se consideram gigantes: eles se tornaram assim com o passar dos anos. E, até lá, foi preciso encarar desafios que ficaram marcados em sua história. Atualmente, no futebol europeu é assim também, ainda que alguns queiram negar isso.

O Manchester City, por exemplo, um dos novos ricos que é considerado um dos grandes da Inglaterra atualmente, tem, até o dia 20 de abril de 2021, a vitória contra o Queens Parl Rangers como a mais importante de sua história. Que hoje foi esse? O dia em que o time então treinado por Roberto Mancini foi campeão da Premier League, com gol de Aguero nos minutos finais. Se dependesse apenas da Liga dos Campeões da Europa, a equipe que hoje tem como treinador Pep Guardiola não poderia ser considerada grande, até porque tem menos títulos na competição do que o esquecido Nottingham Forest, que é bicampeão europeu. 

Torcedores do Manchester City
Torcedores do Manchester City invadem o campo após a conquista do título 2011–12. Foto: Wikipédia

É preciso que a História do Esporte, em toda sua variedade e complexidade, seja respeitada pelos dirigentes esportivos da atualidade. Acreditar que o futebol é monopólio de um determinado grupo é algo que algumas narrativas do século passado buscaram referendar, mas elas falharam, sobretudo diante dos inúmeros trabalhos sobre o tema que mostram outras perspectivas da experiência futebolística.

A História do Esporte tem muito a ensinar para os “criadores” da Super Liga. Eles podem repetir erros do passado no presente e prejudicar seu futuro ou respeitar as diversidades esportivas que se manifestam no futebol. Liverpool jogar contra o Everton, por exemplo, não é só importante para para o Everton, é essencial para o Liverpool, pois estes confrontos alimentam diariamente a paixão do torcedor e não podem ser substituídos por jogos frequentes em um torneio de cartas marcadas contra o Milan. O futebol é, essencialmente, paixão e paixão tem que ser vivida da forma mais intensa possível, não dentro de um espaço controlado. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Glauco Costa

Doutorando em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), também possui graduação em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2015). Tem experiência nas áreas de pesquisas sobre História Econômica, História Social e História Cultural, bem como na produção de textos jornalísticos.

Como citar

SOUZA, Glauco José Costa. O que a História do Esporte tem para ensinar a Super Liga Europeia?. Ludopédio, São Paulo, v. 142, n. 42, 2021.
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